terça-feira, abril 13, 2010

A natureza do escorpião

Não há muita gente que perceba porque motivo é este um dos filmes da minha vida. No geral não o refiro, guardando para mim a preferência. Já sou mal compreendida que chegue por aí para não alimentar mais bocas de como sou esquisita. Mas na realidade este Crying game ecoa mesmo com qualquer coisa de muito intimo, de muito pessoal, ecoa com aquilo que acredito sobre a vida e a natureza do amor.
Todo o filme se desenvolve à volta da fábula do sapo e do escorpião, sendo que o escorpião pede a um sapo para o levar até ao outro lado do rio. O sapo está renitente, mas o escorpião promete não o picar. Começam a atravessar o rio e o escorpião pica o sapo. Quando o sapo pergunta ao escorpião porque o picou, condenando os dois a uma morte certa este responde que não o conseguiu evitar, que está na sua natureza. O uso desta fábula não é inocente, serve um pouco a função que os coros tinham nas peças gregas e romanas. O comentário que sublinha a tragédia, o aviso e o lamento pela incapacidade das personagens fugirem das suas naturezas e, por conseguinte, dos seus destinos.
Se não acredito particularmente no destino, acredito incondicionalmente nos seres humanos seguirem as suas naturezas. Nunca duvidei e as pessoas estarem onde querem, como querem, com quem querem. Até um certo ponto as pessoas seguirão sempre as suas compulsões sem interferência da razão. A existir, esta servirá apenas para justificar as nossas escolhas, para arranjar uma desculpa racional para os nossos actos de crueldade, ou de egoísmo, de insensibilidade.
Não nascemos cruéis por natureza, mas as nossas experiências primordiais, os nossos traumas e cicatrizes condicionarão mais tarde a maneira como vivemos, a maneira como amamos. Marcará igualmente o nosso nível de entrega e o nosso nível de incapacidade de amar. A nossa natureza, moldada pelas nossas vivências condicionará irremediavelmente aquilo que vivermos no futuro, mesmo que isso nos condene a amores que são becos sem saída, e à nossa própria infelicidade. Não é o destino mas sim os nossos comportamentos passados que condicionam os nossos comportamentos futuros e que nos conduzem, a maioria das vezes, à tragédia.
Eu, como o filme, não acredito em grandes barreiras para o amor e, tal como a protagonista, me condiciono ao meu destino. Nem toda a gente consegue-ou quer- deixar de lado barreiras que aparentemente fazem sentido. Concedo que a barreira que separa os protagonistas e causa tanto pathos é mais difícil de ultrapassar que outras, mas motivos aparentemente fúteis são os proverbiais grãos de açúcar das formigas: pequenos numa perspectiva, gigantes por outra.
O motivo porque o jogo de lágrimas é o jogo de lágrimas, porque há sofrimento e infelicidade e não conseguimos deixar de nos condenar ao sofrimento é esta trágica incapacidade de vermos ou sermos mais que a nossa natureza. E que esta, raramente, senão nunca mudará.


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