Tirando todo o assunto das mulheres não terem personalidade legal no casamento (ou fora dele), os cuidados de saúde serem bárbaros e não haver televisão por cabo, até não me importava de viver na época vitoriana. É que, pelo menos em certas coisas, a vida era muito mais fácil. E não estou só a falar das saias até aos pés que evitavam as sessões dolorosas e humilhantes na esteticista, os cremes anti-celulite e todo o assunto constrangedor das tangas fio dental. No século XIX, as mulheres podiam ter a idade que tinham, que não esperavam que tivessem, ou parecessem ter, menos.
Ao ler os grandes clássicos, de Balzac a Proust, as mulheres que encontramos são esplendorosas na sua idade e no seu peso. Era não só esperado, como desejado, que as mulheres fossem roliças, tivessem estrias e brancas, que fossem maduras. As balzaquianas foram, a meu ver, uma das grandes invenções do século. Lembro-me de ler no Teleny (um livro muito pouco recomendável do Oscar Wilde) um homem maravilhado com uma mulher, comparando a sua barriga, com finas estrias de ter filhos, aos veios do mármore precioso. O facto de as ter por ser mãe apenas lhe acrescentava o encanto de um corpo útil, belo na sua maturidade. A sociedade moderna acabou-nos com o privilégio de sermos nós mesmas, de envelhecer com naturalidade.
Num estudo que vi no National Geographic, foi pedido aos homens que avaliassem de 1 a 10 a beleza das companheiras, vissem um portefolio de modelos e depois classificassem as companheiras outra vez, a diferença entre uma pontuação e outra era brutal. Nenhuma mulher pode competir com o airbrush e os retoques, ou, simplesmente, com a frescura famélica de modelos que não têm ainda vinte anos. A bem dizer, nem aos vinte podemos, mas cada um é para o que nasce.
Como o que está na moda é a juventude quase pré-adolescente, perdemos o direito a envelhecer com tranquilidade. No mínimo dos mínimos temos de fazer esforço por travar a máquina do tempo. A Mãe Natal, em vez de uma velha gordinha com óculos e uns seios e barriga ampla, faria botox três vezes por ano, ginástica todos os dias e teria madeixas loiras distintas. Porque uma mulher não envelhece, enlourece. Podem dizer-me quantas mulheres nos quarenta e cinquenta conhecem que tenham brancas naturais? Se sim são poucas e provavelmente, pobres, sem os setenta ou oitenta euros que, em média, as madeixas custam.
Uma coisa é ser saudável, tratar de si, evitar osteoporose, doenças. Outra é ser empurrada a manter-se perpetuamente nos vinte. E sabem o mais triste? É que mesmo com este esforço todo, os homens mais velhos continuam a preferir as mulheres mais novas, a trocar, como dizem jocosamente, uma de quarenta por duas de vinte. Ou seja, o esforço foi para nada. E se nos der a nós para fazermos o mesmo somos umas taradas. Umas predadoras, na idade da loba.
Eu gosto de brancas, mas a verdade é que também gosto do meu corpo e sabe deus que é expansivo que chegue. Gosto da tranquilidade de gostar de mim como sou. O preço que pagamos por isso é que é bastante alto. Ou fazemos as madeixas, o exercício e a hidratação via chá verde, ou bem nos podemos sentar em cima do nosso confortável rabo balzaquiano porque ninguém vai reparar em nós. Gina Pietranera, Anna Karenina, Emma Bovary e Lady Chaterly passariam, hoje em dia, completamente despercebidas. Não é trágico saber que hoje em dia, à dama das camélias, em vez de oferecerem marrons glacés recomendavam depuralina? Parece que nos esquecemos que aos trinta, e depois deles, ainda se vive. E que cada idade tem (deve ter) os seus encantos.
3 comentários:
E, no entanto, as Emma Bovary há-as por aí aos montes. Gostei de aqui vir, e tenho a certeza de voltar. Visite também o meu staminé.
Obrigada, Henrique, assim o farei.
Talvez o erro também seja nosso... Afinal porque é que cedemos a pressões e insistimos em pensar tanto na estupidez se ela nos incomoda? Tenho trinta e cinco anos e uma boa parte dos meus complexos fui eu que os criei (auxiliada por outros que, estupidamente ouvi!)
Não seria boa ideia abrirmos os olhos para o que se passa dentro de nós, primeiro nos analisarmos e, muitas vezes, "analixarmos" e depois nos preocuparmos com o que a sociedade quer de nós. Primeiro seria mais importante decidirmos o que nós "nos queremos"... Isso já nos dá tanto trabalho, é que primeiro temos de nos despir de preconceitos, paradigmas e idiotices que nos incutiram e que nós fizemos questão de criar...
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