Há um programa na SIC gaja de que gosto particularmente, chamada How to Look Good Naked. A ideia é fazer as mulheres gostarem do seu corpo tal como é, sem ligarem a traumas e bocas da reacção. O que, convenhamos, é o que deve ser.
O curioso deste programa é ser apresentado por um dos antigos meninos do Queer Eye For The Straight Guy, aquele onde gays cheios de estilo davam uma ou outra noção de estilo, ética e etiqueta aos neanderthais dos homens hetero. Que sejam homens que, assumidamente NÃO estão interessados no nosso corpo dessa forma que nos ensinem a gostar dele e a respeitá-lo não deixa de ser curioso. Não seria mais lógico que fossem os Hetero, aqueles que estão mais interessados em tirar os devidos usufrutos do nosso corpo a incentivar-nos a gostar dele? Seria, mas não é. E a culpa é da arte, da filosofia e do complexo fálico masculino, que faz mais vítimas que a tuberculose na época vitoriana. Eu explico.
Começamos pelos gregos. Ora os gregos antigos são, como todos sabem, os responsáveis pelos nossos padrões de beleza actual. Toda a escultura, toda a pintura, toda a representação gráfica do corpo humano tem essa matriz. Que tenha sido feita por uma civilização que mantinha as mulheres fechadas em casa e considerava o amor perfeito o vivido entre dois homens (idealmente entre mestre e aluno) não é, de todo, irrelevante. Mas pese o que pese este argumento, a verdade é que foi a sua arte que nos serviu de modelo, privilegiando o corpo feminino de uma forma e não de outra, esbelto e não rechonchudo, simétrico e não assimétrico, perfeito e não imperfeito.
Quanto à filosofia, também os gregos têm muita culpa (e como a religião lhe absorveu os conceitos por extensão, não é mencionada): o espírito sobre a carne empurra o conceito filosófico para um corpo espiritual, livre de todas as coisas demasiado carnais, ou sensuais, como preferirem: ancas e seios generosos, altura e potência física.
Por detrás, ou melhor, por detrás não, inerente a este conceito está o trauma da supremacia fálica dos homens que os faz sentir-se ameaçados por mulheres maiores que eles, relegando-as, tanto quanto possível à subserviência e à fragilidade. Mulheres que podem ser protegidas, mais facilmente são dependentes e subservientes.
Por mais que os conceitos estéticos, filosóficos ou morais evoluam, esta verdade é a pedra angular da civilização ocidental.
O que todos estes conceitos elevados (misóginos, mas elevados) têm a ver com TV e ficar bem despida é que eles são os responsáveis, os vilões das nossas histórias, os maléficos que nos põem em pânico em frente a um espelho. Ficar nuas à frente de gente, mesmo tratando-se dos homens que amamos (ou pelo menos desejamos) é difícil para nós. Achamos sempre que podíamos ser melhores, comparamos-nos com as estátuas, os quadros, as fotos das revistas e encontramos-nos em falta. E isso assim não pode ser.
Eu gosto do meu corpo. É bom e forte e saudável e serve-me bem. Os olhos não funcionam lá muito bem, nada que não se resolva com óculos. As pernas levam-me onde quero ir, as mãos agarram e prendem, acariciam e fazem o que devem fazer, a cara tem todos os requisitos habituais, dois olhos e um nariz, uma boca, duas orelhas. Gosto de poder com ele. E quem não goste que meta uma rolha. Vai-se pôr a vida em suspenso por centímetros em sítios que dizem que em teoria não deviam ter esse tamanho? Por curvaturas e ângulos dos elementos que nos constituem? Por células acumuladas no sítio X e ausentes no sítio Y, que não pensam, não sentem, não são? É claro que não.
A lição que o How to Look Good Naked nos ensina é que para ficarmos bem nuas precisamos apenas de confiança. E selectividade para não partilharmos a nossa vida com os neanderthais que não aceitam o nosso corpo como somos. Todas as coisas são belas, todas as mulheres, todos os homens, se não tivermos uma versão restrita e convencional daquilo que constitui a beleza. Ok, não somos Vénus de Milo ou do Boticelli, mas podemos ser do Botero ou de Willendorf, que são arte e beleza igualmente. E depois, é a alma, é o que escolhemos fazer com esse aglomerado de células não-pensantes que constitui o nosso corpo que contam. Quem nos vê nuas deve gostar tanto de nós como quando estamos vestidas, não pelas características, mas pela intimidade, mas porque somos Nós, e de perto. E se isso acontecer, estaremos sempre bem nuas.