terça-feira, abril 03, 2007

O controlo remoto


Spoiler Alert: O seguinte texto fala do inenarrável filme Stepford Wives. Se não viram, e por algum inexplicável motivo querem ver, fiquem sabendo que o presente texto contém spoilers. Depois não se queixem. Nem digam que a gerência não avisou que era um mau filme, ok? Agradecida.
América seja povoada por um bando de donas-de-casa às gargalhadinhas, vestidas em tons de pastel e de cabecinha leve não é surpreendente. Que façam disso um filme já é pior. Que tentem fazer disso um ícone feminista ainda pior. Picture this: um bando de maridos ressabiados com as suas mulheres de sucesso levam-nas para uma cidadezinha de subúrbio de classe alta onde, depois de uma intervenção cirúrgica misteriosa passam a ser absoluta e completamente perfeitas. Do ponto de vista masculino, claro. Isto quer dizer que andam sempre perfeitamente arranjadas e sorridentes, satisfazem todos os desejos dos maridos dentro e fora da cama, têm a casa limpa e impecável sempre e dedicam-se a discutir coisas de vital importância como arranjos de natal. Idílico, não? Os homens, senhores absolutos da casa, possuem assim um controlo remoto que lhes dá o controlo total da esposa, podendo simplesmente com um toque de dedo desligá-la, como as televisões.
Não é difícil de perceber que a ideia é criticar os homens e o seu desejo de nos transformar em electrodoméstico/brinquedo sexual a ligar e desligar conforme a conveniência. Mas isso não é novidade nenhuma. Para aquelas de nós que andaram distraídas durante basicamente toda a sua vida isso é o que eles têm feito desde que o mundo é mundo, está-lhes nas suas naturezas, na sua massinha do sangue. Aquilo que também é evidente neste filme, é que são as próprias mulheres que às vezes preferiam estar como estas, ligadas a um controlo remoto e a alguém que lhes desse ordens.
Algures nos anos oitenta as mulheres começaram a decidir que, se calhar, o movimento feminista não foi assim tão boa ideia e que as suas bisavós, avós e mães deveriam era ter ficado em casa a coser meias que era melhor, e a tratar de polir o chão da sala ou coisa semelhante. E não se riam se acham que estou a exagerar. Que solte a primeira gargalhada aquela que nunca criticou outra mulher por ela estar desmazelada, por achar que passa pouco tempo em casa ou deixa o marido demasiado tempo sozinho.
Da mesma maneira que os homens têm a tendência para dominar, temos nós, não sei se cultural se geneticamente a tendência para sermos dominadas. E se virmos as coisas de uma certa perspectiva é até mais fácil. Imaginem o tempo e energia que perdemos a tentar ser levadas a sério por uma espécie que no geral nos olha como fornecedoras de genes para a geração seguinte. Vejam agora se não é mais fácil, imensamente mais fácil deixar-nos ir na onda e ser guiadas em vez de tentar impôr o nosso ponto de vista. É mais fácil, como também é mais fácil pensar em coordenar cores da decoração de natal que em geopolítica, em receitas perfeitas de bolo de chocolate que em filosofia ou tons de sombras para a estação que na existência de deus. Mais fácil e mais gratificante. Os homens são seres inseguros, e para nossa desgraça, muitas vezes cobardes. Uma mulher que o olhe como um deus porque sabe muitas coisas é muito melhor que uma que o questione e, pontualmente, o corrija porque está errado, da mesma que uma mulher que se preocupa com a colecção outono-inverno é superior áquela que se preocupe mais com neo-cons que com o diâmetro das coxas. Entre os dois géneros, adivinhem lá quem vai com eles para casa ao fim da noite. Precisamente.
Claro que isto de se reduzir a si mesma a uma barbie inane que abana a cabeça para cima e para baixo como a vaca do presépio aos desejos do seu homem também tem os seus contras. Como por exemplo o termos de abdicar do nosso orgulho, amor próprio e cérebro, mas o que é isso perante a cenoura suculenta da felicidade eterna que nos abanam à frente? Quantas de nós não ficaram já frustradas e se descabelaram porque não entravam no estereótipo, porque não se conseguiam forçar a entrar nele? Muitas, posso garantir de fonte segura. Mas não vale a pena, eu acho, para mim pelo menos não vale a pena. A vida é feita de caminhos e de escolhas, e as minhas simplesmente não passam pelo controlo-remoto. Por mais verdes que sejam essas veredas e cheias de espinhos dolorosos as minhas, não vou por aí (já dizia o Régio). Nem pelo maior amor do mundo seria capaz, sou capaz de abdicar da minha personalidade. Mas a verdade é só uma, de qualquer maneira, se os requisitos são o corpo perfeito e a boca calada, estou fora do jogo de qualquer maneira, se me amam não pelo que sou mas pelo que querem que seja e que diga então não é a mim que amam, mas a uma ideia idealizada de mim que caberia facilmente noutra qualquer. E aí, sinceramente não vale a pena.

2 comentários:

Anónimo disse...

Asiim é que se fala! Adorei! Revejo-me milimetricamente nas tuas palavras. Continua!

Anónimo disse...

Verdade, verdadinha. Nõ. Boa Páscoa. saudades. Beijinhos. O joão foi operado, correu tudo bem, já vai falando mais.