quinta-feira, agosto 09, 2007

Deusas, musas e heroinas avulsas


Lilith
Se acham que as mulheres tiveram uma fama desgraçada por causa do papel que foi dado a Eva no Antigo Testamento, então ainda não ouviram falar de Lilith, a primeira mulher de Adão. Na tradição judaica, deus criou não uma, mas duas mulheres para Adão, sendo a primeira Lilith. E Lilith, minhas queridas, era uma mulher e tanto. A verdade é que há alguma dúvida em relação a ela, podendo aparecer como uma espécie de deusa, ou de demónio, dotada de uma sensualidade perturbante e de uma malícia que deixava o pobre Adão à nora. Como era, basicamente, mais esperta e maliciosa (e certamente mais sexual) que Adão este queixou-se a deus que a castigou e a mandou para o lado sombrio da Lua. Aparentemente, uma parvinha crédula como Eva era preferível a uma espertalhona liberal como Lilith, mesmo aos olhinhos do criador. E assim começou uma campanha milenar contra mulheres independentes e liberadas, sobretudo se sexualmente liberadas.
Se quisermos ser puristas acerca disto podemos ainda dizer que Lilith, ou outra forma de mulheres nocivas apareceram basicamente em todas as culturas. Nas culturas da Mesopotâmia Lilith era uma deusa da noite, estéril e portadora da morte e da doença. Outras formas de monstros apareceram como incubos ou demónias que arrastavam os homens para a morte sugando-lhes toda a energia vital através do sexo (coitadinhos, que forma horrível de morrer, lol).
Mesmo em culturas um pouquinho mais avançadas civilizacionalmente, como os gregos e romanos, também a figura de mulheres liberadas e independentes aparece, e sempre de forma bastante desfavorável, senão lembrem-se da fama terrível das amazonas, que caçavam os pobres homens para procriar e quando acabavam os matavam e devoravam, ou da má fama que a colónia feminina de artistas na ilha de Lesbos tem até hoje ( e não, não se conseguiu provar até hoje que todos os membros dessa colónia fossem homossexuais, se nem o conseguem provar a respeito de Safo!).
Há qualquer coisa de perturbador para a cultura predominantemente masculina acerca de mulheres que vivam sem a protecção de um homem, que não tenham filhos ou que possuam sabedoria, uma vez que estas mulheres foram sistematicamente perseguidas através da história. E isto abarcou praticamente todas as civilizações ocidentais e muitas orientais. Na idade média aas mulheres que viviam sozinhas ou eram curandeiras arriscavam-se a ir parar à fogueira por serem bruxas, as que tinham apetite sexual maior que o consideraro normal arriscavam-se a dolorosos rituais de exorcismo porque estavam possuídas. Mesmo no fim da época das trevas, mesmo no sec. XIX as mulheres eram seres potencialmente fatais, perigosos, portadoras de doenças terríveis que apanhavam os homens (a sífilis, por exemplo, letal nessa altura, ou a tuberculose). E isto sem falar no tratamento das mulheres no islão, ou na cultura chinesa, em que lhes partiam os pés para não poderem fugir dos seus amos e senhores, deformando-os até serem cotos informes.
Como a força das mulheres, sobretudo a força sexual das mulheres pareceu sempre uma coisa ameaçadora, uma busca de pureza nas mulheres tornou-se uma obssessão cultural. As mulheres deveriam permanecer castas e virgens até ao casamento e fiéis e isoladas depois. No século XIX isso até se reflectiu na concepção de beleza, passando a estar na moda as loiras (frias por tradição, ou seja, com menos apetite sexual que as fogosas morenas) magras (sem curvas que, supostamente, revelavam voluptuosidade) e espirituais (outra palavra para burras na época). Eram também suposto manter-se afastadas de todo e qualquer tipo de conhecimento, a não ser o estritamente necessário para criar filhos saudáveis.
Só nos século XX e já a meio dele é que as mulheres puderam começar a saír deste molde de mulheres subjugadas, e mesmo assim não completamente, mesmo assim, nem todas. Se acham que o medo milenar de Lilith não continua, pensem só no tratamento cultural dado às mulheres que vivem sozinhas, que são "demasiado" intelectuais ou que são liberadas sexualmente. Podem dizer que não senhor, que é tudo igual, mas continua a permanecer uma verdade imutável que uma mulher não pode ter o mesmo número de parceiros sexuais que um homem sobre o risco de ter fama de flausina.
A ironia disto tudo é que, sem muito esforço, toda uma nova geração de Liliths surge. Talvez não nos Estados Unidos, onde são bastante conservadores, mas na Europa sim, onde cada vez mais mulheres entram nas universidades (neste momento a percentagem de mulheres nas universidades é muito superior à de homens, mesmo cá em Portugal), cada vez casam menos e mais tarde e cada vez são mais livres e liberais em selação ao sexo e ao número de parceiros. Os homens podem protestar e tremer, mas a verdade é que Lilith está a sair das sombras e vencer o esterótipo da parvinha da Eva. E se querem que lhes diga, ainda bem.

6 comentários:

bruxinha disse...

Apoiada!!
Ainda bem!!

PS - tenho mesmo de ir procurar este capítulo na minha Bíblia... não me lembro de ouvir falar da Lilith nas muitas missas a que assisti, nem na catequese, nem nas aulas de Religião e Moral. Pois claro, se eram de "moral" não se podia falar destas "imoralidades"... ;-P

Passionária disse...

Nem vais encontrar,lol. O episódio de Lilith faz parte, como o do Golem, da tradição cultural judaica, uma espécie de lenda, e aparece apenas mencionado num dos manuscritos apócrifos...

elisa disse...

Definitivamente, antes Lilith que Eva:)
Beijinhos

Unknown disse...

Sabes bem que a sociedade ainda prefere Evas do que Lilith. Algumas mulheres sabem que se forem uma Eva, 'tadinha, muito fraquinha, com muita "pedinchince", podem ter beneficios e muita gente tem pena dela porque tem muito trabalho, blablabla. As outras que tentam não chatear ninguém com "dores na unha" não são muito levadas a sério quando por vezes precisam de mimo ou de falar com alguém sem levar com um "nem pareces tu, tão em baixo".
uma frota do costume,
Cris e Gui

Unknown disse...

olá

calar a mulher e a sua força foi sempre a tarefa principal do homem e da sociedade. tudo isto começa algures no tempo.... felizmente k se começa a kerer combater essa mentalidade. no entanto, ainda falta mto.... mto mesmo, pork na essência a parvinha da Eva é a "boa".
maria

Passionária disse...

Sim e nós sabemos o que acontece às "más" meninas: vão para todo lado, mas acabam sozinhas, na fogueira...