segunda-feira, novembro 15, 2010

Eye Candy


E a pedido de várias famílias...
Alexander Skarsgard
yum.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Considerações acerca de deusas domésticas

Normalmente basta-me ver um programa da Nigella para sentir a vontade de ser, tal como ela é, uma deusa doméstica. Isto não é particularmente surpreendente: a comida que ela faz é deliciosa e não há como não gostar da sua relação com a comida e a cozinha. A cozinha dela está cheia de kitchen porn: panelas com um design delicioso, saleiros, pimenteiros e raladores espectaculares, utensílios super práticos e, ao mesmo tempo, incrivelmente bonitos. E depois ela faz parecer tudo fácil, tudo sem esforço, como se em quinze ou vinte minutos pudéssemos fazer uma refeição para doze, desde as entradas à sobremesa e ainda uns cupcakes de brinde (o que suponho pode ser feito, só que a cozinha não fica impecavelmente arrumada nem nós com o bom aspecto que ela tem). Enquanto o programa dela decorre apetece-me aquele estilo de vida em que temos tempo para ser tudo, para todos.
Claro que depois me lembro do incrivelmente frustrante que ser uma deusa doméstica pode ser, pois soa-me a retrocesso até aos anos 40 e 50, onde as mulheres tinham como função exclusiva na vida agradarem ao marido, criarem os filhos e manterem a casa perfeita, tudo isto enquanto vestiam cintas de elástico apertadas e montadas em saltos de dez centímetros. A atitude da Nigella não é essa, pelo contrário, muito terra-a-terra, muito mãezinha, muito capaz de se rir das suas falhas (e da sua gula). Mas reconciliar a deusa doméstica com a amazona feminista não é especialmente fácil. Apetecer-me fazer o meu próprio pão, caldo caseiro ou um soufflé absolutamente perfeito não se coaduna com lutar contra estereotipos de feminilidade, ou sim?
Como gosto de cozinhar (apesar de achar grande parte das tarefas domésticas uma forma particularmente dolorosa de morte cerebral), tive de arranjar maneira de fazer funcionar em conjunto estes dois lados da minha personalidade. Consolo-me com o facto de, mesmo sabendo fazer os ditos cupcakes (com chantilly cor-de-rosa e tudo, se quiserem), sei também pois montar uma estante, desentupir um cano ou pôr um quadro na parede. Ou seja, ser uma deusa doméstica implica, igualmente, libertação: nada de saltos ou agradar um homem, nada de gritinhos quando vejo uma barata. Ser uma deusa doméstica implica auto-suficiência, o que nunca, mas nunca é submissa ou subserviente. E agora desculpem que vou ali tirar o bolo do forno...

quinta-feira, outubro 21, 2010

Kiss my big fat ass

A tendência mais recente do mundo da moda é o recurso a modelos plus size, o que no mundo da moda é gente que em vez do proverbial 32 usa o 40. Mas como disse ainda outro dia a uns amigos, esse é o espírito das Olimpíadas Especiais mas em mauzinho, na onda do coitadinho ou do gimmick tão giro, como as modelos negras aqui há uns anos, ou as asiáticas nos anos oitenta e noventa. A verdade é que o mundo da moda, e aqui incluo estilistas, marcas, revistas e blogs da moda têm uma ideia muito uniforme de beleza e de moda.
No admirável mundo novo do photoshop, a imagem que temos é de criaturas longilíneas e pálidas, com o ar andrógino e um pré-adolescente. Beleza real que é bom, viste-a. Mesmo as modelos que fogem um tudo nadinha ao normal, como a Crystal Renn ou a actriz Christina Hendricks são o aceitável, sem protuberâncias em lado nenhum, ou celulite ou outra coisa qualquer. No admirável mundo novo do photoshop todas as mulheres são, obrigatoriamente, estilizadas e passadas a ferro, bidimensionais na sua juventude eterna.
Levei duas décadas da minha vida a recriminar-me por não encaixar nessa imagem brilhante e lustrosa e só uma depressão e uma quantidade considerável de juízo conseguiram fazer com que deixasse de ter pena e gostar do meu corpo. Mais que isso, sou agora como a Beth Ditto, activista.
Admiro especialmente a vocalista dos Gossip, que singrou num meio onde artistas como a Lady Gaga não passam do 32 e olha lá. Nunca pede desculpa, nunca é discreta, nunca se veste de cores neutras e pede desculpa por não estar mais magrinha, nem assegura os jornalistas que vai começar uma dieta, e é já amanhã. Em vez disso, poisa nua em toda a sua glória cheia de regueifas e não depilada. E desculpem que diga, até não está mal.
Para além de gostar de a ver assim, de a sua atitude me inspirar, também me faz pensar. As mulheres são cerca de 51% da população. Se nos deixamos oprimir, a culpa não será também um pouco nossa? Quer dizer, depende do ponto geográfico e da cultura a que pertencemos, prontos, mas na nossa sociedade, em que é suposto sermos iguaizinhas também temos de levantar a voz. É inexplicável ficarmos deprimidas a fazer a última dieta da moda em vez de fazer como a Beth Ditto e vir a terreiro a amar o nosso corpo e a dizer a uma só voz: kiss my big fat ass.

domingo, outubro 17, 2010

terça-feira, setembro 28, 2010

Shoe porn


Aceitam-se donativos... Mesmo que resultem num tornozelo partido, peep toe Louboutins são peep toes Louboutins (e o meu eu passionário chora de pena pelo consumismo... oh well.

domingo, setembro 26, 2010

I don't wanna grow up

Quando a minha mãe era da minha idade, já eu tinha nove anos e a minha irmã treze. Ela era, então para mim, muito, muito adulta. De pernas cruzadas debaixo da mesa da sala, coberta pela toalha de renda com rosas gordas que tinha sido herdada da minha avó Laura, ouvia a minha mãe e as suas amigas a conversar, absorvendo aquilo que era ser uma adulta, esposa, mãe. Não davam por mim, a maioria das vezes, era pequena para a idade (quem diria?), calada e introspectiva, a maioria das vezes metida no meu próprio mundo. Mesmo se dessem por mim, dificilmente teria sido mandada embora, não só por passar, como dizia a prima Arminda, a vida com a cabeça na lua, como porque na aldeia, naquela altura, ninguém se preocupava particularmente com proteger ouvidos e sensibilidades às crianças. A vida era como era e pronto.
Aparentemente ser adulta tinha muito que ver com receitas e pontos de malha, mas também outras coisas muito mais sérias: escolher o soutien adequado, lidar com a sogra, tratar constipações, tirar nódoas de lençóis de linho, escolher um pretendente adequado.
Lembro-me das solenidade murmurada das conversas que envolveram a selecção de noivos das minhas cinco tias, o sopesar de factores tão importantes como ser do clã adequado ( acreditem, no norte, aquilo que o vosso trisavô ou a vossa prima segunda por parte da mãe fez conta em muito para a opinião que têm de vocês), ser ou não trabalhador e ter perspectivas de futuro. A isso dava-se globalmente o nome de ser bom rapaz. Se o candidato fosse um bom rapaz e houvesse um módico de atracção mútua, o casamento estava feito. E depois do casamento eram as receitas de pudim e os bibes dos filhos e as combinações e nódoas e riscos de bordados.
Curioso, em como em tantos anos de observadora, nunca ouvi nenhuma queixar-se do marido ou da vida que tinha. Queixavam-se da vesícula e de bicos de papagaio, de joanetes e crises de fígado, trocando copiosas receitas de chás e mezinhas ( chá de canela para dores menstruais, de penções de cereja para a tensão alta, de fiolho para maleitas de estômago, papa de batata crua para calos e joanetes), mas do marido e do casamento não. De resto, como dizia a minha ama Maria (que morreu recentemente de anemia e coração partido por não poder ficar em casa do filho), o casamento é uma carta fechada.
Foi esta certeza e esta capacidade de superação que sempre admirei nas mulheres da geração anterior à nossa. Sem dúvidas existenciais, malaise de vivre ou conflitos emocionais. Queria ser, com a idade que tenho, como a minha mãe parecia ser com a minha idade: racional, equilibrada, tranquila. Mas infelizmente, parece que essa serenidade me escapa, não está na minha natureza, desde sempre observadora e introspectiva, encontrar equilíbrio no acto repetitivo de passar a ferro, ou satisfação no limpar das janelas da sala, está acima das minhas forças. Perguntei à minha mãe se tinha conflitos interiores ou se aquela eficiente capa de senhora adulta muito mãe e muito séria tinha tapado dúvidas e inseguranças. Claro que a minha mãe sendo a minha mãe não respondeu exactamente à pergunta: disse que fez o que tinha de ser feito, que as filhas crescidas eram o seu prazer e o seu dever cumprido, o que quer que seja que isso signifique.
Já muitas vezes me questionei se isto de ser adulta não é uma coisa de perspectiva, se uma das filhas (nascidas ou imaginadas) nossas não terá a ideia do focadas e equilibradas que somos, mas estou céptica: nem eu nem as minhas amigas algum dia tivemos conversas como as nossas mães. Partilhamos mais umas com as outras que receitas, mas em compensação também sofremos muito mais.
Agora que cresci e que relembro essas conversas, sinto-me roubada. Como se atreve o tempo a roubar-nos a simplicidade de encontrarmos um bom rapaz, casarmos com ele e procedermos à criação de filhos, como se atreve o tempo e a natureza a tornar-nos em adolescentes torturadas, sempre hesitantes, sempre culpadas de não sermos o suficiente, pelo menos no nosso entender?
Se me dessem oportunidade, voltaria sempre aquele lugar, permaneceria nele, a arrastar pela casa as sandálias de salto da minha mãe, a fingir que era grande, e a ouvir, sob o refúgio seguro da toalha de rosas gordas da minha avó Laura, as conversas das mulheres da família a ensinarem-me que uma mulher não se queixa, não duvida: vive a vida e cura o que pode ser curado, como dores de barriga ou tosse. O resto é uma carta fechada.

segunda-feira, maio 24, 2010

O dez perfeito e a síndrome do nerd bonzinho

Andava já há algum tempo a equacionar um texto sobre a maneira como nós as mulheres somos vistas pelos homens, mas foi um artigo como este http://http//www.rooshv.com/the-1-10-scale (havia outro ainda mais detalhado, mas foi retirado por ter provocado uma grande polémica nos Estados Unidos devido ao seu conteúdo um tudo-nada sexista) que serviu de catalisador. Só quando vi a escala preto no branco é que me capacitei de que a vida era mesmo assim e que, consciente ou inconscientemente, todos os homens trazem na cabeça uma escalazinha porque somos avaliadas e desejadas ou rejeitadas como potenciais parceiras sexuais.
Esta lista, aliás, não traz nada de novo porque esta verdade, como todas as verdades da vida, é autoevidente e empiricamente confirmável. Nós sabemos perfeitamente que somos alvos desses juízos de valores, aliás, nós próprias os fazemos, claro que aquilo que corresponde a um dez perfeito para nós nessa imaginária escala de perfeição não é o mesmo que aquilo que corresponde a um dez perfeito para um homem. Para eles tem mais a ver com medidas, tamanhos de copas e capacidade de os fazer sentir uns grandes sedutores, para nós já envolve um outro nível de requisitos como disponibilidade emocional, capacidade de empatia e apoio em crises e sentido de responsabilidade perante a família conjugados com essa parte física. E mais, não só os nossos pré-requisitos naquilo que corresponde um dez perfeito são mais extensos como a maneira como lidamos com a sua escassez é diferente da masculina. Nós sabemos que os dez não abundam a não ser nos nossos romances cor-de-rosa, por isso estamos dispostas a olhar outra vez para todos os outros. Ser-se um vá, três ou quatro em termos físicos pode perfeitamente ser ultrapassável, desde que as outras qualidades equilibrem a balança, já para uma mulher ser um três ou um quatro (ou um um, credonossasenhoradaaparecida) é a morte da artista. Não importa a personalidade, a inteligência, o carácter, os interesses ou expectativas, nada a safa.
O cinema está cheio de filmes, como o de cima, em que um rapazinho não muito bonito luta por conseguir o amor da mais gira da escola, normalmente cheerleader loira e gira que deixa de ser superficial e lhe vê as verdadeiras qualidades. Não conheço uma única comédia romântica, uma única em que os papéis se revertam. Pelos vistos a superficialidade dos homens no querer conseguir o dez perfeito está muito bem e a nossa está muito mal. Oh well, lá está a sociedade patriarcal mais uma vez a tratar-nos como cidadãs de segunda... É que este nerd feiote é retratado como o companheiro ideal, porque não é aberta e claramente um boçal com muitos músculos como o chefe da equipa de futebol com que a cheerleader andava antes, mas numa segunda análise deixa logo de o ser, pois demonstra a mesma capacidade para ser fútil e superficial que os outros têm. Não há comédias românticas onde os dois nerds se apaixonem, não. Não há histórias onde o bonito príncipe fique com a irmã feia, não mesmo. Ou, como diz o sucesso dos Roquivárius acerca de uma moça chamada Cristina, a beleza é fundamental.
Esta atitude em que a nós nos é pedido espírito aberto e flexibilidade em relação aos homens e nos é exigido um conjunto de características específicas resulta em frustração e desadequação por parte das mulheres. A maioria de nós tem sempre algo que não está bem, que não encaixa nesse dez perfeito e passa a vida a conseguir ter. Ou é a altura ou o peso ou o tamanho de copa ou a cor de cabelo/olhos/pele, ou o gosto ou o tipo de voz ou, ou, ou... O ênfase na beleza física e na perfeição é tão grande que a maioria das mulheres se concentram apenas nessa área da sua vida, sem tempo, vontade ou disposição para desenvolver carácter forte ou personalidade vincada. As recompensas para desenvolver estas coisas são apenas reconhecidas entre os pares. Como já disse antes, personalidade, carácter ou princípios são postos em segundo plano em relação à beleza física.
Mas o mais engraçado de tudo é que os próprios filmes que glorificam os nerds e os dez perfeitos mostram a fragilidade do mito: a reforma de carácter da bela nunca se dá na vida real, e as pessoas bonitas, como dizê-lo de forma diplomática, não têm grande apetência por desenvolver compaixão ou altruísmo, encarando a adoração como direito e não como privilégio. Mais que isso, os nerds acabam por se fartar de belezas vazias, trocando uma bela mais velha por uma bela mais nova, deixando as originais sozinhas num mundo onde sempre foram aduladas, já sem a frescura da juventude e carregadas de responsabilidades. E sobretudo deixando aquelas que são uns, dois ou três e engraçadas, com carácter e sentido de auto-ironia como flores do papel de parede: em segundo plano e a ver a vida passar ao lado.



já que sentir é primeiro
quem presta alguma atenção
à sintaxe das coisas
nunca há-de beijar-te por inteiro;

por inteiro ensandecer
enquanto a Primavera está no mundo
o meu sangue aprova,
e beijos são melhor fado
que sabedoria
senhora eu juro por toda a flor. Não chores
- o melhor movimento do meu cérebro vale menos que
o teu palpitar de pálpebras que diz

somos um para o outro: então
ri, reclinada nos meus braços
que a vida não é um parágrafo

E a morte julgo nenhum parêntesis

e.e.cummings

quarta-feira, maio 05, 2010

Cougar town

A minha amiga S. diz que nós estamos na idade ideal. Aos trintas, e em termos de homens, tanto dá irmos dez anos para a frente como dez anos para trás que não faz diferença nenhuma. Eu compreendo-lhe perfeitamente o ponto de vista, apesar de considerar que este ponto de vista nos mete em alguns sarilhos, mas já explico.
Estou convicta que agora, aos trinta, estamos no nosso apogeu. Eu sei que os homens consideram que o nosso apogeu é aos vinte e pouco porque é quando fisicamente estamos mais perto daquilo que eles acham perfeito, mas a verdade é que independentemente do que eles pensam, aos trinta é que nós estamos bem. Aliás se o meu eu de trintas pudesse dar uma ou duas palavrinhas ao meu eu de vintes essas palavrinhas andariam de certeza na onda do "sua parva". Sentimo-nos mais confiantes com o nosso corpo e a nossa sexualidade, relativizamos aquilo que percebemos como defeitos e, com a experiência das relações passadas, aproveitamo-las melhor, sem os stresses e as pressões que sentíamos antes. Com esta atitude temos confiança para os homens mais velhos, sentimo-nos à vontade com eles mais novos. Claro que com isso levamos com a fama de trintonas malucas... mas não sei se será evitável o preconceito.
Nas regras daquilo que é a relação perfeita, e como qualquer herói da Nora Roberts lhes dirá, a idade perfeita para um homem casar está nos trinta e poucos, depois de uma década e tal a galinhar de mulher em mulher é suposto estar já capaz de assentar. Já para as mulheres a idade das mulheres varia, mas não ultrapassa os vinte e cinco ou vinte e seis. Isto é interessante: considerarão as regras dos casais perfeitos que uma mulher precisa de um tempo de galinhagem menor que um homem? Será o preconceito de que as mulheres amadurecem mais depressa que os homens e o de que são naturalmente mais contidas em termos sexuais que os homens verdade? I don't think so. Eu que tenho uma mentalidade austera desde os cinco anos considero que aos vinte e poucos era, como dizê-lo delicadamente, uma parva. Os anos que se passaram entre esse ponto e o que me encontro fizeram-me muitíssimo bem. Os outros não acham, mas eu sim.
Aparentemente, e de acordo com a mentalidade patriarcal que rege a nossa sociedade, não temos nada que andar por aí armadas em Senhoras Independentes. Uma mulher mental, física e sexualmente insegura é que se quer, é que é bem. Se são trintonas e disponíveis, não devidamente guiadas e controladas pelos homens somos uns perigos à solta. Tenham medo, tenham muito medo...
Cá em Portugal somos apelidadas de trintonas malucas, o sonho de auto-denominados mal-casados e homens parvinhos com desejos de fazer de nós o Creoula, navio-escola onde se passa uns meses para aprender. Nos países anglo-saxónicos somos cougars, pumas, predadoras implacáveis que abocanham os incautos que nos passam à beira. Na sociedade patriarcal em que vivemos, a culpa é mais uma vez (sempre) nossa. Onde é que já se viu mulheres terem ideias claras e controlo sobre si mesmas, o seu corpo e parceiros? Oh, o horror.
Mas este não é um texto de corte e costura, é um texto de celebração. Não é tão bom estarmos num ponto da vida em que as únicas barreiras são as da nossa imaginação? É. Por isso aproveitem, vistam os vossos casacos tigresse e vão viver. E a Mrs. Robinson que se lixe, é só uma personagem de filme.

quarta-feira, abril 28, 2010

Adeus ó melga

Não é que eu ande activamente à procura de motivos para dizer que os homens são exactamente aquilo que sempre acreditei que eram, de modo nenhum. Sou uma criatura optimista e acredito, no geral, na humanidade. Há boas pessoas, há más pessoas, há de tudo. Claro que depois acontece algo que me elimina o bom humor e o optimismo e sou obrigada a voltar à minha ideia original: os homens, no geral, não valem o chão que pisam.
O mais recente episódio nesta saga tem a ver com o ter encontrado na Internet uma notícia gira e curiosa: um site oferecia-se para acabar as relações em vez dos homens. Mais, por uma soma adicional poderia ainda gozar ou humilhar a desgraçada, era só preencher o campo próprio com as fraquezas e falhanços da mulher, que o resto estava feito. Isto apresentaria uma vantagem na medida em que muitos homens não são capazes de gozar com a ex-namorada como o fazem à frente dos amigos, com a mania que elas têm de chorar e ficar perturbadas quando levam com os pés e assim...
Eu já acho que os homens que acabam por carta, telefone, SMS, facebook ou até mesmo Twitter (os mesmos 150 caracteres das SMS, humilhação adicional) a escumalha da terra. Agora acabar com alguém por interposta pessoa não tem qualquer tipo de justificação moral. Não merecerá alguém com quem partilhámos o nosso corpo e intimidade um bocadinho mais de respeito? Aparentemente não.
Os homens que conheço e de que tenho notícia são uns cobardes. Detestam cenas, lágrimas e ranger de dentes. Não percebem o motivo de tanta emoção e psicose. Se o amor (se era amor que sentiam) acabou, porque não havemos nós de aceitar? Mais, porque haveremos nós de ser desagradáveis e dizer-lhe coisas ásperas quando eles foram honestos e fiéis à sua natureza? Ficam perplexos com a nossa dor, a nossa raiva, a nossa angústia. Daí a preferir uma maneira onde não sejam obrigados a levar com essas coisas irritantes que são as nossas emoções é um passinho de formiga.
No meu entender, é OBRIGAÇÃO deles ouvir-nos. Se eles nos aturaram durante a relação (e não foi isso tão magnânimo da parte deles?), nós não aturámos menos: aturámos inseguranças e acessos de ciúmes, frieza e indisponibilidade emocional, pequenas e grandes traições. Não mereceremos nós que nos ouçam, que possamos expor aos culpados as consequências dos seus actos? Amores, não existem almoços grátis. Não se entra nem se sai da vida das pessoas sem consequências, sem deixar rasto. Se esse rasto foi negativo, enfim, temos pena, mas têm de ser homenzinhos e aceitar as consequências. Se essas forem ouvir umas quantas coisas desagradáveis, ou verdades, como nós as mulheres gostamos de lhe chamar, azar. Cada um tem aquilo que merece. E para nós é essencial este confronto, é catártico. Sem um ponto final onde fica tudo dito, quando há margem para dúvidas esta dor e esta raiva infectam e envenenam-nos, não conseguindo ultrapassar ou demorando horrores a superar a relação terminada. Um corte rápido e definitivo dói menos, acreditem...
Claro que os homens provocam eles mesmos estes episódios. Já disse mil vezes, e torno a dizê-lo aqui, que a vida seria um sítio muito melhor se os homens fossem fiéis à sua natureza e absolutamente honestos. Se não criassem falsas expectativas com as suas palavras e acções, traçando planos para o futuro, dando nomes aos nossos potenciais netinhos, dando a entender que o desejo é mais que isso, não o sendo. Se assim agirem, sem mentiras, sem dourar a pílula, evitam criar em nós as expectativas que criamos, diminuindo para zero os episódios "psicóticos", que é como eles denominam a altura em que percebemos que fomos (literalmente) comidas por lorpas. Isto acontece porque, na verdade eles são cobardes e inseguros, passivo-agressivos com a mania que são gente crescida e detestam passar por maus da fita. Mas a verdade continua a ser que quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele.
Por isso, se pudesse dizer algo aos homens a este respeito, seria qualquer coisa como, sejam crescidinhos a este respeito e tratem-nos como pessoas. Façam por nos dar a hipótese de não ficar nada por dizer. Vai ser complicado? Vai. Vão sentir-se malzinho? Provavelmente. Mas é inevitável e necessário. Não juntem o insulto à injúria recorrendo à tecnologia para nos dar com os pés, sim? Obrigada.

segunda-feira, abril 19, 2010

Mr. Right Now



Quando a minha professora de Filosofia, Maria Manuel falou acerca das etapas de desenvolvimento das crianças e referiu e o último era atingido em diferentes graus, e às vezes quase nem o era é que se cimentou em mim a certeza de que o mundo era definitivamente injusto. Quer dizer, já outras coisas, como o facto de os meninos poderem fazer chichi de pé e as meninas não me tinha feito desconfiar, mas esta era a primeira prova concreta que o mundo não tinha sido feito para ser igual. Era biologicamente injusto, cognitivamente injusto, anatomicamente injusto. Nem sequer era uma questão de mentalidades e de sociedade que, com o tempo, pudessem ser alteradas. Não, era injusto até ao nível microscópico, até à célula e à informação constante no seu núcleo e sobre a qual não tínhamos controlo.
Este pensamento deprimente só foi confirmado por outros conhecimentos. A geografia ensinou-me que até para nascer havia a regra de ouro do imobiliário: location, location, location. 5o km para a frente ou para trás e já a coisa corria mal. A matemática esinou-me a maldição a estatística: todas as estatísticas estão basicamente contra a gente, sobretudo as da população. Somos seis biliões de almas no terceiro calhau a contar do sol e no geral, podemos esperar que as coisas correm mal. A literatura e a história foram outro balde de água fria: as relações humanas são frágeis e vazias e a vida humana não dura mais que um segundo ( obrigadinha por essa, Vergílio Ferreira).
Todo este manancial de informação acerca das injustiças da vida veio confirmar duas coisas: não só, como diz a lei de Murphy, o que pode correr mal, corre, como ser feliz é basicamente uma possibilidade remota.
Na infância vendem-nos histórias com finais felizes, na adolescência, e depois mais ainda na vida adulta levamos com o balde de água fria da realidade: life sucks. Claro que há excepções, mas neste contexto temos de encarar a verdade: em seis biliões (e picos) de alminhas, como vamos nós encontrar o Mr. Right?
Esta coisa do Sr. Certo sempre me despertou algum cepticismo: mesmo que exista, como é que isto funciona? Vamos que o nosso Sr. Certo vive, por exemplo, numa remota aldeia da Noruega, da Tanzânia, da Nova Zelândia, do Peru. Conspirará o cosmos para nos juntar? Haverá a garantia cósmica de que está na nossa área geográfica e cultural? Fará parte das regras cósmicas ser da nossa cultura, ou da nossa cor, ou do nosso estrato social ou qualquer outra característica que achemos absolutamente indispensável para amar? Não sei se estão a ver que num universo tão injusto me parece que a vida vir com garantias é utopia, e regras dessas tão estritas ainda o são mais.
Neste contexto uma rapariga tem de se perguntar: valerá a pena esperar por ele? Será o Senhor perfeito como a linha do horizonte, uma utopia? Não será melhor olhar à nossa volta e ver o que há, aceitando o facto de o mundo ser essencialmente feito de compromissos e impossibilidades estatísticas? Os meus sentimentos são ambíguos em relação a isto.
Tento conduzir a minha vida de forma realista e pragmática. Aquilo que, no geral, me torna naquilo a que a minha mãe me chama de Nossa Senhora dos Aflitos é esta minha tendência de olhar para a vida sem grandes floreados, mantendo-me (muitas vezes, mas não todas, e quando falho é de forma espectacular) racional e analítica. Por esse motivo aceito e compreendo que esta coisa do Sr. Certo é uma conspiração de Hollywood para vender mais bilhetes ( senão comparem a base de fãs do Bergman com a das comédias românticas da Meg Ryan e depois digam-me qualquer coisinha). Mas optar pelo Sr. Já que aí estás, serves, ou pelo Sr. Para quem é bacalhau basta, ou pelo Sr. Tudo menos ficar sozinha parece-me uma perspectiva deprimente. Dizia o Pessoa que sem o sonho nada mais somos que cadáveres adiados que procriam. Deveremos abdicar do sonho do Mr. Perfect? Pois não sei.
Aquilo que me parece, da minha experiência, é que NIM. A única vez que tive uma relação baseada nesse pragmatismo, de que a vida é injusta e estamos todos abraçados contra a morte ( obrigada por essa, Alexandre O'Neill) a coisa foi um bocado catastrófica. A malta admirava-se e respeitava-se mutuamente, mas faltava ali qualquer ingrediente essencial para fazer o casal mais que a soma simples das partes. Também é verdade que era muito nova e impressionável e por isso os resultados dessa experiência podem não ser cientificamente válidos. Isto para já não falar que cada caso é um caso.
Assim sendo, o que fazer a este respeito de esperar o Sr. Perfeito ou olhar melhor para o Sr. Estou por aqui agora? Manter o espírito aberto, suponho.

terça-feira, abril 13, 2010

A natureza do escorpião

Não há muita gente que perceba porque motivo é este um dos filmes da minha vida. No geral não o refiro, guardando para mim a preferência. Já sou mal compreendida que chegue por aí para não alimentar mais bocas de como sou esquisita. Mas na realidade este Crying game ecoa mesmo com qualquer coisa de muito intimo, de muito pessoal, ecoa com aquilo que acredito sobre a vida e a natureza do amor.
Todo o filme se desenvolve à volta da fábula do sapo e do escorpião, sendo que o escorpião pede a um sapo para o levar até ao outro lado do rio. O sapo está renitente, mas o escorpião promete não o picar. Começam a atravessar o rio e o escorpião pica o sapo. Quando o sapo pergunta ao escorpião porque o picou, condenando os dois a uma morte certa este responde que não o conseguiu evitar, que está na sua natureza. O uso desta fábula não é inocente, serve um pouco a função que os coros tinham nas peças gregas e romanas. O comentário que sublinha a tragédia, o aviso e o lamento pela incapacidade das personagens fugirem das suas naturezas e, por conseguinte, dos seus destinos.
Se não acredito particularmente no destino, acredito incondicionalmente nos seres humanos seguirem as suas naturezas. Nunca duvidei e as pessoas estarem onde querem, como querem, com quem querem. Até um certo ponto as pessoas seguirão sempre as suas compulsões sem interferência da razão. A existir, esta servirá apenas para justificar as nossas escolhas, para arranjar uma desculpa racional para os nossos actos de crueldade, ou de egoísmo, de insensibilidade.
Não nascemos cruéis por natureza, mas as nossas experiências primordiais, os nossos traumas e cicatrizes condicionarão mais tarde a maneira como vivemos, a maneira como amamos. Marcará igualmente o nosso nível de entrega e o nosso nível de incapacidade de amar. A nossa natureza, moldada pelas nossas vivências condicionará irremediavelmente aquilo que vivermos no futuro, mesmo que isso nos condene a amores que são becos sem saída, e à nossa própria infelicidade. Não é o destino mas sim os nossos comportamentos passados que condicionam os nossos comportamentos futuros e que nos conduzem, a maioria das vezes, à tragédia.
Eu, como o filme, não acredito em grandes barreiras para o amor e, tal como a protagonista, me condiciono ao meu destino. Nem toda a gente consegue-ou quer- deixar de lado barreiras que aparentemente fazem sentido. Concedo que a barreira que separa os protagonistas e causa tanto pathos é mais difícil de ultrapassar que outras, mas motivos aparentemente fúteis são os proverbiais grãos de açúcar das formigas: pequenos numa perspectiva, gigantes por outra.
O motivo porque o jogo de lágrimas é o jogo de lágrimas, porque há sofrimento e infelicidade e não conseguimos deixar de nos condenar ao sofrimento é esta trágica incapacidade de vermos ou sermos mais que a nossa natureza. E que esta, raramente, senão nunca mudará.


terça-feira, abril 06, 2010

E pudesse eu pagar de outra forma...


Há muitas maneiras de curar um coração partido. Gosto de me considerar uma conaisseuse delas, pois com o meu historial de amores gosto de pensar que já as experimentei a todas pelo menos uma vez.
Há os clássicos, como uma noite de copos ou boiões de Haagen-Daz, a confortarem-nos a alminha. Há a choraminguice. Há casos de quem se encerre em casa com a Jane Austen em formato de livro ou de filme ou até série, é irrelevante. Há quem parta coisas, quem compre coisas, quem corte o cabelo (o que não é particularmente boa ideia, pois as ideias não estão claras e as nossas escolhas de corte e cor costumam ser trágicas). Há quem tenha flings de ressaca curando o coração partido com sexo do bom. Há quem se encharque em comprimidos, há quem escreva cartas, há quem escreva um romance. Seja qual seja a estratégia, no primeiro impacto queremos apenas procurar conforto e validação, algo que nos confirme como amáveis, como desejáveis, algo que restaure a nossa fé na humanidade.
Claro que uma vez passado este primeiro impacto, depois de deixarmos de metaforicamente ganir como cachorrinhos de golden retriever pontapeados, passamos à fase seguinte, à da raiva. E esta nem sempre ultrapassamos.
Por mais voltinhas que dê o mundo e as coisas evoluam, por mais feminista igualitária de cartãozinho passado e tudo que seja, não consigo ficar amiga de alguém que me esfrangalhou o coração, nunca consegui até hoje, não me estou a ver conseguir no futuro.
A partir do momento em que me pisoteiam o coração a coisa morre logo ali, nunca mais vejo o desgraçado com os mesmos olhos. Mas também, como poderia? Eu sou rapariga para Blimundas e Baltazares, levo o amor e a lealdade numa relação muito a sério. Se alguém prefere deixar-me por outra, deixar-me para ficar sozinha (pior) ou não me considera sequer digna para integrar a dream team do rol de namoradas do dito fico ( piada à gato fedorento em 3...2...1...) chateada, é claro que fico chateada.
Numa situação destas eu não digo que fico vingativa e desejo activamente que seja atropelado por um touro fugitivo como os parvos do San Fermin, mas um surto de, digamos, varicela, diarreia ou furúnculos em sítios embaraçosos e, de preferência, dolorosos seria, na minha óptica, um toque de classe kármico.
Quando ouço relatos de gente que acaba e ficam muitamigos, muitamigos, muitamigos, fico desconfiada e a olhar de lado: mas como é que conseguem. Eu cá por mim sou como os Ornatos: pago a conta em raiva. E pudesse, como eles dizem, pagá-la eu de outra forma...

terça-feira, março 30, 2010

domingo, março 21, 2010

Dia internacional da poesia



your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is a light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.

Charles Bukowski





terça-feira, março 09, 2010

Glitter in the air

Sempre acreditei que belo, que o bom se devia medir não pelo que os outros dizem, por listas e regras mas pelo que gostamos as coisas, pela capacidade que estas têm de nos tocar. Para mim, e de acordo com esta lógica, é-me muito difícil classificar este filme, pelo motivo que estava um caco emocional lá pelo fim.
Dizer que gostei é um tanto ou quanto redutor, no sentido que basicamente teve o mesmo impacto emocional que um murro no estômago, um abanarem-nos pelos ombros até chocalhar. Se considerarmos que, geralmente, sou um tantinho nada cabra, um filme tocar-me para lá da armadura é um feito e tanto.
Escrevi aqui há tempos, que, com o tempo, perdíamos os olhos abertos de maravilhamento perante o amor. Não sei se estou certa. Acho que, por mais que vivamos, por mais sábios, mais adultos, mais cínicos que sejamos, nunca deixaremos de ser vulneráveis ao impacto do amor em nós, sempre novo, sempre capaz de nos dar nós no estômago, de nos atar a língua, de nos reduzir a uma papa informe de nervos e ânsia e esperança e insegurança e vontade.
Nunca, por mais que tempos e desgostos passem, conseguimos deixar de desejar que uma hora dure e dure para sempre, esticando todas as leis da física até ao infinito, não deixamos nunca de tropeçar e mergulhar de cabeça na intimidade partilhada de risos e silêncios e gestos e olhares onde existimos inteiros, melhores que nós mesmos sozinhos na nossa concha de sabedoria. Haverá sempre, antes de ser noite, aquele momento em que é crepúsculo e a luz é dourada e o amor vive, apesar de sabermos como dói, para sempre, uma fénix dourada, renascida das cinzas e para lá do medo.

segunda-feira, março 08, 2010

Do you want the truth or something beautiful?

A minha mana Su, provando-me que as grandes mentes pensam de forma semelhante e que há pessoas que, inconscientemente, sabem sempre do que aquelas de quem gostam precisam, forneceu-me o título para este texto sob a forma da sugestão musical da Paloma Faith (a propósito, adorei o retro dela, adorei, adorei,adorei, pronto). Queria escrever, desde que vi esta foto fabulosa da Gabourey Sidibe na capa da revista V, a propósito de como a beleza e a verdade poucas vezes se encontrem.
No site de onde retirei a foto havia dezenas e dezenas de comentários negativos sobre ela, muitas de homens, que achavam que alguém daquele tamanho devia estar longe, muito longe dos seus olhinhos sensíveis com calibrador 36, mas outras de mulheres furiosas mais com a perspectiva da foto que propriamente com o alvo do retrato. Segundo muitas o ângulo devia ter sido outro, um que disfarçasse o pescoço e o alongasse. É que uma das regras não-escritas da condição feminina é simples: é nossa obrigação parecermos o mais giras possível, mesmo recorrendo a truques de câmara e ângulos favorecedores.
Que o pescoço seja como é mostrado como efectivamente é mostrado é irrelevante. A verdade é de somenos importância nestas coisas da beleza. Contam mais coisas como determinação cega em ser-se gira. A beleza é, a maior arte vezes, e tal como uma boa fotografia, uma questão de luzes e persectiva, enquadramento e ângulo. A beleza não sai, igualmente, de dentro de nós, mas de caixas de tinta ara cabelo, boiões de creme, tubos de maquilhagem e rituais bizarros que frequentemente englobam pormos mascaras de cores estranhas e com ingredientes pouco ortodoxos na cara. Fica giro o resultado final, mas por mais verossímel que este seja, este não é propriamente a verdade do que somos.
Não depreendam, no entanto, por mais que sempre, mas sempre defenda a verdade, que sou radical nisto de beleza vs a verdade. Afinal, isso implicaria, por exemplo, deixar as nossas sobrancelhas à sua natural condição de monosobrancelha, look que, muito francamente, dispenso. É só que, no mundo actual, em que nada de nós é inalterável, a verdade é muito difícil de vislumbrar. A verdade de quem somos está enterrada em montes de embalagens de extensões, montanhas de unhas postiças, mares de silicone, desfildeiros de auto-bronzeador, oceanos de tinta para o cabelo. E há uma diferença muito grande entre uma mentirinha inofensiva, como a de arranjar as sobrancelhas (de modo a parecer ter duas e não um arco do triunfo na testa) e uma peta de tamanho gigantesco como a da Heidi Montag, uma starlett americana que, aos 23 anos fez dez operações plásticas de uma só vez, isto a somar às duas já feitas antes desta idade, uma ao nariz e outra aos seios.
Voltando à Gabourey Sidibe e à relação entre verdade e beleza. Esta rapariga parece, por oposição à citada acima, muito mais próxima da verdade. Também está mais afastada dos padrões de beleza, mas não se podem fazer omeletes sem quebrar ovos. Claro que se nos perguntarem se preferimos ser bonitas ou ser agradáveis à vista, a nossa feia interior é que vai à vida. E esta dicotomia depressa se esvazia de significado. Não poderíamos nós, juntar à perspectiva e ângulo nos quais somos belos um terceiro parâmetro, o da confiança? Porque acreditem, a confiança permite-nos ser mais verdadeiras connosco próprias e dispensar muitas destas coisas (todas não, lembrem-se da monosobrancelha, que só ficava bem à Frida Khalo), mas a maior parte sim. E assim a verdade e a beleza terão um lindo encontro, como na foto da Gabourey Sidibe, que está fabulosa.



terça-feira, março 02, 2010

O meu problema com a indústria de retalho

Na aristocracia do virar do século XIX só um nome era murmurado com reverência: Charles Worth. A casa Worth, que começou na segunda metade do século XIX em Paris é geralmente considerada a primeira casa de moda como as conhecemos hoje, com passagens de modelos e liderada por um homem. Mas não é o facto de ser o primeiro homem a ter uma casa de moda com grandes dimensões que o distingue, mas a sua forma de pensar e trabalhar. Reza a lenda que uma mulher entrava na casa Worth e dizia o que precisava ou queria, por exemplo, um vestido de passeio, um vestido de baile (a aristocracia nessa altura tinha códigos de vestuário muito rígidos, chegando a usar seis ou sete toilettes diferentes num dia). A partir daí, o costureiro analisava a cliente, o seu estilo, o seu corpo, o seu estilo pessoal e criava para ela aquilo que a favorecesse e, infalivelmente, as mulheres amavam de paixão os vestidos que conseguiam, eram, dizem muitos relatos, os mais confortáveis, mais maravilhosos vestidos que tinham já alguma vez comprado.
Mesmo se não falarmos na aristocracia, que podia dar-se ao luxo de um estilista, toda a mística à volta das roupas era diferente. Como praticamente não havia roupa pronta, cada mulher, fosse ela do nível social que fosse, tinha bastante liberdade de escolha no tamanho e modelo da roupa. Comprava o tecido e, apesar de haver uma moda em termos de feitio, era esperado que cada uma a adaptasse às suas necessidades. Não havia tamanhos ou formas erradas.
Dizem que o prêt-à-porter contribuiu para a libertação feminina- comprar a roupa feita poupa o tempo de a fazer- mas também é verdade que contribui, em muito, para a nossa frustração eterna. A massificação da moda e o estabelecimento de tamanhos-padrão só veio contribuir para a infelicidade geral, pois a maioria de nós, de uma forma ou de outra, raramente encaixa perfeitamente no tamanho que as fábricas de roupa e os estilistas acham que devemos ter.
Tendo eu o meu tamanho, encontrar roupa dá trabalho. Encontrar roupa gira, que não me faça parecer com 70 anos, que não seja semelhante a sacos de batatas ou de fibras sintéticas rascas é possível, mas dá trabalho. Mas pronto, à parte de a maioria das lojas não me reconhecerem o direito à existência já estou eu habituada. Ao facto de as mulheres todas que conheço, sem excepção, se queixarem de ser difícil encontrar roupa que assente bem e as favoreça é que já acho demais.
Cada vez que visualizo o atelier de um designer, imagino-o a pensar assim: como é que vamos torturar a população feminina esta época? Riscas horizontais? Demasiado visto. Folhos? Hum, talvez. Calças elásticas e brilhantes bem coladinhas ao corpo? Oh sim, definitivamente sim... E nesta altura, o dito designer que por acaso até é gay e nutre um ódio invejoso a toda a espécie feminina solta um riso maléfico.
Consideremos, como exemplo do que relato, a foto acima, minhas queridas. Até a Rihanna, que é magra e elegante e novinha parece desfavorecida por aquela couve. As ancas dela parecem enormes e o torso dela fica atarracado e desproporcional. Quem, se não alguém que secretamente odeia mulheres, desenharia uma coisa daquelas? E se a alta costura, que é suposto ser personalizada faz isto às pessoas, a indústria de retalho não lhe fica atrás.
Alguém me pode dizer onde, a não ser num país da África Sub-Sahariana, o tamanho médio das mulheres é um 36? E não o 36 dos anos 80 e princípios de 90, o de agora de, digamos, a Zara ou a Mango? A maioria das mulheres portuguesas veste 40-42 a não ser que meça 1.40. E não há vergonha nisso. Nenhuma. Temos ancas largas, so sue us. Temos peitos ou barrigas proeminentes, e depois? Será nossa missão na vida matar-nos à fome e fazer exercício até cair para o lado até conseguir entrar nessas criações atrozes que, mesmo assim nos vão ficar mal e fazer-nos sentir feias? Aparentemente sim. E não me venham cá com conversas de saúde: todos os programas de emagrecimento, todos os medicamentos, chás e mezinhas mostram gente a vestir números abaixo, não electrocardiogramas ou análises ao sangue com os valores dos triglicéridos, colesterol e glicose.
A solução para isto não é fácil e, francamente lhes digo da minha experiência, ser anti-establishement dá trabalho e é frustrante. Eu adoraria o dia em que chegasse a uma loja, qualquer loja, e encontrasse roupa para mim que ficasse bem e me favorecesse em vez de parecer uma coisa saída da secção de campismo e desportos ao ar livre. Isso, logicamente não acontece. Não irá nunca acontecer. Encontrei, no entanto, a minha paz. Se não me reconhecem como cliente e o meu dinheiro não é bom o suficiente para essas lojas, então gasto-o ( e olhem que roupa é um dos meus vícios) onde sou bem recebida. E culpo os designers sádicos nos seus ateliers a achar novas e criativas maneiras pelo estado de coisas. E só a eles. Não poderiamos ter um Charles Worth que desenhasse coisas que nos ficassem bem independentemente do nosso tamanho? Sinceramente isto do progresso nem sempre é evolução.

domingo, fevereiro 28, 2010

Quote of the day from the queen of awesome



"Some women choose to follow men, and some women choose to follow their dreams. If you're wondering which way to go, remember that your career will never wake up and tell you that it doesn't love you anymore."-Lady Gaga

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Thanks for not smoking



Quando, há uns seis meses, decidi não comprar mais cigarros, não foi com aquela consciência total de tomar uma decisão tão portentosa. Seria, pensei na altura, uma espécie de experiência, pelo menos até ao fim das férias. Depois foi um dia atrás do outro, perdendo lentamente o hábito e as rotinas de fumadora de anos ( e eu sei exactamente quantos, só não digo é o número, credo). Mesmo agora, depois deste tempo sem fumar, não tenho ilusões em relação à natureza do vício, nem sequer, a propósito, faço proselitismo junto de outros fumadores. Cada um sabe do que quer fazer da sua vida e eu, mesmo sabendo do bem que me faz não fumar ( a minha pele nunca esteve tão bem, ou assim me dizem) ainda sinto saudades dos cigarros.
Não é por acaso que os vícios são tão populares. Se nunca fumaram não perceberão o que digo, mas acreditem, fumar é bom. Faz-nos muito mal, pois claro, mas é muito bom, mesmo a um nível físico de que não temos consciência. Quando deixamos de fumar, a privação da nicotina, de cuja dependência podíamos não ter consciência, faz-se sentir em toda a sua força, trazendo um desconforto físico terrível. Se a presença dos cigarros nos faz mal, a sua ausência faz-nos fisicamente pior. A ressaca, meus queridos, é um horror. Mesmo tendo os olhos no resultado final, uma vida mais saudável e livre da prisão do tabaco, noites há em que daríamos tudo o que temos e algumas coisas que não temos por só e apenas mais um cigarrinho.
Ocorreu-me outro dia o parecido com deixar de fumar que é sobreviver a certas relações. Não sei se isso acontece só comigo, que tenho aquilo a que chamam uma addictive personality (uma propensão para ficar viciada em qualquer coisa a que se seja exposta), se com todos. A verdade é que aquele desconforto, aquela vontade de ter só mais um pouquinho, mais uma dosezinha desse amor é igualzinha àquela vontade às três da manhã de mais um cigarro, só mais um e que se lixem as consequências.
Eventualmente ganha a razão e superamos o vício, passam as três da manhã e o desejo e é um dia novo, em que somos melhores, mais fortes e mais virtuosos, mais sábios por não termos cedido. Quando damos por conta passaram-se seis meses, um ano, dois ou três anos e os cigarros - ou o amor- são só recordações amargas e doces ao mesmo tempo. Mas não fico- não devemos ficar- convencidas com esta sabedoria recém-achada às quatro da manhã quando não fumámos ou não pegámos no telefone bem a meio de uma crise, não foi a última. Uma vez por outra, independentemente do tempo que passou, vai-nos invadir o desejo voraz por mais um bocadinho, por mais uma dose, e fará tanta falta como no primeiro dia em que decidimos abandonar o vício. E o círculo recomeça mais uma vez, até termos vencido, pela razão, mais uma vez, esse desejo irracional que só nos faz mal.
Não acredito que os vícios, como os amores, se superem totalmente, isso simplesmente não acontecem. Com calma, sem arrogância, conseguimos resistir. Mas curar? Não. Num canto da nossa mente lembrar-nos-emos de qual o gosto e a sensação de um cigarro na nossa boca, do toque do nosso amor na nossa pele. E naquele momento, mesmo que só nele, desejamos ter só mais um pouco. Só a sabedoria e a calma nos ajuda a superar.
Consegui parar com os cigarros, consegui parar com os amores. Vou continuar, recaídas à parte, a conseguir superar os vícios que tenho. Agora vamos ver se consigo aplicar esta sabedoria ao chocolate. Se conseguir, queridos, vou ser como a Mary Poppins, praticamente perfeita de todas as maneiras. E entretanto, enquanto não sou perfeita, obrigadinha por não fumarem perto de mim, mais vale não tentarmos o destino.

terça-feira, janeiro 26, 2010

Só para relembrar, para que o último post não gere confusões desnecessárias:


Cama e mesa

Cresci a ouvir Roberto Carlos. Havia espalhadas lá por casa e pela casa dos meus avós uma data de cassetes e uns poucos de discos, a consequência natural de serem casas de muitas mulheres, e todas novinhas, nos vintes, já que as minhas tias têm cerca de dois anos entre cada uma, como se fosse um relojinho.
De todas as minhas tias, no entanto, a mais propensa a ouvir Roberto Carlos de manhã à noite era a minha tia T. Não sobrecarregada com a beatice da minha tia L, que levava o seu segundo nome, Dos Anjos, muito a sério e passava a vida a ser mordoma e enfeitar andores, sem a exuberância espanholada da minha tia A.R , dona e senhora de uma cabeleira de caracóis até à cintura e umas quantas rosas de seda para enfeitar a mesma ou o amor indiscriminado da minha tia A.A. por tudo o que se mexia e levava a chamar meus filhinhos até aos perus, e seguramente sem a austeridade contida da minha mãe, a minha tia era a mais tímida e romântica. As fotonovelas, que foram das minhas primeiras leituras (a Anita era muito fixe e tinha roupas fabulosas, mas nas fotonovelas beijavam-se- e na BOCA!!!) eram dela. O disco do Marco Paulo, cujas letras eu conhecia de cor aos cinco anos (ninguém ninguém, poderá mudar o mundo, ninguém ninguém é mais forte que o amooooooooooooooooor) era dela. Talvez por isso a associe tanto com o Roberto Carlos e associe o casamento dela com as noções infantis que tinha do amor romântico.
Pelos olhos de criança dos meus oito anos vejo-a vestida de branco e o meu tio de fato azul-escuro e todos estávamos felizes. Vejo o meu avô e a minha avó rígidos nas roupas de festa, as mãos calosas do meu avô nos meus ombros, a minha expressão ligeiramente espantada de olhos muito abertos e a segurar uma ponta do vestido de menina das alianças Vejo claramente a minha irmã, alta, só joelhos e cotovelos e magreza desajeitada do início da adolescência num vestido de laço e flores que odiava. Vejo ainda, apesar de não haver fotos (as que fizeram ficaram desbotadas por causa do fotógrafo ter feito asneira a revelá-las) as minhas tias A.A e A.R grávidas ao mesmo tempo, de pernas inchadas, sufocadas nesse dez de Junho, a brincarem sobre qual teria o bebé primeiro (foi a minha tia A.A, mas continua até hoje a chamar filhinho a tudo). Lembro a minha mãe de preto e uns óculos enooooooooooooooooormes que agora estão na moda a olhar para mim de lado não fosse eu fazer asneira (o que, admitamos, era a minha especialidade) e lembro-me de pensar: o amor é isto. Nos meus olhos de criança vejo-os como estão nessas fotografias de cores demasiado expostas e pensar que amar, casar, era aquilo, a família junta e feliz num dia de sol onde os adultos bebiam um bocadinho demais, as crianças corriam por todo lado na mãe de todos os sugar rushes e os noivos dançavam devagarinho ao som do Cama e Mesa do Roberto Carlos e se beijavam à frente de todos (na BOCA!!!!!).
Passados vinte e cinco- não, desculpem, vinte e seis- anos desse momento, e sabendo o resto da história (nascimentos e baptizados, mortes e zangas, sucessos e desgraças, pessoais e do resto da família) tenho pena de ter perdido a capacidade de olhar para o amor com essa inocência, com esse romantismo doce e simples. Porque é que o amor tem de ser vivido com o pathos de uma canção dos Muse? Perdemos, eu certamente perdi, a capacidade de ver o amor de forma simples, de acreditar que a felicidade eram beijinhos (na BOCA!!!) ao dançar agarradinha ao meu amor uma canção do Roberto Carlos. Parece-me eminentemente razoável, como razoáveis são, aliás, as utopias e demais sonhos impossíveis, que o amor tenha a aspiração de ser tudo na nossa vida: a cama que nos repousa, o pão que nos alimenta, a água que nos lava e purifica, o calor do sol na nossa pele naqueles dias de Verão em que, sem conhecermos o que o futuro nos reserva, estamos juntos e somos felizes.

segunda-feira, janeiro 18, 2010

Catch 22

Entre aquilo que sabemos e aquilo que sentimos há mais coisas, como dizia Hamlet, que abarca a nossa vã filosofia. Entre aquilo que somos e aquilo que nos apercebemos há desfiladeiros de incertezas e ambiguidades não facilmente resolúveis, embrulhadas nos nossos estômagos, a ferir a nossa autoestima. Conhecem aquela velha pergunta do se uma árvore cai na floresta e ninguém está lá para ver faz ruído ou não? Nós as mulheres temos uma pergunta bizantina- e contudo tão chata de lidar- dessas: se não nos desejam continuamos a ser desejáveis? Não sei.
Como já disse acima ser e sentir são duas coisas que não são equivalentes nem simultâneas. Assim, entre aquilo que é a nossa autoconfiança e aquilo que são os factos há brechas dolorosas e difíceis de superar. Acreditem ou não, queiram ou não, a nossa autoestima é alimentada pelo desejo que despertamos no outro, e não há muita volta a dar-lhe.
Podemos dizer- que dizemos- podemos sentir- que sentimos- que nos vestimos para nós e não para os homens, que nos arranjamos e alindamos ( os ingleses têm uma palavra deliciosa para este processo, beautification) porque sim. Mas sejamos sérias e honestas, todas sabemos que é para os homens: os que temos, os que não temos mas queríamos ter, os que não queremos ter mas gostamos de provocar, etc. Não sei se as coisas com as mulheres homossexuais se processam assim, suponho que não, porque não se esforçam tanto (algumas) para atingir o modelo de feminilidade desejado pelos homens, mas com a malta a verdade, a completa verdade é que vivemos um bocado à mercê dessa atenção. E mais, os homens conhecem esta nossa fraqueza, exploram-na para atingir os seus objectivos, usando essa atenção como aliciante ou recompensa, se nos portámos suficientemente bem, de acordo com os seus desejos.
Na nossa sociedade patriarcal ( feliz ou felizmente, de acordo com o lado da barricada em que estiverem) esse embelezamento é obrigação nossa. Sermos bonitas, novas, férteis, receptivas é o nosso papel. Como diz a Lilly Alen, uma fame whore chata e irritante, mas que tem razão neste 22, aos quase trinta já a sociedade acha que a nossa vida acabou, que saímos todas as noites à procura do príncipe e bom, já não acreditamos que as coisas possam ser assim.
No video oficial da canção vai ainda mais longe, e eu peço desculpa por não o poder cá pôr, mas o youtube não deixa, mostrando o contraste entre aquilo que queremos ser, parecer nessas saídas à noite, e aquilo que somos, com rimmel borrado e maquilhagem a escorrer, com o cabelo em desalinho e a esperança funda e negra como as nossas olheiras. Teremos mesmo de perder, de achar que a vida acabou porque não temos, nem, aliás, nunca mais teremos, 22 anos? Devemos sentir-nos sexy e autoconfiantes com noites solitárias e batôm esborratado nos lábios? Pois não sei. Esse é o nosso catch 22, o problema que não se resolve nunca a nosso contento, mergulhando-nos em excepções e desapontamentos.
Lutei a minha vida inteira por um modelo de feminilidade mais positiva que esta definição pela negativa, só conseguida através da validação de um homem. Acho que devemos sem mais, ser para além de bonitas e desejáveis. É que, percebam, vamos estar mais tempo da nossa vida fora da categoria das desejáveis que dentro dela. Temos quê, quinze anos, vinte em sessenta, setenta que vivemos para ser núbeis e belas? É bom que tenhamos um plano alternativo ao ser giras e novas para viver bem, não vamos ter 22 aninhos para sempre. O ponto é se conseguimos fazer isso.





sábado, janeiro 09, 2010

The pursuit of happiness


Meti-me numa zaragata na universidade acerca deste assunto, isto circa 1995, e já nessa altura levei com a boca de um colega que, sem argumentos, me disse que nenhum homem aturaria uma feminista como eu. Discutia-se a hipótese do alargar a adopção a mulheres e homens solteiros e a casais gay e eu defendia a tese que sim senhor, devia ser permitido porque afinal, as crianças precisam é de quem goste delas e lhes dê colo, independentemente das preferências sexuais que esse dador de colo tenha. Agora, talvez uns quinze anos mais tarde, supostamente numa altura supostamente mais civilizada e esclarecida que os anos 90 neste cantinho à beira-mar plantado, dei por mim a ter a mesma discussão com mais ou menos os mesmos resultados. O tema era, como devem ter deduzido, casamento gay e possibilidade de adopção por parte destes casais.
Exaltei-me, confesso, desiludi-me também, por ver que gente que gosto pode ter ideias de que, por exemplo, a homossexualidade é uma doença mental ou que as crianças ficam irremediavelmente traumatizadas por terem dois pais ou duas mães. Como se não houvesse coisas piores que acontecem às crianças no seio de casais heterossexuais, como se não houvesse centenas,milhares de crianças a precisar de colo nas instituições, como se todos os casais heterossexuais se unissem por amor puro e sagrado e as relações funcionassem sem qualquer tipo de problema. Mas com o decorrer da conversa fiquei ainda mais triste por perceber que este preconceito era apenas parte de um maior, mas impronunciado: que o amor e a felicidade é só para os novos, os bonitos, os estilosos e os magros.
Temos, na nossa cultura, uma ideia geral daquilo que um casal deve ser, a média estatística, o arquétipo: ele é mais alto e mais velho, ela baixa, mais frágil, mais nova, espera que ele a guie e a proteja. São os dois jovens e tonificados, os seus corpos perfeitos fazem um casal como a cama do filho urso não é demasiado duro, nem mole, simplesmente perfeito. Tudo o que reside fora deste arquétipo está errado e não tem direito à existência.
Há lojas em que mal entro e onde raramente compro seja o que for, nem que seja presente, porque não reconhecem a minha existência, lojas como a Zara, ou a Mango, que fazem o 44 com sorte e já a chamar badochas imperdoáveis às que ousam usar esse número. As que o ultrapassam, então, devem é ir vestir-se à secção de campismo ou de cortinados. Como podem imaginar, essa atitude irrita-me profundamente, pelo que não gasto lá nem um dos meus esforçados cêntimos. Com gente que não me reconhece o direito à felicidade também não perco o meu tempo. É que sabem, com o meu peso, a minha altura, não encaixo no estereótipo, e verem-me, digamos, com um homem mais baixo ou mais magro de mão dada só provoca comentários marginalmente menos jocosos que os que provoca um casal gay. é triste, é errado, mas é mesmo assim.
De modos que me bati a minha vida inteira, que me continuo a bater pelo direito de todas as pessoas da procura da felicidade. Independentemente da sua cor, raça, feitio ou orientação sexual Se isso fez, faz ainda, com que ouça bocas parvas é irrelevante. Devemos erguer a voz e não ficar calados quando menosprezam as nossas opiniões.
Já lhes disse que estou orgulhosa este governo por ter aprovado esta lei? Estou mesmo. Mas nisto e só nisto, sim?