terça-feira, março 02, 2010

O meu problema com a indústria de retalho

Na aristocracia do virar do século XIX só um nome era murmurado com reverência: Charles Worth. A casa Worth, que começou na segunda metade do século XIX em Paris é geralmente considerada a primeira casa de moda como as conhecemos hoje, com passagens de modelos e liderada por um homem. Mas não é o facto de ser o primeiro homem a ter uma casa de moda com grandes dimensões que o distingue, mas a sua forma de pensar e trabalhar. Reza a lenda que uma mulher entrava na casa Worth e dizia o que precisava ou queria, por exemplo, um vestido de passeio, um vestido de baile (a aristocracia nessa altura tinha códigos de vestuário muito rígidos, chegando a usar seis ou sete toilettes diferentes num dia). A partir daí, o costureiro analisava a cliente, o seu estilo, o seu corpo, o seu estilo pessoal e criava para ela aquilo que a favorecesse e, infalivelmente, as mulheres amavam de paixão os vestidos que conseguiam, eram, dizem muitos relatos, os mais confortáveis, mais maravilhosos vestidos que tinham já alguma vez comprado.
Mesmo se não falarmos na aristocracia, que podia dar-se ao luxo de um estilista, toda a mística à volta das roupas era diferente. Como praticamente não havia roupa pronta, cada mulher, fosse ela do nível social que fosse, tinha bastante liberdade de escolha no tamanho e modelo da roupa. Comprava o tecido e, apesar de haver uma moda em termos de feitio, era esperado que cada uma a adaptasse às suas necessidades. Não havia tamanhos ou formas erradas.
Dizem que o prêt-à-porter contribuiu para a libertação feminina- comprar a roupa feita poupa o tempo de a fazer- mas também é verdade que contribui, em muito, para a nossa frustração eterna. A massificação da moda e o estabelecimento de tamanhos-padrão só veio contribuir para a infelicidade geral, pois a maioria de nós, de uma forma ou de outra, raramente encaixa perfeitamente no tamanho que as fábricas de roupa e os estilistas acham que devemos ter.
Tendo eu o meu tamanho, encontrar roupa dá trabalho. Encontrar roupa gira, que não me faça parecer com 70 anos, que não seja semelhante a sacos de batatas ou de fibras sintéticas rascas é possível, mas dá trabalho. Mas pronto, à parte de a maioria das lojas não me reconhecerem o direito à existência já estou eu habituada. Ao facto de as mulheres todas que conheço, sem excepção, se queixarem de ser difícil encontrar roupa que assente bem e as favoreça é que já acho demais.
Cada vez que visualizo o atelier de um designer, imagino-o a pensar assim: como é que vamos torturar a população feminina esta época? Riscas horizontais? Demasiado visto. Folhos? Hum, talvez. Calças elásticas e brilhantes bem coladinhas ao corpo? Oh sim, definitivamente sim... E nesta altura, o dito designer que por acaso até é gay e nutre um ódio invejoso a toda a espécie feminina solta um riso maléfico.
Consideremos, como exemplo do que relato, a foto acima, minhas queridas. Até a Rihanna, que é magra e elegante e novinha parece desfavorecida por aquela couve. As ancas dela parecem enormes e o torso dela fica atarracado e desproporcional. Quem, se não alguém que secretamente odeia mulheres, desenharia uma coisa daquelas? E se a alta costura, que é suposto ser personalizada faz isto às pessoas, a indústria de retalho não lhe fica atrás.
Alguém me pode dizer onde, a não ser num país da África Sub-Sahariana, o tamanho médio das mulheres é um 36? E não o 36 dos anos 80 e princípios de 90, o de agora de, digamos, a Zara ou a Mango? A maioria das mulheres portuguesas veste 40-42 a não ser que meça 1.40. E não há vergonha nisso. Nenhuma. Temos ancas largas, so sue us. Temos peitos ou barrigas proeminentes, e depois? Será nossa missão na vida matar-nos à fome e fazer exercício até cair para o lado até conseguir entrar nessas criações atrozes que, mesmo assim nos vão ficar mal e fazer-nos sentir feias? Aparentemente sim. E não me venham cá com conversas de saúde: todos os programas de emagrecimento, todos os medicamentos, chás e mezinhas mostram gente a vestir números abaixo, não electrocardiogramas ou análises ao sangue com os valores dos triglicéridos, colesterol e glicose.
A solução para isto não é fácil e, francamente lhes digo da minha experiência, ser anti-establishement dá trabalho e é frustrante. Eu adoraria o dia em que chegasse a uma loja, qualquer loja, e encontrasse roupa para mim que ficasse bem e me favorecesse em vez de parecer uma coisa saída da secção de campismo e desportos ao ar livre. Isso, logicamente não acontece. Não irá nunca acontecer. Encontrei, no entanto, a minha paz. Se não me reconhecem como cliente e o meu dinheiro não é bom o suficiente para essas lojas, então gasto-o ( e olhem que roupa é um dos meus vícios) onde sou bem recebida. E culpo os designers sádicos nos seus ateliers a achar novas e criativas maneiras pelo estado de coisas. E só a eles. Não poderiamos ter um Charles Worth que desenhasse coisas que nos ficassem bem independentemente do nosso tamanho? Sinceramente isto do progresso nem sempre é evolução.

5 comentários:

Anónimo disse...

Nao vou apontar que abaixo tens uma foto da Lady Gaga. Nao, nao vou. Vai-me custar, mas nao vou. Por que isso nao me vai fazer entrar em nenhum dos numerozinhos da Zara.

Jinhos


Su

Passionária disse...

Hum, a Lady Gaga não incentiva as pessoas à roupa das lojas, olha o exemplo abaixo...

Anónimo disse...

Pois nao... mas olha que corpos com medidas perfeitas nao vejo exemplo melhor. E depois, nao incentiva ninguem a comprar roupa. em loja nenhuma. E mais os estilo mae eva. O que nao lhe poupa a ser uma clothes horse como qualquer outra. Olha faz uma pesquisa ao nome Paloma Faith. Please. E depois diz qualquer coisinha.

Jinhos


Su

Paulo Saraiva. disse...

Quem lê este artigo pode ter dois pensamentos....
Eu vou pôr de parte a escrita do artigo e... vou falar um pouco de mim.
Nós todos(querendo ou não) somos uns escravos da sociedade.
A Figura, melhor dizendo, a aparência fisica tem sofrido grandes alterações ao longo dos tempos e até posso dar um exemplo....Antigamente(nos tempos da fome em Portugal, era "bonito" ser gordo(a)pq era sinal de que existia comer com abundância em casa.Que disparate!!!Mas era o pensamento na altura.
Adiantando o passo direi que as modas mudam! E nós, se queremos andar na moda, temos que a acompanhar. Usando aquilo que os "estilistas" mandam ca para fora. Agora...podemos não nos identificar com aquela roupa, mas temos sempre oportunidade de ir a outro lado.
Quanto aos tamanhos...é muito triste(e falo por mim!)entrar numa loja e não encontrar roupa que me sirva! É frustrante!Quase dá vontade de fazer um passe de magica e fazer desaparecer uns kgs.para conseguir comprar algo que goste do feitio ou do padrão.E como tal se não serve vimos de mãos a abanar, inventando sempre uma desculpa para não levar isto ou aquilo.
Quanto aos sentimentos dos outros eu não opino! Porque existe quase sempre uma desculpa para tudo incluido não ser "o meu estilo"....´
Enfim..são os prós e contras de um modelo de sociedade que não "gosta" de todos.

Patricia Almeida Alves disse...

Loool definitivamente... eu faço o meu estilo... a minha moda... e os meus números...
kisses,
P*