segunda-feira, maio 24, 2010

O dez perfeito e a síndrome do nerd bonzinho

Andava já há algum tempo a equacionar um texto sobre a maneira como nós as mulheres somos vistas pelos homens, mas foi um artigo como este http://http//www.rooshv.com/the-1-10-scale (havia outro ainda mais detalhado, mas foi retirado por ter provocado uma grande polémica nos Estados Unidos devido ao seu conteúdo um tudo-nada sexista) que serviu de catalisador. Só quando vi a escala preto no branco é que me capacitei de que a vida era mesmo assim e que, consciente ou inconscientemente, todos os homens trazem na cabeça uma escalazinha porque somos avaliadas e desejadas ou rejeitadas como potenciais parceiras sexuais.
Esta lista, aliás, não traz nada de novo porque esta verdade, como todas as verdades da vida, é autoevidente e empiricamente confirmável. Nós sabemos perfeitamente que somos alvos desses juízos de valores, aliás, nós próprias os fazemos, claro que aquilo que corresponde a um dez perfeito para nós nessa imaginária escala de perfeição não é o mesmo que aquilo que corresponde a um dez perfeito para um homem. Para eles tem mais a ver com medidas, tamanhos de copas e capacidade de os fazer sentir uns grandes sedutores, para nós já envolve um outro nível de requisitos como disponibilidade emocional, capacidade de empatia e apoio em crises e sentido de responsabilidade perante a família conjugados com essa parte física. E mais, não só os nossos pré-requisitos naquilo que corresponde um dez perfeito são mais extensos como a maneira como lidamos com a sua escassez é diferente da masculina. Nós sabemos que os dez não abundam a não ser nos nossos romances cor-de-rosa, por isso estamos dispostas a olhar outra vez para todos os outros. Ser-se um vá, três ou quatro em termos físicos pode perfeitamente ser ultrapassável, desde que as outras qualidades equilibrem a balança, já para uma mulher ser um três ou um quatro (ou um um, credonossasenhoradaaparecida) é a morte da artista. Não importa a personalidade, a inteligência, o carácter, os interesses ou expectativas, nada a safa.
O cinema está cheio de filmes, como o de cima, em que um rapazinho não muito bonito luta por conseguir o amor da mais gira da escola, normalmente cheerleader loira e gira que deixa de ser superficial e lhe vê as verdadeiras qualidades. Não conheço uma única comédia romântica, uma única em que os papéis se revertam. Pelos vistos a superficialidade dos homens no querer conseguir o dez perfeito está muito bem e a nossa está muito mal. Oh well, lá está a sociedade patriarcal mais uma vez a tratar-nos como cidadãs de segunda... É que este nerd feiote é retratado como o companheiro ideal, porque não é aberta e claramente um boçal com muitos músculos como o chefe da equipa de futebol com que a cheerleader andava antes, mas numa segunda análise deixa logo de o ser, pois demonstra a mesma capacidade para ser fútil e superficial que os outros têm. Não há comédias românticas onde os dois nerds se apaixonem, não. Não há histórias onde o bonito príncipe fique com a irmã feia, não mesmo. Ou, como diz o sucesso dos Roquivárius acerca de uma moça chamada Cristina, a beleza é fundamental.
Esta atitude em que a nós nos é pedido espírito aberto e flexibilidade em relação aos homens e nos é exigido um conjunto de características específicas resulta em frustração e desadequação por parte das mulheres. A maioria de nós tem sempre algo que não está bem, que não encaixa nesse dez perfeito e passa a vida a conseguir ter. Ou é a altura ou o peso ou o tamanho de copa ou a cor de cabelo/olhos/pele, ou o gosto ou o tipo de voz ou, ou, ou... O ênfase na beleza física e na perfeição é tão grande que a maioria das mulheres se concentram apenas nessa área da sua vida, sem tempo, vontade ou disposição para desenvolver carácter forte ou personalidade vincada. As recompensas para desenvolver estas coisas são apenas reconhecidas entre os pares. Como já disse antes, personalidade, carácter ou princípios são postos em segundo plano em relação à beleza física.
Mas o mais engraçado de tudo é que os próprios filmes que glorificam os nerds e os dez perfeitos mostram a fragilidade do mito: a reforma de carácter da bela nunca se dá na vida real, e as pessoas bonitas, como dizê-lo de forma diplomática, não têm grande apetência por desenvolver compaixão ou altruísmo, encarando a adoração como direito e não como privilégio. Mais que isso, os nerds acabam por se fartar de belezas vazias, trocando uma bela mais velha por uma bela mais nova, deixando as originais sozinhas num mundo onde sempre foram aduladas, já sem a frescura da juventude e carregadas de responsabilidades. E sobretudo deixando aquelas que são uns, dois ou três e engraçadas, com carácter e sentido de auto-ironia como flores do papel de parede: em segundo plano e a ver a vida passar ao lado.



já que sentir é primeiro
quem presta alguma atenção
à sintaxe das coisas
nunca há-de beijar-te por inteiro;

por inteiro ensandecer
enquanto a Primavera está no mundo
o meu sangue aprova,
e beijos são melhor fado
que sabedoria
senhora eu juro por toda a flor. Não chores
- o melhor movimento do meu cérebro vale menos que
o teu palpitar de pálpebras que diz

somos um para o outro: então
ri, reclinada nos meus braços
que a vida não é um parágrafo

E a morte julgo nenhum parêntesis

e.e.cummings

quarta-feira, maio 05, 2010

Cougar town

A minha amiga S. diz que nós estamos na idade ideal. Aos trintas, e em termos de homens, tanto dá irmos dez anos para a frente como dez anos para trás que não faz diferença nenhuma. Eu compreendo-lhe perfeitamente o ponto de vista, apesar de considerar que este ponto de vista nos mete em alguns sarilhos, mas já explico.
Estou convicta que agora, aos trinta, estamos no nosso apogeu. Eu sei que os homens consideram que o nosso apogeu é aos vinte e pouco porque é quando fisicamente estamos mais perto daquilo que eles acham perfeito, mas a verdade é que independentemente do que eles pensam, aos trinta é que nós estamos bem. Aliás se o meu eu de trintas pudesse dar uma ou duas palavrinhas ao meu eu de vintes essas palavrinhas andariam de certeza na onda do "sua parva". Sentimo-nos mais confiantes com o nosso corpo e a nossa sexualidade, relativizamos aquilo que percebemos como defeitos e, com a experiência das relações passadas, aproveitamo-las melhor, sem os stresses e as pressões que sentíamos antes. Com esta atitude temos confiança para os homens mais velhos, sentimo-nos à vontade com eles mais novos. Claro que com isso levamos com a fama de trintonas malucas... mas não sei se será evitável o preconceito.
Nas regras daquilo que é a relação perfeita, e como qualquer herói da Nora Roberts lhes dirá, a idade perfeita para um homem casar está nos trinta e poucos, depois de uma década e tal a galinhar de mulher em mulher é suposto estar já capaz de assentar. Já para as mulheres a idade das mulheres varia, mas não ultrapassa os vinte e cinco ou vinte e seis. Isto é interessante: considerarão as regras dos casais perfeitos que uma mulher precisa de um tempo de galinhagem menor que um homem? Será o preconceito de que as mulheres amadurecem mais depressa que os homens e o de que são naturalmente mais contidas em termos sexuais que os homens verdade? I don't think so. Eu que tenho uma mentalidade austera desde os cinco anos considero que aos vinte e poucos era, como dizê-lo delicadamente, uma parva. Os anos que se passaram entre esse ponto e o que me encontro fizeram-me muitíssimo bem. Os outros não acham, mas eu sim.
Aparentemente, e de acordo com a mentalidade patriarcal que rege a nossa sociedade, não temos nada que andar por aí armadas em Senhoras Independentes. Uma mulher mental, física e sexualmente insegura é que se quer, é que é bem. Se são trintonas e disponíveis, não devidamente guiadas e controladas pelos homens somos uns perigos à solta. Tenham medo, tenham muito medo...
Cá em Portugal somos apelidadas de trintonas malucas, o sonho de auto-denominados mal-casados e homens parvinhos com desejos de fazer de nós o Creoula, navio-escola onde se passa uns meses para aprender. Nos países anglo-saxónicos somos cougars, pumas, predadoras implacáveis que abocanham os incautos que nos passam à beira. Na sociedade patriarcal em que vivemos, a culpa é mais uma vez (sempre) nossa. Onde é que já se viu mulheres terem ideias claras e controlo sobre si mesmas, o seu corpo e parceiros? Oh, o horror.
Mas este não é um texto de corte e costura, é um texto de celebração. Não é tão bom estarmos num ponto da vida em que as únicas barreiras são as da nossa imaginação? É. Por isso aproveitem, vistam os vossos casacos tigresse e vão viver. E a Mrs. Robinson que se lixe, é só uma personagem de filme.