segunda-feira, agosto 20, 2007

Loiros

Estava eu outro dia a ler no mail praí a milionésima anedota de loiras quando uma ideia me assombrou (sim, que eu uma vez por outra tenho ideias) : porque razão há tantas anedotas sobre loiras burras e nenhuma sobre loiros burros? Claro que como feminista que sou podia ir pela via da piada fácil e dizer: porque homens são homens e o burro é pleonasmo, mas isso seria injusto (com piada, mas injusto). Porque motivo é que nós, mulheres, associamos as loiras com fraca inteligência e os loiros com cavalos brancos de príncipe encantado? Humm...Isto parece um caso para a Super Passionária...
Comecemos por analisar as raizes de todas as coisas: no ser humano as nossas acções podem ser causadas por três factores: cultural/histórico, biológico/genético ou psicológico/emocional. Assim, e aplicando o princípio científico, apliquemos estas três perspectivas sobre o problema em mãos. Comecemos pela história.
Va lá, admitamos: durante os últimos, não sei, três a cinco mil anos, a inteligência feminina foi assim a modos que menosprezado. As mulheres eram assim uma coisa entre o brinquedo sexual e o electrodoméstico paridor de filhos, mas isso não é novidade nenhuma para ninguém. Não eram só as loiras que eram consideradas burras, mas todas as mulheres no geral. A resposta tem de estar mais perto. Por exemplo, no século XIX, onde as loiras entraram na moda (eu já falei disto na Lilith), simbolizando a pureza e a espiritualidade. A verdade é que os românticos (no sentido do movimento literário, não do sentimento) não queriam mulheres inteligentes ou companheiras (se pensarmos nisso, a Joaninha do Viagens na minha terra é quase analfabeta) porque as mulheres são assim uma espécie de objecto giro onde se depositam os sentimentos, como um vaso. E , como um vaso, importa é o que está fora, não dentro. Não é difícil de perceber o backlash das mulheres da época contra estas loiras que estavam a receber toda a atenção, não é?Fazê-las passar por simplórias estúpidas podia ser extremamente satisfatório parece-me uma vingança requintada e cruelmente feminina. E, historicamente, as piadas das loiras são apenas um subcapítulo na cultura masculina que pensa que até o homem mais burro é mais esperto que a mulher mais inteligente (yeah, right), não havendo por isso motivos para os ridicularizar. Por outro lado, como a cor branca simboliza pureza e nobreza (nos homens) os príncipes e cavaleiros andantes são de pele e olhos claros. E a verdade é que, em cultura, as ideias dos símbolos tendem a permanecer, pelo que um loiro é mais visto como ideal que como estúpido. Esta explicação parece-me parte da resposta ao meu problema, mas não toda. Avancemos para os motivos biológicos.
Todos nós sabemos que nós, mulheres, estamos biologicamente condicionadas para umas respostas e não para outras. Por exemplo, como cabe a nós perpetuarmos a espécie e tratarmos da geração mais nova (tarefa para mais ou menos uns vinte e tal anos), a escolha de parceiro sexual é, necessariamente, uma tarefa morosa e complicada. Cabe a nós verificarmos que os nossos parceiros têm força e coragem para nos proteger dos elementos (e notem que estou a falar em termos biológicos, não a passar uma opinião). É importante serem inteligentes, mas não tanto como terem genes saudáveis e pujança física. Neste sentido, e por força da biologia, nós, mulheres, estamos mais predispostas a aceitar um bom provedor estúpido que um mau provedor esperto que nem um alho. Já os homens, com o seu ímpeto de propagar semente pensam mais em termo de quantidade que qualidade. Nesse sentido é fácil perceber porque vêm as mulheres como uma massa informe de material reprodutor em vez de seres individuais, inteligentes ou não. E aqui voltamos á objectificação que tanto se nota ao nível cultural.
Em termos emocionais, e para perceber a questão loiros/loiras, temos de somar a questão cultural com a biológica e acrescentar o bónus da personalidade individual. A soma dá aquilo que nós tantas vezes constatamos: não estamos preparadas enquanto género para avaliar o QI do amado se estivermos apaixonadas. É uma questão complexa, que começa logo na parte do prestadoras de serviços que, por biologia e cultura somos. Enquanto fornecedoras principais de cuidados primários (vulgo instinto maternal) não estamos preparadas para deixar de lado os mais fracos, sobretudo se esses são os objectos da nossa afeição. Ou seja, estamos muito mais dispostas a deixar passar uma certa limitação nos nossos mais-que-tudos se eles puderem satisfazer as nossas necessidades emocionais. Para além de, culturalmente, não sermos capazes de desafiar a esse ponto o estereótipo de superioridade masculina, os nossos critérios de selecção de parceiro são tão mais complexos que as considerações acerca da inteligência se perdem no nosso complicado sistema de compensações ( o mesmo que nos leva a aceitar um homem feio e de bom coração carinhoso e preterir um giro filho da mãe frio). No caso de percebermos friamente que o moçoilo é burro como uma placa de contraplacado, mas giro, podemos contemplar uma reboladela ou outra no feno, mas nunca como companheiro em termos de longa duração (pelo menos nenhuma mulher que eu conheça o faria). Já os homens não, pelo contrário, não só apreciam que sejamos burras, como fomentam a nossa burrice, incluindo com as anedotas de loiras. Senão pensem, se não gostassem de mulheres estúpidas, e as mais estúpidas de todas são suposto ser as loiras, porque raio as loiras deste mundo têm tanta saída?
Uma mulher burra é uma mais valia para um homem, são mais moldáveis e obedientes e mais facilmente impressionáveis. Já um homem burro é, simplesmente, uma dor de cabeça para uma mulher, que tem de traduzir tudo de português para estúpido sete vezes até perceber o que nos exaspera até às lágrimas. Daí haverem tantas piadas de loiras e nenhuma de loiros. Eles com gente estúpida podem bem, nós a última coisa que queremos é fomentar a burrice natural. Deus nos livre!

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