quinta-feira, abril 30, 2009

Susan Boyle e a descoberta da pólvora

Uma vez por outra, se tivermos sorte, aparece uma coisa qualquer, ou uma pessoa qualquer que nos abala o sistema e os esquemas mentais. Esta espécie de terremoto moral de 2009 resume-se na pessoa de Susan Boyle. E resume-se nela não tanto pelo talento mas mais pela pessoa.
Estamos acostumados a boas vozes, outra coisa não esperamos. Mas esperamos que essa voz seja também acompanhada pela boa figura. Vem-me a Susan Boyle com uma escolha trágica de vestido e o cabelo grisalho, as sobrancelhas como Deus lhas deu e solta-me aquela voz estupenda e pronto, lá está o nosso mundo abalado.
A sociedade em que vivemos é preguiçosa e auto-complacente, espera que os seus símbolos sejam claros e definidos. Voz de anjo= figura de anjo, beleza=bondade, gordura=estupidez, fealdade= maldade. O ar de sopeira de Susan Boyle pura e simplesmente não se enquadra neste esquema.
Eu acredito firmemente que não é suposto sermos perfeitos. Acredito que as nossas imperfeições, as nossas falhas são uma forma de nos manter humildes e fieis a nós próprios. Evitam a arrogância. E no entanto, a obsessão com a perfeição física é uma das, senão A grande força motivadora da sociedade. Até que, uma vez por outra, pessoas como a Susan Boyle nos fazem lembrar de uma verdade básica que nunca deviamos esquecer mas esquecemos sempre: as aparências são apenas isso, aparências. E descobrimos, mais uma vez, e infelizmente por pouco tempo, a pólvora: não devemos julgar as pessoas pelo seu aspecto. Mas como Yeats, no seu poema para Anne Gregory, tomamos frequentemente a atitude cínica, amando, julgando as pessoas por coisas inanimadas que não as definem:

"NEVER shall a young man,
Thrown into despair
By those great honey-coloured
Ramparts at your ear,
Love you for yourself alone
And not your yellow hair.'
'But I can get a hair-dye
And set such colour there,
Brown, or black, or carrot,
That young men in despair
May love me for myself alone
And not my yellow hair.'
'I heard an old religious man
But yesternight declare
That he had found a text to prove
That only God, my dear,
Could love you for yourself alone
And not your yellow hair.'
Como Yeats concluímos que só Deus, e mais ninguém consegue amar para além das aparências, do "Yellow Hair" do poema. O que é uma conclusão triste e exasperante. Por cada Susan Boyle descoberta haverá sempre centenas delas não descobertas. O mundo quer mais Rhiannas, mais Beyonces, mais Brittneys. E volta tudo ao que era. Lá se vai a descoberta da pólvora. Mais uma vez.

4 comentários:

Vicente disse...

Essa coisa de que não se deve julgar pelas aparências tem muito que se lhe diga. Na verdade há pessoas que não correspondendo aos normais padrões da beleza (isto é um eufemismo para não dizer feias) são interessantíssimas (sob TODOS os pontos de vista) e outras muito bonitas sem interesse nenhum. É tudo uma questão de software.

Francisco de Assis - Um Escravo no Século XXI disse...

Caríssima Passionária

Gostei muito do seu post sobre Ary dos Santos no dia 25 e também gostei também muito da sua análise do fenómeno Susan Boyle.
O mundo começa a dar sinais de que de facto, para vivermos todos melhor nele, temos de mudar muita coisa...assim , comecemos por nos reaculturar, não alicerçados no " trepalium" mas na firme convição de que..Yes! We can.

Francisco de Assis - Um escravo no século XXI

Unknown disse...

Esta senhora foi um "estalo" na cara daquele jurí que já estava a GOZAR com o jeito dela. Principalmente ao senhor Simon Cowell(acho que está correcto o apelido do "senhor") que já estava com a expressão de "lá vem mais uma croma!..."

Está provado que ser uma Brittney não é ser perfeito, nem mesmo Rhianna ou Beyonce, só por vezes é mais agradável à vista...
Uma frota carregada

Passionária disse...

Vicente, voltamos aos unicórnios? Vou ter de lhe agradecer a inspiração e escrever um textosobre eles. Já o tinha pensado, mas deu-me boas pistas de reflexão. Não é uma felicidade já estar na letra T? ;)

Francisco, obrigada pelo seu comentário, mas não sei se partilho essa visão tão bem-disposta do futuro. Como diz o Lampedusa num livro que gosto particularmente, O Leopardo, é preciso que tudo mude para que tudo fique na mesma.

Cris, a frota do costume. Para o Gui e a L. também. Como sempre percebes o que eu digo, e com esse teu coração cheinho de amor. Luv ya, sis.