Era uma vez um espadachim chamado Cyrano de Bergerac, um homem nobre, talentoso, tão bom com a espada como com a pena. Era um poeta notável, arguto e inteligente. Este homem magnífico tinha apenas um defeito, uma coisa insignificante: tinha um nariz gigantesco. Cyrano era apaixonado pela sua prima, a linda Roxanne, mas não tinha coragem de lhe dizer, ao passo que a linda Roxanne era apaixonada por Christian, um cadete que tinha tanto de bonito como, graças aos deuses, de burro. Então Cyrano, num acto com tanto de nobre como de masoquista, resolve ajudar Christian a conquistar Roxanne, que, inteligente e culta, não se deixava levar pela primeira carinha laroca que aparecesse. E o melhor é que resulta. As cartas inflamadas de amor de Cyrano para Roxanne via Christian conquistam-na, os diálogos ardentes de Christian e Roxanne com Cyrano escondido nos arbustos são absolutamente perfeitos como expressão do amor. Claro que tudo remata em tragédia e todos morrem no fim, mas a história de Cyrano serve para ilustrar perfeitamente um axioma da mente feminina: independentemente da beleza de quem as pronuncia nós, mulheres, somos conquistadas mais pelas palavras que pelo aspecto.
Os homens são criaturas visuais, sendo mais o aspecto que outra coisa que lhes prende a atenção. Eles são capazes de se apaixonar por um sorriso ou um belo par de pernas. Para nós mulheres, se bem que não prejudique um palminho de cara, um rabiosque giro ou uns abdominais definidos, estes elementos por si só não chegam para nos fazer apaixonar. Sim, é verdade que também somos acometidas por episódios de luxúria, não se enganem, mas não é um peito forte e espadaúdo que nos faz decidir que aquele é o homem da nossa vida. Nós precisamos de palavras.
Não sei se será por causa de uma coisa biológica (ao nível biológico nós precisamos que o nosso companheiro fique por perto a ajudar a criar as crianças durante os próximos vinte e tal anos), nós precisamos que nos garantam que sim senhor, que somos únicas e especiais e maravilhosas e que pretendem ficar connosco para todo sempre. É, seguramente também, por causa da cultura. Nós as mulheres não é suposto lançar-nos para rebolar no feno com o primeiro que apareça mas manter-nos puras até o verdadeiro amor aparecer (oh, a ironia). E a maneira de perceber se é o verdadeiro ou não é, simplesmente, ouvir o que tem para nos dizer e distinguir se aquilo é tanga para nos fazer atirar para o dito feno a rebolar ou se querem mesmo comprar-nos o anel e levar-nos à igreja ou ao registo civil ou whatever. E apesar desta abordagem ter séculos, a verdade é que ainda resiste e está cá para as curvas.
Actualmente, e já falei nisto no artigo acerca da música, as coisas têm vindo a mudar o que é assim mais ou menos bom. Uma geração tão profundamente visual como a geração Hi5 vai estar menos atenta ao que ouve que ao que vê, mulheres incluidas. Mas mesmo assim, uma boa conversa da banha da cobra vai sempre conseguir convencer-nos de que sim senhor, aquele é que é e mandar-nos de cabeça, e voluntariamente, para o buraco.
Sempre achei que o problema do Cyrano era só falta de autoconfiança e que tinha conseguido ganhar a Roxanne ao parvinho do Christian sem qualquer esforço. Se bem me lembro da peça, a única vez que Christian falou de seu livre pensamento sem o Cyrano de teleponto Roxanne quase foi às lágrimas de aborrecimento com a estupidez dele. Era como estar à espera de um banquete e sair canja, da de arroz e bem ralinha. E todas as mulheres razoavelmente cultas que conheço concordam com ela. Simplesmente não tem piada.
O axioma Cyrano é tão verdadeiro para nós quanto perigoso, deixa-nos extremamente vulneráveis. Olhem a Ofélia do Hamlet, que deixou que a retórica dele a levasse à loucura... Os nossos ouvidos são extremamente permeáveis às palavras certas, quer sejam honestas, quer não. E a maioria dos homens pode não ter neurónios para mais que papaguear, mas para conseguirem os seus propósitos conseguem papaguear as palavras certas. Assim, minhas caras, estão avisadas. Encarem isto como um aviso para reforçar as áreas em que têm fraquezas. Afinal as palavras bonitas podem vir tanto do vosso apaixonado Cyrano como de um Christian de cabeça vazia... Depois não digam que não foram avisadas.