terça-feira, abril 10, 2007

O lado bom da coisa

Não há nada como umas férias no sítio onde crescemos para nos encher de depressão. Para além do deprimente que é constatarmos o quanto mudou e como estamos velhas (ver miudos que vimos nascer ir para a universidade é um duro golpe) mas também como permanecemos irremediavelmente, ó anátema, solteiras.
A minha mãe, que é uma santa alma, ela própria bastante feminista, nunca me perguntou o porquê do meu celibato nem me incentivou de forma nenhuma a casar com o primeiro que aparecesse só para dizer que estou "arrumada" (como se fosse um livro fora da prateleira). O mesmo já não se pode dizer da mãe dela , de uma grande parte das outras mulheres da família e da esmagadora maioria da aldeia. O que eu faço solteira com a vetusta idade de trinta anos é uma coisa que lhe escapa, uma coisa inimaginável. É como se fosse uma espécie de não-entidade, uma alma do purgatório. E o motivo porque não fiz como todas as minhas colegas de escola, que vão obedientemente no segundo filho para completar o casalinho só pode ser obscuro e vergonhoso, como ter, Brigit Jones dixit, escamas em toda a pele por baixo da roupa. Ou um incrível mau feitio que nenhum homem consegue aturar.
Se bem que a parte do mau feitio é parcialmente verdade, só o princípio do argumento me irrita. Terá uma mulher de estar casada para ter a sua existência justificada? I don't think so. Acho que o que escandaliza o seu coraçãozinho conservador é, simplesmente, o grau de liberdade de que gozo. Trabalho , o que me dá independência financeira, vivo longe da casa da família, o que me dá a liberdade de fazer aquilo que me apetece, tenho um feitio naturalmente temerário, o que garante que não fico em casa cheia de medo a acabar o enxoval. E isto, para a cabeça da minha avó é absolutamente impensável. A minha avó casou aos vinte, ficando casada os seguintes quarenta anos (até à morte do meu avô). Passou da casa dos pais para a do marido e nunca, mas nunca viveu aquilo que se diz sozinha a não ser quando já estava nos sessenta. Que eu, a sua neta preferida (a sério, sem modéstias, sou mesmo) escolha viver sozinha enche-a de um desgosto inimaginável. Não fosse eu uma pessoa convicta nas minhas crenças e estaria num poço miserável de culpa e de vergonha. Felizmente não estou. O segredo, minhas caras colegas de opção de vida, é ver o lado bom da coisa.
Em vez de nos estarmos a entediar numa vida doméstica repetitiva, estamos a fazer o que nos apetece. Até aquelas mais convicta e felizmente casadas concordam que passar o fim-de-semana a passar a ferro ou a lixar os rodapés da casa nova não tem tanta piada como os nossos fins-de-semana em que fazemos basicamente o que queremos. E que os fundos canalizados para fraldas e contas de pediatra que em nós vão direitinhas para roupa nova e sapatos são um motivo de eterna inveja. Não que ser solteira sejam só rosas, a solidão, sobretudo, mói, mas a coisa também tem um lado bom, ou não? Às vezes, e contrariamente ao que nos pressionam para fazer, tomar um café só é um prazer inegável, ter todo o espaço do mundo para nós. Percebeste, avó?

8 comentários:

elisa disse...

:) revejo-me totalmente na tua primeira frase e em tudo o que escreves neste texto. O único problema que vejo em ser solteira é ficar a gostar demasiado deste estado para trocá-lo por outro...ainda assim, nem sei se é problema;)
Beijinhos

elisa disse...

:) revejo-me totalmente na tua primeira frase e em tudo o que escreves neste texto. O único problema que vejo em ser solteira é ficar a gostar demasiado deste estado para trocá-lo por outro...ainda assim, nem sei se é problema;)
Beijinhos

Lady Grey disse...

há pouco escrevi aqui algo muito inspirado, pensei que ficara publicado, mas não... de certeza que não ficará tão bem nem tão sentido como na primeira vez, mas cá vai: dizia eu que sou casada que não me sinto nem nunca me senti sufocada porque o meu marido me dá todo o espaço do mundo, que não é nem machista nem hiperdependente e que em muitas muitas coisas nos sentimos solteiros isto apesar de estarmos casados há quase 2 anos e vivermos juntos há quase 5 anos. Mas também já fui solteira e já fui olhada de canto... porque o que na altura queria era simplesmente divertir-me não ter que responder a ninguem... alguns amigos pensavam que era apreciadora de candies do meu género ( não é o caso!)! Contudo, este post pos-me a pensar que aqueles cafés que tomava sozinha, sentindo-me total e absolutamente dona do meu tempo e do meu espaço nunca mais foram os mesmos... ás vezes até sinto uma culpazita maldosa a invadir-me a mente. Não sinto falta de ser solteira, mas sinto saudades daquela sensação do tipo heroinas da Jane Austen - ó pra mim toda interessante, toda independente

Anónimo disse...

Pois cá eu tenho sentimentos ambivalentes em relação à minha ex-solteirice... sinto falta de todas as noites em que peguei no carro para ir dormir com as minhas amigas a trezentos kilometros de distância (eu disse dormir!!!), das conversas horas a fio sem interrupção, das sessões duplas de cinema e das crises amorosas partilhadas ao telefone, invariavelmente apartir das três da matina em dias de trabalho.
Não sinto falta das maldadezinhas da minha avó que queria era contabilizar bisnetos, dos risinhos maldosos das vizinhas que me chamavam sem cerimónia "encalhada" nem dos olhares desesperados do meu pai que já achava que ia morrer sem netos... Sobretudo não sinto falta do sentir-me incompleta, só, com uma espécie de frio nos ossos que, durante muito tempo foi parte de mim. Uma coisa que, mesmo depois de casar, foi difícil de despegar de mim... enfim... (suspiro) A verdade é que, mesmo tendo trocado as noites de cinema pelos rodapés da casa nova, ganhei uma espécie de... conforto em mim própria. Não é aquilo que eu achava que a felicidade adulta seria, mas pode ser que esteja na hora de rever os meus conceitos literários...

(parece que me alonguei, sorry)
Sempre tua
Su

Passionária disse...

Susana, não sou contra o casamento, pelo contrário, simplesmente fiz notar que ser solteiro também tem os seus momentos...

Querida Su, sabes que te podes alongar sempre que quiseres, eu não me importo. E de qualquer maneira, casadaou não continuas a ser minha mana da alma.

Elisa:
obrigada pela força e por corroborares a minha opinião que estar solteira não é uma forma sem sintomas de lepra, lol.

Obrigada pelas vossas respostas

Patricia Almeida Alves disse...

Amiguinha, as exigências de uma avó sexagenária são normais quando pensamos na educação que teve... Foi educada para casar, ter filhos, cuidar do marido... sempre! Em solteira deveria respeitar os pais e obedecer-lhe, quando casada essa obediência "cega" passava para o marido...o chefe da família... Foi assim, e não há muito tempo... Tenta compreender a tua avó, pois no fundo ela sabe que estás bem; e talvez prefira que a sua "netinha" seja feliz mesmo que solteira, a passar pelos desgostos que muitas mulheres casadas acabam por sofrer... muitas caladas.
Ser solteiro, ou continuar solteiro , não é um estado de espírito, não é uma doença, e no teu caso, minha querida amiga, não é de facto uma opção... podemos dizer que a tua "panela" ainda não encontrou a "tampa" indicada... Ou já? E já lhe disseste? Não?! Tonha... Novos amores, novas experiências, novas descobertas, a reinvenção da vida todos os dias... eís algumas das vantagens de ser solteira.
Casadinha de fresco, e já depois dos 30, posso assegurar-te que vale a pena esperar o tempo que for necessário... A mim também me questionavam sobre a minha solteirice... até ao dia em que anunciámos o casamento... Agora,com pouco mais de 3 meses de vida a dois (de papel assinado), questionando sobre os "rebentos"... para quando? Quantos? Porquê esperar? O que me impede? Quero ter ou não? Vês, ser casada também tem os seus quês... O que interessa o que os outros pensam, mesmo quando se trata da nossa avózinha???? O que interessa, o que me interessa, neste caso que é que: SEJAS MUITO FELIZ! Acompanhada ou não... A tua melhor amiga e melhor companhia és tu mesma! O resto... são tretas!
Carpe Diem!
bjs
P*

Unknown disse...

Também tenho por vezes saudades do meu tempo de solteira. O tempo para pensar em mim, sem pensar que tenho determinadas tarefas para fazer até o pimpolho do teu sobrinho acordar. Mas por outro lado, sinto que falta qualquer coisa quando ele ou pai não estão. Ontem devido a uma situação (depois conto-te) fiquei em casa sem eles parte do dia. estou tão habituada a que ele esteja em casa quando eu estou, a seguir-me para todo o lado, que ontem só queria que ele chegasse de casa da avó com o pai.
Não sinto saudades das compras para mim , penso mais no Gui e só não me perco por que não calha.
Uma frota do costume

Passionária disse...

P, isso de dizer ou não já discutimos muitas vezes, nem sempre os outros querem ou estão preparados para nos ouir, é melhor ficar caladinha. Como dizem os Roling Stones, you can't always get what you want. Tiro o melhor partido da minha situação e o resto logo se vê. jinho.

Cris: eu sei como te sentes e outra coisa não esperaria de ti, és uma das pessoas menos egocêntricas e mais generosas que conheço, e admiro-te muitissimo por isso. a frota do costume e uma extra para o Gui...