O que têm em comum uma trintona (trintinha, vá) de mau feitio, uma miúda de vinte e poucos, a Keira Knightley e uma escritora que viveu há duzentos anos em comum? Aparentemente, nada. Mas têm. Todas concordam (ou concordariam, se fosse possível responderem todas ao mesmo inquérito) em três pontos essenciais:
a) Orgulho e preconceito é um bom livro;
b) há muito menos Mr. Darcys por aí que aqueles que seria de desejar;
c) a roupa masculina da regência era eminentemente sexy e era capaz de transformar muitos Mr. Absolutely NOT em Mr. Definitely Maybe.
Esta concordância, facilmente verificável, é surpreendente. São gerações diferentes, culturas diferentes, bem, séculos diferentes mesmo. Mas o Orgulho e Preconceito, como diriam as minhas alunas de décimo ano, rula.
Esta concordância, facilmente verificável, é surpreendente. São gerações diferentes, culturas diferentes, bem, séculos diferentes mesmo. Mas o Orgulho e Preconceito, como diriam as minhas alunas de décimo ano, rula.
Há um motivo para os clássicos serem clássicos, para histórias com séculos, às vezes milénios, continuarem a ser lidas/vistas/recontadas: são aquelas histórias que tocam directamente na psique humana e transcendem épocas e culturas. São normalmente histórias que lidam com os mais básicos dos instintos humanos, como o amor filial no rei Lear, o sonho e o ridículo de D. Quixote e, como é disso que o texto fala, o amor de Darcy (Fitzwilliam para os amigos) e Elizabeth (Lizzie para a matilha de manas).
Que uma história cheia de caças frívolas a noivos ricos e bailes de aldeia tenha sobrevivido com a mesma frescura inicial a duzentos anos e inúmeras gerações de mulheres a viver em sítios diferentes, culturas diferentes, personalidades diferentes só é difícil de perceber se não tivermos em conta primeiro o génio e a finíssima ironia de Jane Austen e depois a intemporalidade dos sentimentos que esta descreve.
Uma discussão recorrente entre o meu grupo de amigas (tão book geeks como eu) sobre qual o melhor herói clássico cessa assim que Darcy é mencionado: Heathcliff tem o sex appeal dos meninos maus mas é bruto e vingativo, Rochester é intenso e apaixonado, mas, bem, fechou a ex no sótão (nunca um lugar confortável para se estar) e com Max de Winter ficamos frustradas por ter a ex que teve e ser assombrado por ela (que também não é uma coisa boa com a qual lidar). Já com Darcy, vemos-lhe os defeitos logo de chofre (o que deveria ser LEI para todos os homens, para saber com o que contamos), mas passa o resto do livro a redimir-se deles.
Acho que um dos motivos que torna este livro intemporal é os obstáculos a superar não virem tanto de fora, mas de dentro. Não é o dinheiro e quezílias de família, como em O monte dos vendavais, não é uma mulher maluca, como na Jane Eyre, não é a obsessão pelo passado, como em Rebecca que os separa, mas sim os defeitos de ambos.
É o orgulho e os julgamentos apressados, baseados em primeiras impressões, os preconceitos e arrogância dos dois que os separa. E a superação dos próprios defeitos que os torna melhores pessoas é que lhes permite mandar para trás das costas expectativas próprias e de terceiros do que é correcto e fazer o que desejam, que é ficar juntos. E ficam juntos como iguais: Darcy não subjuga Elizabeth à sua vontade, nem Elizabeth o reduz a uma papa informe moldável aos seus desejos: mais que amor encontraram um no outro a mais rara das combinações, o respeito e a admiração mútua. Se isto não é o amor perfeito, não sei o que será. E é por isso que a Jane Austen, eu, a minha prima toda pragmática, as minhas alunas de décimo, a Keira Knightley achamos o livro tão bom. Ou acharíamos, se pudéssemos todas responder ao inquérito.
Quanto à roupa masculina regência, sugiro-lhes a belíssima adaptação do livro feita pela BBC há uns anos, com o Colin Firth como Darcy. Vejam e depois digam se não concordam comigo.
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