quinta-feira, abril 26, 2007

Blimunda e o amor de esquerda


Nunca me deixo de comover com o encontro de Blimunda e Baltazar no Memorial do Convento do Saramago. Encontram-se os dois e, simplesmente, são um. Sem dúvidas, sem hesitações, sem perguntas, sem medo de compromissos ou traumas passados, amam-se. Mais, amam-se com profundidade, e para sempre. Bonito, romântico.E, desgraçadamente, irrealista.
Os comunistas, como utópicos que são, são uns românticos. Acham que, da mesma maneira que os seres humanos serão capazes de abdicar do sentimento de posse e do egoísmo para viver de acordo com os melhores interesses da comunidade, também vão ser capazes de amar completa e desinteressadamente outra pessoa que não os próprios. Que cada ser humano tem aquele que os completa perfeitamente e, por isso, não necessita de nada nem mais ninguém para ser feliz e completo. Belo sonho,verdade?
Historicamete até percebemos de onde vem esta história, pois que, quando as bases teóricas do comunismo estavam a ser delineadas, no século XIX, todos os casamentos eram arranjados, meras trocas comerciais entre famílias. Ora uma sociedade nova, mais justa, não poderia consentir isso, a venda de seres humanos no casamento. E, por isso mesmo, defendem ainda hoje esta união de espíritos como uma coisa sagrada, imediata (no sentido em não necessitar a benção da sociedade ou da igreja) e permanente. E as semelhanças desta união com o casamento tal como aparece descrito nas escrituras não é pura coincidência. Ambas as estrturas exigem entrega, obediência e seriedade na entrega à causa.
A falha na lógica comunista é a mesma que os levou a falhar ideologicamente: os seres humanos são criaturas egoístas e cheias de erros, interessadas no seu próprio prazer e os outros que se lixem. Da mesma maneira que o casamento católico foi historicamente retorcido até ar origem a uma instituição sufocante para ambos os membros e um mero acordo de negócios, também o idealismo de esquerda deu origem a um pântano traiçoeiro onde cada um se sente no direito de se libertar das uniões e de fugir delas de acordo com os seus próprios interesses. Acontece.
Se acham que estou aqui a escrever como comunista escondida com o rabo de fora, pensem só na quantidade de homens de meia-idade que se vêm livres das mulheres de vinte e trinta anos de casamento para ficarem com jovenzinhas de corpo firme e cabeça vazia. Ou de homens e mulheres que se esgueiram para fora de relações perfeitamente aceitáveis e satisfatórias só porque estas dão trabalho.
O amor nem sempre é assim, como o do Baltazar e da Blimunda Sete-Luas (o que não exclui as vezes que é). Dá trabalho e é complicado e cheio de armadilhas e tentações. O que deve pesar sempre é esta atraçcão, esta plenitude descrita por Saramago,que é muito superior a todas as pequenas felicidades egoístas e temporárias de tudo o resto.
Quanto a mim, já me conhecem: sou demasiado utópica para deixar de acreditar em Blimunda e no amor à esquerda. Como canta a Natalie Wood no West Side Story:
"There's a place for us,
Somewhere a place for us.
Peace and quiet and open air
Wait for us Somewhere.

There's a time for us,
Some day a time for us,
Time together with time spare,
Time to learn, time to care, Some day!


Somewhere.
We'll find a new way of living,
We'll find a way of forgiving
Somewhere . . .

There's a place for us,
A time and place for us.
Hold my hand and we're halfway there.
Hold my hand and I'll take you there
Somehow,
Some day,
Somewhere!"