quinta-feira, julho 10, 2008

L'amour fou

Só os muito novos, ou os muito velhos conseguem amar com total e completo desprendimento, sem limites, até mesmo os da sanidade. Os primeiros, porque não têm história, e tudo é novo e possível, os segundos porque já não a terão, não têm nada a perder. Entre uma coisa e outra somos cicatrizes e bagagens, responsabilidades e horários. Ninguém ama loucamente com um relatório a apresentar, ou com prestações para pagar que não param de aumentar. Não sei se a idade nos rouba dessa espécie de inocência em que amar não tem limites nenhuns, mas talvez a lucidez nos impeça de tantas coisas que antes fazíamos, de tantas coisas ridículas e impulsivas e maravilhosas e devastadoras. Na idade adulta ama-se com muito, muito cuidado.
Enquanto adolescente era indefectivelmente romântica (agora ainda sou mas refreio impiedosamente esses ímpetos), tendo como referência dois ou três livros e meia dúzia de filmes. O Le Diable Au Corps, de Raymond Radiguet, o Fio da Navalha, de Sommerset Maugham, O Amor Nos Tempos De Cólera, de Garcia Marquez, nos filmes o mais importante o Jules et Jim, ou o L'Atalante. Os amores de novos, sem referências, de velhos, sem limites. Agora que estou no meio, entre uns e outros, não é por acaso que tenho outras coisas como referência: o amor já não é, como diz Camões, como soía.
De A. S. Byatt, um dos meus livros favoritos de sempre, Possession mostra como amamos agora, breve e magoadamente, nenhuma das nossas acções deixa de ter repercussões, nenhuma é inocente, nem inócua.
Não sei se é nostalgia se alívio de não poder, de não conseguir mais entregar-me assim ao l'amour fou. Um pouco de ambas, suponho. Acho que a pena é a mesma de não ser já criança, o alívio o mesmo de não estar no inferno na terra que são os anos de liceu. E a nostalgia insuportável que me invade uma vez por outra, bom, não tem remédio. Deixemos o amor ser como é, e estar louco e sem limites nos sítios onde é belo e tem sentido, como os filmes que amamos, os livros que amamos. Para nós, bem ou mal, está o quinhão da realidade, da racionalidade quotidiana.

4 comentários:

Anónimo disse...

Não sei como explicar, mas queria que soubesses o quanto me tocou o que li agora aqui. Sinto isso mesmo- que me cobri de uma pele que não deixa já entrar o amor como antes. Como se houvesse uma impermiabilzação feita de cinismo e mágoas e desenganos. O amor que sinto agora é firme, mas é mais... escasso, eu acho que posso dizer... mais fino e sem loucura. Quase como se fosse ausente de si próprio... acho que porque me esforcei tanto, tanto, para eliminar aquilo que me feriu mais.
Acho que é por isso que os meus amores antigos ainda estão tanto comigo- porque sinto falta de amar assim.
A questão é se isso trai o meu amor de agora ou se é só uma inevitabilidade, como os pés de galinha e a hipoteca.
Sempre
Su

Anónimo disse...

Os amores antigos, se foram amores mesmo, nunca morrem, nunca se comparam e nunca traem os "amores actuais". Continuo a pensar, como escrevi há muito tempo, que os amores antigos são como membros amputados, já não estão fisicamente connosco, mas continuam a fazer falta, continuam e doer e a trazer recordações do tempo em que éramos inteiros. Acredito, cinicamente, que os amores antigos, se foram realmente amores, nunca poderão ser substituídos pelos actuais amores. Aqueles eram o sonho, a perfeição, por isso tiveram de acabar, de alguma forma; estes são reais, duros, imperfeitos, por isso continuam connosco. Sei lá, se calhar só disse disparates... Bjos, Nô

Passionária disse...

Ás vezes esqueço-me de que o blog é uma janela e que não sou a única a lê-lo. Este texto não deveria estar qui, eu sei, provavelmente nem sair-me da cabeça, onde tem andado tanto às voltas. Mas nem sempre consigo transformar este meu conhecimento amargo de como são as coisas em textos divertidos ou irónicos, ou leves. Que as tenha tocado com ele só me recorda aquilo que nos faz irmãs. Mesmo que o sejamos em coisas que nos doem.
luv ya
i.

Anónimo disse...

Passionária, querida
Este texto tem todo o direito de estar aqui. Na verdade, eu tinha uma necessidde de o lêr, de me lembrar que eu não sou a única a correr o risco de me tornar numa estátua de sal...
Nô,
acho que terás razão quando dizes que os amores antigos não são traição aos novos. Eu sinto isso... mas se falares com o meu marido, eu sei que lhe doi esse pequeno detalhe da minha vida- que houve gente que eu amei tanto, tanto (e olha que até eu tive o bom senso de não lhe explicar sobre lugar secreto que acolhe amores antigos). É uma questão de perspectiva, esse ciúme do que não pode ser.
Beijos
Su