segunda-feira, maio 04, 2009

Tess

Antes de eu nascer a minha mãe tinha decidido que eu ficaria com o nome da minha madrinha, Teresa. A minha madrinha, uma das irmãs da minha mãe, aprovava intensamente. Claro que todos os melhores planos estão fadados ao fracasso e Teresa é apenas uma agradável memória daquele que poderia ter sido o meu nome em lugar daquilo que ele é (e as minhas amigas, em comentários, estão TERMINANTEMENTE proibidas de o repetir). Se a minha madrinha ficou desapontada por não ver o seu nome perpetuado na geração seguinte nunca o demonstrou. Foi, pelo contrário uma presença constante ao longo da minha infância, e pode-se dizer que muito do que eu aprendi sobre a vida, os homens e o amor foi com ela e com as amigas dela. Sentada num canto (ao longo da minha infância ficar a um canto a ver e ouvir era um passatempo preferido, aliás, hoje também é) ouvia-as conversar sobre amores e desamores, propostas de casamento, diferentes pretendentes, amores ilícitos , mulheres abandonadas em escândalo and so on, and so on. Não que a vida no lugar onde cresci fosse assim tão excitante, a pulular de tensão sexual e amores secretos, mas as pessoas têm lá grandes imaginações e memórias ainda maiores. De qualquer forma, tinha a minha tia mais que assunto para falar, mesmo sem se prestar a sessões de má-língua , pois era bonita, namoradeira e alegre e as amigas eram muitas e complicadas. Nunca usaram de meias-palavras ou eufemismos piedosos nestas conversas, as coisas eram o que eram, mesmo com uma miúda a ouvir. Essa era a mentalidade do sítio onde cresci, sem papas na língua nem superprotecções às criancinhas. As coisas más que aconteciam serviam como advertência às gerações seguintes e pronto.
Quando li o Tess, e li-o bastante cedo, a sensação que tinha era que a conhecia, que já tinha ouvido esta história, ou muitas muito parecidas. No Portugal retrógrado e no seio da sociedade ultra-conservadora em que fui criada as histórias de mulheres seduzidas e abandonadas eram muitas, e terminavam sempre mal (como deviam, para que o mulherio não se pusesse com ideias de igualdade sexual e por aí adiante). Mas se conhecia a história, não conhecia o tom da mesma. Quase podia ouvir a minha tia e as amigas a comentar a história da rapariga seduzida pelo filho do patrão (facto, aliás, bastante corriqueiro) que engravidava. Mas o tom de compaixão era novo. A sensibilidade com que esta Tess é tratada é nova. E ler isto aos onze anos foi um passo claro no caminho de ser aquilo que sou hoje. Admirava Tess pela sua capacidade de amor, pela sua capacidade de sofrimento, despertando em mim uma empatia por seres em sofrimento que ainda hoje rege a minha forma de ser e estar.
Devo, aliás, dizer, que durante muito tempo me identifiquei com ela. Mas o conhecimento primário da vida que absorvi da minha tia Teresa e das suas histórias de Tess à portuguesa, a compaixão e identificação primária com aquele ser sofredor, constantemente mandado abaixo por golpes de vida madrasta sorvido do livro foram substituídos por emoções e reflexões mais complexas, menos a preto e branco. Aquilo que penso hoje sobre sofrimento, sobre vítimas indefesas é completamente diferente. Como diz São Paulo no célebre Capítulo 13 da Epístola aos Coríntios, quando éramos pequenos fazíamos coisas de meninos e pensávamos como meninos, mas não mais. Vi em Tess apenas a vítima indefesa, mas suponho que não tinha visto nela outra coisa, que vejo agora com outra maturidade: a capacidade de resistência a todos os golpes, a capacidade de sobrevivência. Não percebia, como percebo agora, que só somos vítimas por escolha. Sobreviver,superar é mais difícil que ser vítima, mas mais compensador. Ser vítima pesa a nós, pesa aos outros. Ser sobrevivente é aguentar-se nos seus próprios pés, de peito aberto para o que vier, mesmo que seja apenas mais um golpe, mais uma desilusão. E só isto, só esta lição, já vale a pena a leitura (e releitura) deste livro.

2 comentários:

IrisCairo disse...

Fiquei com vontade de reler o livro, mas partilho da ideia actual que mais vale sofrer e sobreviver, do que ser vítima e depender de outros.

Passionária disse...

Exactamente, Iris:)