terça-feira, novembro 13, 2007

Deusas, musas e heroinas avulsas



Ofélia e o leite derramado
Podem-me vir com as teorias psicológicas que quiserem, podem até estar certos, mas raios me partam se o Hamlet não era um sacaninha indeciso passivo-agressivo. Não quero saber se a mamã não lhe deu colo o suficiente em pequenino, mas a verdade é que a forma como tratou Ofélia, como reagiu a Ofélia é exactamente a maneira como muito passivo-agressivo desta vida. E,mais uma vez, ela é que sofreu.
Basicamente, Hamlet era o vosso príncipe renascentista médio, espadachim, culto, inteligente que vê o papá morto a exigir vingança, porque a mãe tinha casado com o tio, com quem, pelos vistos, mantinha um affair há um certo tempo e com quem conspirou a morte do venerando esposo. E, logo aqui, começa o passivo-agressivo do rapaz. Foi ao tio perguntar coisas, ou à mãe? Não. Como gajo que é gajo sacou dos punhos/espada whatever para lutar? Não. Pôs-se a fazer de doido e a recitar monólogos sobre suicídio e fugacidade da vida e a encenar teatro amador. Uma vingança e peras, certo? Ya. Mas, por entre isto tudo, conseguiu ainda dar com a namorada Ofélia em doida, ora no chega pr'a cá, ora no deslarga-me e vai para um convento que as mulheres são todas umas falsas e não digas que me amas que és uma mentirosa. É ou não é de passivo-agressivo? E o mais giro é que quando ela morre acidentalmente (?) afogada, vai ao cemitério chorar baba e ranho que aquela sim, era a mulher da vida dele. Ya. O que vale é que meia dúzia de cenas se mata e nos acaba de vez com a dúvida de ser ou não ser. Mas, de qualquer maneira, é Ofélia o tema da análise, vamos a ela.
Ao longo dos séculos, Ofélia tem-nos sido apontada como o epítome da heroína trágica que leva o amor até ao extremo. Entra assim no clube da Julieta, da Lady de Shalott e da Madame Butterfly, que é o Clube das Mulheres que Fazem Coisas Parvas Por Causa de Gajos (CMFCPPCG). Porque parece que as heroínas, para serem heroínas têm de fazer estas coisas tão prejudiciais à saúde. É como se sobreviver ao amor nos tornasse menos femininas, ou menos trágicas. Como se doesse menos. As mulheres que se vingam só aparecem nas tragédias clássicas, uma Medeia, por exemplo, que, de qualquer maneira, acaba morta no fim só por causa das cócegas. A partir daí pimba, é tudo morto.
Ofélia é o exemplo último da arrogância masculina no que diz respeito ao amor: não te quero para nada, mas se não tens a decência de, pelo menos, dares em doida, nem és mulher, nem és nada (e lembrei-me agora da Joaninha das Viagens na minha terra, nem me façam COMEÇAR esse assunto) . De passivo-agressivo, digo-vos. E aí, quando a desgraçadita fez um disparate e está perdida para sempre, pimba, aí é que já serve. Pudera, já está fora do alcance, não tem de a aturar. É o choro hipócrita de quem derramou o leite de propósito, e depois aiaminhabida.
A verdade é que se sobrevive ao amor. Mas não há nenhuma heroína louvada e celebrada por isso, as sobreviventes, as que colaram os cacos e seguiram em frente são culpadas de, no mínimo, uma falta de romantismo atroz. O espírito prático não vende bilhetes de teatro nem frisos de ópera. Ou sim, esperem, há a Scarlett O'Hara e o seu amanhã é outro dia, na antítese da Ofélia. Vá lá, nem tudo está perdido nos mitos culturais ocidentais. No que me diz respeito, acho que já chega de Ofélias.

4 comentários:

linfoma_a-escrota disse...

curti cunhecer os teus blogues, e este texto tb tá lá!! és fixeeeeeee lol, vais receber um toke, receberás?!







www.motoratasdemarte.blogspot.com

Passionária disse...

Se for o toque do rise up ou kizomba ou coisas assim, não te incomodes, gosto que o meu telemóvel toque como um telemóvel normal, não com musicas parvinhas de gente que não tem mais nada que fazer à vida. Mas obrigada pela visita (acho).

Lilly disse...

Concordo em todos os aspectos: chega de Ofélias!

Patricia Almeida Alves disse...

Também excluis a Ofélia de Pessoa?
bjs