quinta-feira, novembro 29, 2007

O baixar dos padrões e a cultura tóxica

Quando o Cupido, esse sacaninha ordinário, não anda a fazer das dele e a fazer-nos apaixonar por criaturas totalmente inadequadas, temos mais ou menos uma ideia clara do tipo de homem que queremos num homem. Mais ou menos detalhada, dependendo dos casos, todas as mulheres têm ideia daquele que será o homem ideal. O senhor certo, o Mr Perfect, o Darcy para a nossa Elizabeth, o Romeu para a nossa Julieta, o Heathcliff para a nossa Cathy.
Algumas de nós têm ideias bastante detalhadas de tipos físicos e interesses específicos, outras apenas traços gerais que se prendem com princípios morais e ideológicos, mas todas temos um limite de exigências e expectativas, a linha que traçamos entre o Sr Certo, os Srs Serve por agora e os Srs. É que nem te passa pela cabeça. Coisa que, aliás, os homens também fazem. Claro que os padrões deles, apesar de altos, são relativamente compreensíveis e mais ou menos standard, prendendo-se, no geral, com noções de beleza física e docilidade mental (apesar de, como já repeti aqui até à exaustão, se a beleza for suficiente, a docilidade, inteligência ou meiguice são negociáveis). Os nossos padrões de exigência costumam ser mais complexos e muitíssimo mais pessoais. Enquanto a maioria dos homens teriam dificuldade em rejeitar uma modelo pós-adolescente como possível mulher ideal, o equivalente masculino teria sérias dificuldades em ser visto como mais que um belo bife de carne estúpida. Até o deus dourado surfista teria, para além do seu bom ar, responder afirmativamente a uma série de questões mentais como por exemplo, se gosta de crianças, se tem uma natureza séria e fiel ou se está pronto para um compromisso sério até ser visto como potencial Sr. Certo.
O motivo para os nossos padrões elevados na escolha de companheiro é tanto biológica como cultural. Biológica porque cabe ao nosso sexo encontrar um parceiro que nos dê garantias de permanência no lar. Porque quem pagou a factura da nossa inteligência enquanto espécie foram as mulheres. Senão pensem: no reino animal não há grandes diferenças entre os sexos e as fêmeas têm praticamente o mesmo comportamento que os machos. As crias nascem já com os seus comportamentos codificados geneticamente e o tempo que estão dependentes das mães é mínimo. Mesmo no caso dos mamíferos, em raros casos demoram as crias mais que um ou dois anos a ser auto-suficientes o suficiente para já não precisarem dos progenitores. Já nós, não só produzimos bebés extremamente frágeis, como trazem muito poucos comportamentos, praticamente nenhuns, codificados geneticamente. Temos uns quê, dezoito anos bem contados, às vezes mais até termos adultos independentes e auto-suficientes. E se bem que muito do trabalho cabe à mãe, convém ter por perto um homem que nos ajuda na tarefa dantesca de educar uma ou várias crianças. Se os homens, biologicamente, funcionam a curto prazo, procurando fêmeas fortes e férteis para propagar a espécie, as mulheres funcionam a longo prazo: o companheiro é para durar. Depois é também cultural, no sentido em que somos educadas a esperar (exigir) uma série de características nos homens.
A nossa cultura bombardeia as mulheres com aquilo que é desejável num homem, e estas características estão presentes em todo o lado: na literatura, no cinema, na cultura oral, na música... O homem ideal, como qualquer livro da Nora Roberts lhes dirá, ou qualquer canção do Bryan Adams vos suspirará é uma espécie de quadratura do círculo - masculino sem ser machista, protector sem ser paternalista e dominador, sensível sem ser mole e mariquinhas, apaixonado sem ser obsceno e viril sem sentir a necessidade de ser infiel. É como a papa do bebé urso que a Cachinhos de ouro encontra na casa da floresta: nem muito quente, nem muito fria, simplesmente no ponto certo.
Claro que nós, mulheres, temo uma ideia muito clara que a papa perfeita do bebé urso é ficcional. Aliás, nutrimos uma séria desconfiança para com aquilo que parece bom demais para ser verdade. Não sendo nós perfeitas esperamos, às vezes até agradecemos, uns quantos defeitos para quebrar a monotonia da perfeição. A questão é, até que ponto estamos dispostas a baixar os padrões de exigência daquilo que esperamos num homem para encontrarmos um homem?
O equilíbrio entre o que esperamos e o que, realisticamente, podemos encontrar é delicado e, nem sempre fácil. E a cultura ocidental nisso é completamente tóxica. Bombardeia-nos com homens tão perfeitos e quimicamente puros que, para existirem na vida real só se de encomenda. Por outro lado, os homens reais são tão exasperantes que não perdiam nada em tomar umas notas do que fazem os homens nas comédias românticas que nós devoramos, ou no que dizem as canções do supracitado Bryan Adams para melhorar um bocado.
Depois, para agravar a questão, há ainda o prazo limitado que temos para encontrar o dito Sr. Certo. Aí a biologia é, como sempre, madrasta para nós. O tempo fértil para nós é limitado e é um facto sabido que, quanto mais o alarme do nosso relógio biológico dispara, fazendo-nos saber que começa a ser tarde para ter filhos, mais nós baixamos os nossos padrões de exigência para com os homens. Aquele que seria um Sr. Serve por agora passa a ser um Sr. Dá para o gasto, e até muitos Srs. É que nem te passa pela cabeça passam a potenciais Srs. É capaz que sirva ou até mesmo Srs. Para quem é, bacalhau basta.
Quando chegamos aos trinta, a pressão é quase insuportável: a sociedade quer que, tal como toda a gente funcionemos aos casalinhos de arca de Noé, amigos e parentes começam a apresentar-nos Srs. Vamos lá ver se deixas de ser esquisita e o nosso próprio organismo apita a sirene do vê lá se te despachas que eu estou para aqui a matar óvulos. Muitas de nós deixam cair os padrões com a mesma velocidade com que os bombardeiros deixam cair bombas: à velocidade de cruzeiro.
Num dos meus filmes preferidos, Singles, a personagem da Bridget Fonda diz uma coisa interessante: tinha deixado cair tanto os padrões de exigência que já só queria um homem que lhe dissesse santinha quando espirrasse. E quando fez o teste ao homem da vida dela, reparem nos resultados espectaculares:
"Janet Livermore: [fakes a sneeze to get Cliff to say,"Bless you."]
Cliff Poncier: [Watching nature show on bees, has no response]
Janet Livermore: [fakes a louder sneeze]
Cliff Poncier: [indifferently hands her a box of tissues] Hey, Babe? Don't get me sick. I'm playin' this weekend. "
Será este o resultado de baixar as expectativas? Teremos de levar com coisas neste género o resto da vida só porque temos trinta? Não, mil vezes não. Se bem que o Mr Darcy é de ficção e pertence à Elizabeth Bennet, isso não significa que aceitemos o primeiro que apareça que
a) respire
b) seja do sexo masculino
c) demonstre um interesse marginal em nós.Sejamos como sejamos, tenhamos a idade que tenhamos, correspondamos ou não ao padrão ideal de beleza/peso/altura/idade/graciosidade feminina, merecemos mais que isto. Todas.

4 comentários:

Patricia Almeida Alves disse...

Amiga, depois de ter visto a "Ultima Legião", digo-te Mr. Darcy qual quê... Aurelius volta estás perdoado!!!
Bjs

elisa disse...

Pois não devia ser assim...
Mais où sont les hommes?

Anónimo disse...

Isso, Elisa, pergunto-me eu. Claro que cheguei à conclusão, há algum tempo já, que antes só, que mal acompanhada. O mundo não tem de funcionar aos pares, como a arca de Noé.

Penelope: também vi, mas desculpa, Mr Darcy é Mr Darcy, não há nada que chegue áquela cena da camisa molhada, nem vê-lo de mini-saia de cabedal...

passionaria

Anónimo disse...

com ou sem camisa molhada... mr Darcy é sempre mr. Darcy... vai de todo o jeito... darling...
bjs gaja