segunda-feira, abril 14, 2008

As duas faces do espelho : Barbara Streisand e Platão com Puccini à mistura


O que todas nós sabemos, e os meus alunos de oitavo ano corroboram de forma esmagadora, é que o amor, o amor-hormona, o amor-paixão nos deixa tontos e irracionais. E se eliminássemos a paixão? O princípio de que este filme , uma das minhas comédias românticas preferidas de sempre, parte, é o: e se eliminassemos o amor-paixão da equação? O que aconteceria?
A permissa básica parece uma ideia estúpida, mas é menos que o que possa saber. Não temos nós a ideia parva de nos apaixonarmos por gente desadequada com a qual não temos nada em comum a não ser a febre temporária da paixão? Além disso, olhem para a mitologia: alguém no seu são juizo confia nas setas de um puto malandro de dois ou três anos? Ou melhor, quem raio entrega setas a um puto pequeno e espera que ele faça um bom trabalho? Para além de exploração infantil é uma falta de senso.
Para além da paixão-Cupido há outras coisas, como o respeito mútuo, a comunhão de ideias e essa miragem que responde pelo nome de amor platónico. Esta ideia data da mesma época do gatinhante das setas. Segundo Platão devemos conhecer (e portanto amar) as coisas e as pessoas não através dos sentidos, que são enganadores (por isso nada de agarrar, trincar ou qualquer outro tipo de contacto físico), mas sim através da razão. O amor perfeito é, assim, uma comunhão de almas e não uma de corpos. Quando o corpo muda, se confiarmos nos sentidos, o amor vai-se, quando a paixão dá lugar à rotina partimos para alguém que nos forneça de novo essa paixão. Este tipo de amor esteve muito em voga durante a época medieval (mas também os cintos de castidade) e aquilo que era o casamento dinástico, e portanto, apessoal, deixava espaço para a realização pessoal através do amor platónico, inofensivo porquanto não dava lugar a filhos indesejados. A paixão tal como a conhecemos agora só teve lugar a partir do século XIX, mas foi um presente perverso: instiga nas pessoas aquele desejo de estar sempre apaixonada, constantemente nos píncaros da emoção. O que, como sabemos é impossível, ou ninguém comia, descansava ou tinha hobbies. E, se fizermos as contas, não duram mais as nossas amizades platónicas que os nossos amores, não são frequentemente mais fáceis, menos dolorosas? São. O pior é que não são tudo. Não chegam, ou então não precisávamos de companheiros para nada, tendo um grupo de amigos fiéis.
Quando o protagonista é deixado pela modelo da semana, que o maltrata e perturba, resolve procurar alguém pelo qual não se sinta minimamente atraído, sexualmente falando, e construir a partir daí o relacionamento perfeito. Acaba por encontrar esse alguém na pessoa de Rose, uma professora universitária patinho-feio, filha e irmã de duas grandes belezas (Lauren Bacall e Mimi Rogers, respectivamente). Casam e mais não sei o quê, mas aquilo que para ele é o casamento perfeito é, para ela, o pior casamento de todos. É que para nós, mulheres, sem a mesma capacidade de compartamentalização dos homens, ou temos tudo, ou não temos nada. E se aceitarmos apenas uma parte, estamos a fazer o pior dos pecados : resignar-nos.
Quererem só uma parte de nós é, no mínimo dos mínimos, insultuoso. A cabeça masculina que é, como já disse, organizada em compartimentos estanques, não encontra defeito nenhum em amar uma mulher de forma platónica e desejar outra de forma sexual. Para nós o amor é a soma das partes. Porque gostarem de nós pelo nosso cérebro é só um pouquinho melhor que pelo nosso corpo: continuamos à venda aos bocados, e se não somos um bife, somos uma enciclopédia, haja deus.
Se é verdade que o amor-paixão é uma coisa fugaz, também é verdade que o amor platónico é uma coisa incompleta. O sexo, a paixão não é eliminável das nossas vidas, não é como a nossa dieta da qual podemos eliminar, por exemplo, as gorduras. A ter equivalente era como eliminar o sal: podia continuar a comer-se, mas que não tinha gracinha nenhuma, não tinha. Mesmo com toda a manipulação cultural da paixão, que vende desde perfumes (e olhem para o eye candy abaixo) a fogões e fornos, mesmo nós esperemos, irracionalmente, ouvir Puccini de cada vez que somos beijados, continua a valer a pena amar.
A vida é para ser vivida de forma intensa, e, por mais confortável que seja eliminar todo um aspecto das relações, por mais seguro que seja, a eliminação de um factor é cobardia e preguiça. Claro que o filme acaba bem, com a miuda a ficar gira e o miudo a repensar as coisas, mas mesmo que, na vida real isso não aconteça (as pessoas são como são, e ou somos aceites por tudo o que somos ou que vão dar uma volta) , temos de continuar a tentar. Sem paixão podemos viver mais seguros, mas que secas brutais não apanhamos! Um dia destes ainda ouço o Nessun Dorma com um chocho... ou vá um un bel'dia vedremo... ou vá, resigno-me com o che gélida manina. Mas é a minha última oferta. Menos que isso, não obrigada.

3 comentários:

Anónimo disse...

Pois sim...
Mas é uma tontice e irracionalidade que faz tão bem...
Eu adoro aquela parte do sorriso parvo e do andar na nuvens... :)

Belo texto, excelente convite à reflexão.

Passionária disse...

Faz-se o que se pode, blahblah, eu própria reflicto sempre que tenho oportunidade...

Bolotinha disse...

Concordo com tudo, menos dizer que o amor platónico medieval não deu origem a filhos indesejáveis... é que o platónico, às vezes, passava a calinte... Só havia uma vantagem, não havia testes de paternidade e só era complicado quando o filho era mesmo a cara do pagem ou do cavaleiro do senhor... Ou seja, bolas para as modernas técnicas de controlo de paternidade.
E pensa bem... será que também não compartimentalizamos os homesn?!!...