quarta-feira, agosto 29, 2007

O axioma Cyrano

Era uma vez um espadachim chamado Cyrano de Bergerac, um homem nobre, talentoso, tão bom com a espada como com a pena. Era um poeta notável, arguto e inteligente. Este homem magnífico tinha apenas um defeito, uma coisa insignificante: tinha um nariz gigantesco. Cyrano era apaixonado pela sua prima, a linda Roxanne, mas não tinha coragem de lhe dizer, ao passo que a linda Roxanne era apaixonada por Christian, um cadete que tinha tanto de bonito como, graças aos deuses, de burro. Então Cyrano, num acto com tanto de nobre como de masoquista, resolve ajudar Christian a conquistar Roxanne, que, inteligente e culta, não se deixava levar pela primeira carinha laroca que aparecesse. E o melhor é que resulta. As cartas inflamadas de amor de Cyrano para Roxanne via Christian conquistam-na, os diálogos ardentes de Christian e Roxanne com Cyrano escondido nos arbustos são absolutamente perfeitos como expressão do amor. Claro que tudo remata em tragédia e todos morrem no fim, mas a história de Cyrano serve para ilustrar perfeitamente um axioma da mente feminina: independentemente da beleza de quem as pronuncia nós, mulheres, somos conquistadas mais pelas palavras que pelo aspecto.
Os homens são criaturas visuais, sendo mais o aspecto que outra coisa que lhes prende a atenção. Eles são capazes de se apaixonar por um sorriso ou um belo par de pernas. Para nós mulheres, se bem que não prejudique um palminho de cara, um rabiosque giro ou uns abdominais definidos, estes elementos por si só não chegam para nos fazer apaixonar. Sim, é verdade que também somos acometidas por episódios de luxúria, não se enganem, mas não é um peito forte e espadaúdo que nos faz decidir que aquele é o homem da nossa vida. Nós precisamos de palavras.
Não sei se será por causa de uma coisa biológica (ao nível biológico nós precisamos que o nosso companheiro fique por perto a ajudar a criar as crianças durante os próximos vinte e tal anos), nós precisamos que nos garantam que sim senhor, que somos únicas e especiais e maravilhosas e que pretendem ficar connosco para todo sempre. É, seguramente também, por causa da cultura. Nós as mulheres não é suposto lançar-nos para rebolar no feno com o primeiro que apareça mas manter-nos puras até o verdadeiro amor aparecer (oh, a ironia). E a maneira de perceber se é o verdadeiro ou não é, simplesmente, ouvir o que tem para nos dizer e distinguir se aquilo é tanga para nos fazer atirar para o dito feno a rebolar ou se querem mesmo comprar-nos o anel e levar-nos à igreja ou ao registo civil ou whatever. E apesar desta abordagem ter séculos, a verdade é que ainda resiste e está cá para as curvas.
Actualmente, e já falei nisto no artigo acerca da música, as coisas têm vindo a mudar o que é assim mais ou menos bom. Uma geração tão profundamente visual como a geração Hi5 vai estar menos atenta ao que ouve que ao que vê, mulheres incluidas. Mas mesmo assim, uma boa conversa da banha da cobra vai sempre conseguir convencer-nos de que sim senhor, aquele é que é e mandar-nos de cabeça, e voluntariamente, para o buraco.
Sempre achei que o problema do Cyrano era só falta de autoconfiança e que tinha conseguido ganhar a Roxanne ao parvinho do Christian sem qualquer esforço. Se bem me lembro da peça, a única vez que Christian falou de seu livre pensamento sem o Cyrano de teleponto Roxanne quase foi às lágrimas de aborrecimento com a estupidez dele. Era como estar à espera de um banquete e sair canja, da de arroz e bem ralinha. E todas as mulheres razoavelmente cultas que conheço concordam com ela. Simplesmente não tem piada.
O axioma Cyrano é tão verdadeiro para nós quanto perigoso, deixa-nos extremamente vulneráveis. Olhem a Ofélia do Hamlet, que deixou que a retórica dele a levasse à loucura... Os nossos ouvidos são extremamente permeáveis às palavras certas, quer sejam honestas, quer não. E a maioria dos homens pode não ter neurónios para mais que papaguear, mas para conseguirem os seus propósitos conseguem papaguear as palavras certas. Assim, minhas caras, estão avisadas. Encarem isto como um aviso para reforçar as áreas em que têm fraquezas. Afinal as palavras bonitas podem vir tanto do vosso apaixonado Cyrano como de um Christian de cabeça vazia... Depois não digam que não foram avisadas.

sexta-feira, agosto 24, 2007

Eye Candy



Garret Hedlund (o único motivo que me levaria a ver o Georgia Rule sem bocejar, apreciem o género Brad Pitt em Thelma e Luise...)

Os homens deviam vir com etiqueta





Os homens costumam queixar-se que as mulheres deviam vir com instruções, e não deixam de ter razão. Comparativamente, somos muito mais complexas enquanto género que eles, muito menos previsíveis. Os homens, enquanto seres relativamente básicos que são, são muito mais previsíveis, têm todos mais ou menos os botões de ligar e desligar no mesmo sítio e, desde que lhe forneçamos as suas necessidades básicas (sexo, comida e mais sexo) são de fácil uso e de baixa manutenção. Enquanto a nossa complexidade de reacções exigiria um manual plurilingue de várias páginas em letra pequenina e um número de apoio, os homens precisariam apenas, no meu entender uma etiqueta de leitura rápida e símbolos universais, como a roupa.
Como já disse, e tirando uma excepção por outra que apenas confirma a regra, os homens são seres razoavelmente cognoscíveis. Dividem-se em meia-dúzia de géneros e as suas reacções são tão previsíveis e fiáveis como a cobrança do IRS aos funcionários públicos: quer chova, quer faça sol, são coisas que se mantêm geração após geração. A questão é que nós, mulheres, nunca os conseguimos pôr na categoria correcta logo numa primeira impressão, por causa da cegueira das hormonas. A Cegueira Extemporânea da Paixão Ordinária (CEPO) . Daí a expressão que o amor para além de cego, é estúpido que nem um CEPO. Isto é a forma ciêntifica de dizer que não vemos os defeitos da criatura nem com um telescópio à frente. Se este estado de cegueira é grave, é também, e felizmente, temporário. Claro que nessa altura já nós perdemos tempo e gastámos latim e já, também previsivelmente, nos lixámos. Pensem só na economia de tempo e chatices que seria a etiqueta informativa que nos dizia logo, de forma clara e inequívoca com o que poderiamos contar dessa peça? Era outra limpeza, não era?
Quando compramos uma peça com um teor de 80% de elastano, sabemos, logo e de fonte segura, que vai colar e mostrar todas as curvas que não deve. Se comprarmos seda pura sabemos logo que não se pode fazer nada a não ser mandar lavá-la a mosteiros tibetanos por monges budistas na fase certa da lua e rezar para não ficar com manchas. Se tiver o símbolo do não usar lexívia a única maneira de a usar é se quisermos fazer uma camisola psicadélica tie&dye. Digam lá se, aplicada aos homens não a teoria das etiquetas não dava jeito...
Imaginem que entram num bar e vêm um homem interessante. Uma espreitadela rápida à etiqueta, que seria qualquer coisa como isto:
e já esávamos mentalmente preparadas para a seca de conversa de duas horas sobre tunning, a genialidade de Kubrick (o cineasta de culto por excelência para homens melga) ou as madeixas que pôs. O mesmo era válido para os EMO, que teriam o símbolo frágil, ou os filhos da mãe, que teriam o Tóxico, manusear com cuidado. A sério, seria um mundo muito, mas muito mais civilizado que este onde vivemos. De longe.

segunda-feira, agosto 20, 2007

Feministas Eméritas

Bettie Page ( a rainha das pin-up)
"Sex is a part of love. You shouldn't go around doing it unless you are in love.."

Loiros

Estava eu outro dia a ler no mail praí a milionésima anedota de loiras quando uma ideia me assombrou (sim, que eu uma vez por outra tenho ideias) : porque razão há tantas anedotas sobre loiras burras e nenhuma sobre loiros burros? Claro que como feminista que sou podia ir pela via da piada fácil e dizer: porque homens são homens e o burro é pleonasmo, mas isso seria injusto (com piada, mas injusto). Porque motivo é que nós, mulheres, associamos as loiras com fraca inteligência e os loiros com cavalos brancos de príncipe encantado? Humm...Isto parece um caso para a Super Passionária...
Comecemos por analisar as raizes de todas as coisas: no ser humano as nossas acções podem ser causadas por três factores: cultural/histórico, biológico/genético ou psicológico/emocional. Assim, e aplicando o princípio científico, apliquemos estas três perspectivas sobre o problema em mãos. Comecemos pela história.
Va lá, admitamos: durante os últimos, não sei, três a cinco mil anos, a inteligência feminina foi assim a modos que menosprezado. As mulheres eram assim uma coisa entre o brinquedo sexual e o electrodoméstico paridor de filhos, mas isso não é novidade nenhuma para ninguém. Não eram só as loiras que eram consideradas burras, mas todas as mulheres no geral. A resposta tem de estar mais perto. Por exemplo, no século XIX, onde as loiras entraram na moda (eu já falei disto na Lilith), simbolizando a pureza e a espiritualidade. A verdade é que os românticos (no sentido do movimento literário, não do sentimento) não queriam mulheres inteligentes ou companheiras (se pensarmos nisso, a Joaninha do Viagens na minha terra é quase analfabeta) porque as mulheres são assim uma espécie de objecto giro onde se depositam os sentimentos, como um vaso. E , como um vaso, importa é o que está fora, não dentro. Não é difícil de perceber o backlash das mulheres da época contra estas loiras que estavam a receber toda a atenção, não é?Fazê-las passar por simplórias estúpidas podia ser extremamente satisfatório parece-me uma vingança requintada e cruelmente feminina. E, historicamente, as piadas das loiras são apenas um subcapítulo na cultura masculina que pensa que até o homem mais burro é mais esperto que a mulher mais inteligente (yeah, right), não havendo por isso motivos para os ridicularizar. Por outro lado, como a cor branca simboliza pureza e nobreza (nos homens) os príncipes e cavaleiros andantes são de pele e olhos claros. E a verdade é que, em cultura, as ideias dos símbolos tendem a permanecer, pelo que um loiro é mais visto como ideal que como estúpido. Esta explicação parece-me parte da resposta ao meu problema, mas não toda. Avancemos para os motivos biológicos.
Todos nós sabemos que nós, mulheres, estamos biologicamente condicionadas para umas respostas e não para outras. Por exemplo, como cabe a nós perpetuarmos a espécie e tratarmos da geração mais nova (tarefa para mais ou menos uns vinte e tal anos), a escolha de parceiro sexual é, necessariamente, uma tarefa morosa e complicada. Cabe a nós verificarmos que os nossos parceiros têm força e coragem para nos proteger dos elementos (e notem que estou a falar em termos biológicos, não a passar uma opinião). É importante serem inteligentes, mas não tanto como terem genes saudáveis e pujança física. Neste sentido, e por força da biologia, nós, mulheres, estamos mais predispostas a aceitar um bom provedor estúpido que um mau provedor esperto que nem um alho. Já os homens, com o seu ímpeto de propagar semente pensam mais em termo de quantidade que qualidade. Nesse sentido é fácil perceber porque vêm as mulheres como uma massa informe de material reprodutor em vez de seres individuais, inteligentes ou não. E aqui voltamos á objectificação que tanto se nota ao nível cultural.
Em termos emocionais, e para perceber a questão loiros/loiras, temos de somar a questão cultural com a biológica e acrescentar o bónus da personalidade individual. A soma dá aquilo que nós tantas vezes constatamos: não estamos preparadas enquanto género para avaliar o QI do amado se estivermos apaixonadas. É uma questão complexa, que começa logo na parte do prestadoras de serviços que, por biologia e cultura somos. Enquanto fornecedoras principais de cuidados primários (vulgo instinto maternal) não estamos preparadas para deixar de lado os mais fracos, sobretudo se esses são os objectos da nossa afeição. Ou seja, estamos muito mais dispostas a deixar passar uma certa limitação nos nossos mais-que-tudos se eles puderem satisfazer as nossas necessidades emocionais. Para além de, culturalmente, não sermos capazes de desafiar a esse ponto o estereótipo de superioridade masculina, os nossos critérios de selecção de parceiro são tão mais complexos que as considerações acerca da inteligência se perdem no nosso complicado sistema de compensações ( o mesmo que nos leva a aceitar um homem feio e de bom coração carinhoso e preterir um giro filho da mãe frio). No caso de percebermos friamente que o moçoilo é burro como uma placa de contraplacado, mas giro, podemos contemplar uma reboladela ou outra no feno, mas nunca como companheiro em termos de longa duração (pelo menos nenhuma mulher que eu conheça o faria). Já os homens não, pelo contrário, não só apreciam que sejamos burras, como fomentam a nossa burrice, incluindo com as anedotas de loiras. Senão pensem, se não gostassem de mulheres estúpidas, e as mais estúpidas de todas são suposto ser as loiras, porque raio as loiras deste mundo têm tanta saída?
Uma mulher burra é uma mais valia para um homem, são mais moldáveis e obedientes e mais facilmente impressionáveis. Já um homem burro é, simplesmente, uma dor de cabeça para uma mulher, que tem de traduzir tudo de português para estúpido sete vezes até perceber o que nos exaspera até às lágrimas. Daí haverem tantas piadas de loiras e nenhuma de loiros. Eles com gente estúpida podem bem, nós a última coisa que queremos é fomentar a burrice natural. Deus nos livre!

quarta-feira, agosto 15, 2007

Eye Candy



Luke Perry (todo crescido na sua série nova, Jeremiah)

Os meus Stilettos pele de cobra

Comprei uns stilettos de pele de cobra. Pronto, comprei sim senhor e estão comprados e são meus e não partilho, é para os meus jeans azuis escuros e o meu casaco castanho e são meus. Ufa, pronto, estou só a desabafar. Eu sei que pode parecer gabarolice gratuita, mas acreditem, para uma feminista de esquerda isto é um passo gigante. Eu explico.
Sim, isto de ser uma feminista de esquerda (apesar de me parecer teoricamente impossível ser uma feminista de direita, que essas querem é fazer bolos e olhar de forma adoradora para o maridinho, dono e senhor da casa) não é tão divertido como parece. A malta tem ideias. Muitas. E todas elas são incompatíveis com os meus stilettos novos. Se a malta acredita que a indústria de beleza é uma forma de escravizar a mulher (que é), embonecar-se com saltos altos que realçam as pernas para benifício alheio em vez de usar sapatos confortáveis e que façam bem à saúde é assim, no mínimo, uma contradição dos diabos. Isto sem sequer ir à parte de esquerda e ao meu desgosto crónico de, com o tempo, me ter transformado numa mini- Imelda Marcos e ter já nem sei quantos pares de sapatos (cinquenta, sessenta?). Se querem insónias tentem justificar a vocês próprias o porquê de serem umas porcas consumistas com sessenta pares de sapatos quando em mais de metade do mundo se anda descalço e passa fome e vão ver o que é bom para a tosse. E os meus motivos para me sentir mal com os meus stilettos estão ainda no princípio.
Quando era pequena, como todas as miúdas da nossa geração, o modelo de sapatos era um e só um. Variavam de cor, mas dos sapatinhos de fivela não me safei. Tinha uns pretos e uns azuis escuros para o Inverno, uns brancos e uns beige para o verão. A minha família era conservadora por isso eles eram qualquer coisa como isto:

Nessa altura babava com a ideia de poder usar uns sapatos altos como a minha mãe (de facto cheguei a andar lá por casa com alguns dos dela estragando-os, lol, e assim enfrentando a ira materna). Claro que depois cresci (não, a sério, cresci mesmo, tenho 1,75), comecei a ser politicamente activa e os sapatos de salto ficaram um bocado de lado. Durante os meus tempos de faculdade, só tinha dois ou três pares de sapatos, e eram assim:


Entre não parecer o farol da Barra, os meus ideais feministas e os meus namorados não muito altos, a verdade é que não precisava de saltos. Andei quase os meus vinte todos a pensar assim. Então porquê, em nome de todos os santinhos, um par de stilettos de pele de cobra me entusiasmam tanto?
Os seres humanos não são perfeitos, e eu muito menos. Acho que a par dos ideais de esquerda e do feminismo é preciso um prazer culpado e dacadente para me tornar humana e me confortar. Acreditem, o feminismo não é um posicionamento fácil ou confortável face à vida. E depois, quando chegamos aos trinta, pomos de lado muitas coisas que tinhamos como certas ou seguras. Não sei vocês, mas a mim, desde que entrei nos trinta, que me apetece fazer exactamente aquilo que me apetece. Afinal não devo explicações a ninguém, seja por estar solteira e independente, seja porque comprei, e com todas as intenções de usar, uns stiletto pele de cobra (falsa, atenção, que sou uma rapariga ecológica) em cima dos meus 175 cm e os incomodados que se retirem, lol. A liberdade deve ser uma coisa parecida com isto.
De modos que comprei uns stiletto pele de cobra excêntricos como eu para usar com os meus jeans e o meu casaco castanho, talvez uma T-shirt beige por baixo, um colar simples, mala castanha grande. São lindos, não são? E sao meus.

quinta-feira, agosto 09, 2007

Deusas, musas e heroinas avulsas


Lilith
Se acham que as mulheres tiveram uma fama desgraçada por causa do papel que foi dado a Eva no Antigo Testamento, então ainda não ouviram falar de Lilith, a primeira mulher de Adão. Na tradição judaica, deus criou não uma, mas duas mulheres para Adão, sendo a primeira Lilith. E Lilith, minhas queridas, era uma mulher e tanto. A verdade é que há alguma dúvida em relação a ela, podendo aparecer como uma espécie de deusa, ou de demónio, dotada de uma sensualidade perturbante e de uma malícia que deixava o pobre Adão à nora. Como era, basicamente, mais esperta e maliciosa (e certamente mais sexual) que Adão este queixou-se a deus que a castigou e a mandou para o lado sombrio da Lua. Aparentemente, uma parvinha crédula como Eva era preferível a uma espertalhona liberal como Lilith, mesmo aos olhinhos do criador. E assim começou uma campanha milenar contra mulheres independentes e liberadas, sobretudo se sexualmente liberadas.
Se quisermos ser puristas acerca disto podemos ainda dizer que Lilith, ou outra forma de mulheres nocivas apareceram basicamente em todas as culturas. Nas culturas da Mesopotâmia Lilith era uma deusa da noite, estéril e portadora da morte e da doença. Outras formas de monstros apareceram como incubos ou demónias que arrastavam os homens para a morte sugando-lhes toda a energia vital através do sexo (coitadinhos, que forma horrível de morrer, lol).
Mesmo em culturas um pouquinho mais avançadas civilizacionalmente, como os gregos e romanos, também a figura de mulheres liberadas e independentes aparece, e sempre de forma bastante desfavorável, senão lembrem-se da fama terrível das amazonas, que caçavam os pobres homens para procriar e quando acabavam os matavam e devoravam, ou da má fama que a colónia feminina de artistas na ilha de Lesbos tem até hoje ( e não, não se conseguiu provar até hoje que todos os membros dessa colónia fossem homossexuais, se nem o conseguem provar a respeito de Safo!).
Há qualquer coisa de perturbador para a cultura predominantemente masculina acerca de mulheres que vivam sem a protecção de um homem, que não tenham filhos ou que possuam sabedoria, uma vez que estas mulheres foram sistematicamente perseguidas através da história. E isto abarcou praticamente todas as civilizações ocidentais e muitas orientais. Na idade média aas mulheres que viviam sozinhas ou eram curandeiras arriscavam-se a ir parar à fogueira por serem bruxas, as que tinham apetite sexual maior que o consideraro normal arriscavam-se a dolorosos rituais de exorcismo porque estavam possuídas. Mesmo no fim da época das trevas, mesmo no sec. XIX as mulheres eram seres potencialmente fatais, perigosos, portadoras de doenças terríveis que apanhavam os homens (a sífilis, por exemplo, letal nessa altura, ou a tuberculose). E isto sem falar no tratamento das mulheres no islão, ou na cultura chinesa, em que lhes partiam os pés para não poderem fugir dos seus amos e senhores, deformando-os até serem cotos informes.
Como a força das mulheres, sobretudo a força sexual das mulheres pareceu sempre uma coisa ameaçadora, uma busca de pureza nas mulheres tornou-se uma obssessão cultural. As mulheres deveriam permanecer castas e virgens até ao casamento e fiéis e isoladas depois. No século XIX isso até se reflectiu na concepção de beleza, passando a estar na moda as loiras (frias por tradição, ou seja, com menos apetite sexual que as fogosas morenas) magras (sem curvas que, supostamente, revelavam voluptuosidade) e espirituais (outra palavra para burras na época). Eram também suposto manter-se afastadas de todo e qualquer tipo de conhecimento, a não ser o estritamente necessário para criar filhos saudáveis.
Só nos século XX e já a meio dele é que as mulheres puderam começar a saír deste molde de mulheres subjugadas, e mesmo assim não completamente, mesmo assim, nem todas. Se acham que o medo milenar de Lilith não continua, pensem só no tratamento cultural dado às mulheres que vivem sozinhas, que são "demasiado" intelectuais ou que são liberadas sexualmente. Podem dizer que não senhor, que é tudo igual, mas continua a permanecer uma verdade imutável que uma mulher não pode ter o mesmo número de parceiros sexuais que um homem sobre o risco de ter fama de flausina.
A ironia disto tudo é que, sem muito esforço, toda uma nova geração de Liliths surge. Talvez não nos Estados Unidos, onde são bastante conservadores, mas na Europa sim, onde cada vez mais mulheres entram nas universidades (neste momento a percentagem de mulheres nas universidades é muito superior à de homens, mesmo cá em Portugal), cada vez casam menos e mais tarde e cada vez são mais livres e liberais em selação ao sexo e ao número de parceiros. Os homens podem protestar e tremer, mas a verdade é que Lilith está a sair das sombras e vencer o esterótipo da parvinha da Eva. E se querem que lhes diga, ainda bem.