segunda-feira, janeiro 18, 2010

Catch 22

Entre aquilo que sabemos e aquilo que sentimos há mais coisas, como dizia Hamlet, que abarca a nossa vã filosofia. Entre aquilo que somos e aquilo que nos apercebemos há desfiladeiros de incertezas e ambiguidades não facilmente resolúveis, embrulhadas nos nossos estômagos, a ferir a nossa autoestima. Conhecem aquela velha pergunta do se uma árvore cai na floresta e ninguém está lá para ver faz ruído ou não? Nós as mulheres temos uma pergunta bizantina- e contudo tão chata de lidar- dessas: se não nos desejam continuamos a ser desejáveis? Não sei.
Como já disse acima ser e sentir são duas coisas que não são equivalentes nem simultâneas. Assim, entre aquilo que é a nossa autoconfiança e aquilo que são os factos há brechas dolorosas e difíceis de superar. Acreditem ou não, queiram ou não, a nossa autoestima é alimentada pelo desejo que despertamos no outro, e não há muita volta a dar-lhe.
Podemos dizer- que dizemos- podemos sentir- que sentimos- que nos vestimos para nós e não para os homens, que nos arranjamos e alindamos ( os ingleses têm uma palavra deliciosa para este processo, beautification) porque sim. Mas sejamos sérias e honestas, todas sabemos que é para os homens: os que temos, os que não temos mas queríamos ter, os que não queremos ter mas gostamos de provocar, etc. Não sei se as coisas com as mulheres homossexuais se processam assim, suponho que não, porque não se esforçam tanto (algumas) para atingir o modelo de feminilidade desejado pelos homens, mas com a malta a verdade, a completa verdade é que vivemos um bocado à mercê dessa atenção. E mais, os homens conhecem esta nossa fraqueza, exploram-na para atingir os seus objectivos, usando essa atenção como aliciante ou recompensa, se nos portámos suficientemente bem, de acordo com os seus desejos.
Na nossa sociedade patriarcal ( feliz ou felizmente, de acordo com o lado da barricada em que estiverem) esse embelezamento é obrigação nossa. Sermos bonitas, novas, férteis, receptivas é o nosso papel. Como diz a Lilly Alen, uma fame whore chata e irritante, mas que tem razão neste 22, aos quase trinta já a sociedade acha que a nossa vida acabou, que saímos todas as noites à procura do príncipe e bom, já não acreditamos que as coisas possam ser assim.
No video oficial da canção vai ainda mais longe, e eu peço desculpa por não o poder cá pôr, mas o youtube não deixa, mostrando o contraste entre aquilo que queremos ser, parecer nessas saídas à noite, e aquilo que somos, com rimmel borrado e maquilhagem a escorrer, com o cabelo em desalinho e a esperança funda e negra como as nossas olheiras. Teremos mesmo de perder, de achar que a vida acabou porque não temos, nem, aliás, nunca mais teremos, 22 anos? Devemos sentir-nos sexy e autoconfiantes com noites solitárias e batôm esborratado nos lábios? Pois não sei. Esse é o nosso catch 22, o problema que não se resolve nunca a nosso contento, mergulhando-nos em excepções e desapontamentos.
Lutei a minha vida inteira por um modelo de feminilidade mais positiva que esta definição pela negativa, só conseguida através da validação de um homem. Acho que devemos sem mais, ser para além de bonitas e desejáveis. É que, percebam, vamos estar mais tempo da nossa vida fora da categoria das desejáveis que dentro dela. Temos quê, quinze anos, vinte em sessenta, setenta que vivemos para ser núbeis e belas? É bom que tenhamos um plano alternativo ao ser giras e novas para viver bem, não vamos ter 22 aninhos para sempre. O ponto é se conseguimos fazer isso.