Quando a minha mãe era da minha idade, já eu tinha nove anos e a minha irmã treze. Ela era, então para mim, muito, muito adulta. De pernas cruzadas debaixo da mesa da sala, coberta pela toalha de renda com rosas gordas que tinha sido herdada da minha avó Laura, ouvia a minha mãe e as suas amigas a conversar, absorvendo aquilo que era ser uma adulta, esposa, mãe. Não davam por mim, a maioria das vezes, era pequena para a idade (quem diria?), calada e introspectiva, a maioria das vezes metida no meu próprio mundo. Mesmo se dessem por mim, dificilmente teria sido mandada embora, não só por passar, como dizia a prima Arminda, a vida com a cabeça na lua, como porque na aldeia, naquela altura, ninguém se preocupava particularmente com proteger ouvidos e sensibilidades às crianças. A vida era como era e pronto.
Aparentemente ser adulta tinha muito que ver com receitas e pontos de malha, mas também outras coisas muito mais sérias: escolher o soutien adequado, lidar com a sogra, tratar constipações, tirar nódoas de lençóis de linho, escolher um pretendente adequado.
Lembro-me das solenidade murmurada das conversas que envolveram a selecção de noivos das minhas cinco tias, o sopesar de factores tão importantes como ser do clã adequado ( acreditem, no norte, aquilo que o vosso trisavô ou a vossa prima segunda por parte da mãe fez conta em muito para a opinião que têm de vocês), ser ou não trabalhador e ter perspectivas de futuro. A isso dava-se globalmente o nome de ser bom rapaz. Se o candidato fosse um bom rapaz e houvesse um módico de atracção mútua, o casamento estava feito. E depois do casamento eram as receitas de pudim e os bibes dos filhos e as combinações e nódoas e riscos de bordados.
Curioso, em como em tantos anos de observadora, nunca ouvi nenhuma queixar-se do marido ou da vida que tinha. Queixavam-se da vesícula e de bicos de papagaio, de joanetes e crises de fígado, trocando copiosas receitas de chás e mezinhas ( chá de canela para dores menstruais, de penções de cereja para a tensão alta, de fiolho para maleitas de estômago, papa de batata crua para calos e joanetes), mas do marido e do casamento não. De resto, como dizia a minha ama Maria (que morreu recentemente de anemia e coração partido por não poder ficar em casa do filho), o casamento é uma carta fechada.
Foi esta certeza e esta capacidade de superação que sempre admirei nas mulheres da geração anterior à nossa. Sem dúvidas existenciais, malaise de vivre ou conflitos emocionais. Queria ser, com a idade que tenho, como a minha mãe parecia ser com a minha idade: racional, equilibrada, tranquila. Mas infelizmente, parece que essa serenidade me escapa, não está na minha natureza, desde sempre observadora e introspectiva, encontrar equilíbrio no acto repetitivo de passar a ferro, ou satisfação no limpar das janelas da sala, está acima das minhas forças. Perguntei à minha mãe se tinha conflitos interiores ou se aquela eficiente capa de senhora adulta muito mãe e muito séria tinha tapado dúvidas e inseguranças. Claro que a minha mãe sendo a minha mãe não respondeu exactamente à pergunta: disse que fez o que tinha de ser feito, que as filhas crescidas eram o seu prazer e o seu dever cumprido, o que quer que seja que isso signifique.
Já muitas vezes me questionei se isto de ser adulta não é uma coisa de perspectiva, se uma das filhas (nascidas ou imaginadas) nossas não terá a ideia do focadas e equilibradas que somos, mas estou céptica: nem eu nem as minhas amigas algum dia tivemos conversas como as nossas mães. Partilhamos mais umas com as outras que receitas, mas em compensação também sofremos muito mais.
Agora que cresci e que relembro essas conversas, sinto-me roubada. Como se atreve o tempo a roubar-nos a simplicidade de encontrarmos um bom rapaz, casarmos com ele e procedermos à criação de filhos, como se atreve o tempo e a natureza a tornar-nos em adolescentes torturadas, sempre hesitantes, sempre culpadas de não sermos o suficiente, pelo menos no nosso entender?
Se me dessem oportunidade, voltaria sempre aquele lugar, permaneceria nele, a arrastar pela casa as sandálias de salto da minha mãe, a fingir que era grande, e a ouvir, sob o refúgio seguro da toalha de rosas gordas da minha avó Laura, as conversas das mulheres da família a ensinarem-me que uma mulher não se queixa, não duvida: vive a vida e cura o que pode ser curado, como dores de barriga ou tosse. O resto é uma carta fechada.