segunda-feira, março 19, 2007

Puccini e as mulheres inteligentes

Sempre achei que ir à ópera é um bocado como estar apaixonada: intenso, belo e um bocado assustador. E de todas as óperas que nos mexem com os sentidos, para mim é Puccini que leva o prémio, o que, no meu entender conhece melhor as mulheres, e o amor.
Se muitas óperas retratam as mulheres como filhas dedicadas e amantes sofredoras, grandes mártires ou vilãs, é Puccini que escreve os melhores papéis para mulheres, as mulheres completas, inteligentes.
Sendo Puccini um mulherengo de carteira profissional, não nos escreve choramingonas irritantes a precisar de ser protegidas, mas antes traduz,e com uma grande sensibilidade, como é para uma mulher amar, entregar-se ao amor e sair dele de cabeça erguida, com dignidade.
Na sua obra mais conhecida , Madame Buterfly, mostra, sem sombra de dúvida, a forma diletante como os homens amam, o descuido que têm com as mulheres e como são absolutamente incapazes de ver outra coisa que não o seu próprio umbigo. O Pinkerton desta Buterfly abandona-a a dizer que sim senhora e que vai voltar um dia, ó sim, e sem olhar para trás casa-se com outra. Mais, para juntar o insulto à injúria, quando descobre que ela tever um filho vai com a nova esposa para lhe levar o filho, sem pensar duas vezes no amor que jurou sentir antes. Fez, como os homen fazem quase sempre, tábua rasa. Ela, claro, não faz uma cena, não lhe esfrega o amor não-correspondido na cara, antes se retira, com tanta dignidade quanta pode, para o deixar ser feliz (suicida-se também, mas em ópera, se ninguém morre é um anticlimax). Quantas de nós não reagimos assim, não nos sentimos já assim? Quantas de nós não sabem o que é ter um amor que não é nem querido nem desejado, antes desviado para o lado como um incómodo? E olhem que mesmo sendo Puccini um homem é Pinkerton aquele que sai mal nesta fotografia: a sua conduta não tem desculpa nenhuma.
A minha ópera preferida, no entanto, é a Turandot, que é aquela que tem, a meu entender, a caracterização de uma mulher forte e inteligente. (acima têm a Maria Callas caracterizada para cantar o papel de Turandot). A Turandot é uma princesa de gelo, uma mulher inacessível porque foi traumatizada (aren't we all?) que reduz à insignificância (por via de decapitação) de todos os que se ousam aproximar dela. Para a possuirem, terão de adivinhar três enigmas, ou acabou-se tudo. E ali está ela, solitária, até aparecer aquele homem que perde tempo e usa os miolos para a decifrar, tão arrogante quanto apaixonado, que a faz ver como o amor vale a pena. E ela entrega-se. Se lhes parece que conhecem o filme, ou pelo menos parte dele (até aquela parte de eles não se darem ao trabalho de tentar perceber), deixem que lhes diga que não estão sozinhas.
A maldição das mulheres inteligentes é essa, a falta de homens corajosos que se dêm ao trabalho. As galinhas submissas são para homens inseguros. Aquelas de nós que não são especialmente boas a fingir-se de submissas não têm mais remédio que mandar cortar cabeças- e viver sozinhas. E Puccini, como grande mulherengo que era prcebeu bem isso, essa essência dura e ao mesmo tempo frágil das mulheres, e falou dela como se fosse como nós, mulher.
No começo da minha ária favorita, o Nessun Dorma, o principe Calaf espera que a manhã chegue para resolver o embróglio em que se meteu. Turandot recusa entregar-se a ele e ele, galantemente oferece-se para morrer, se ela descobrir o seu nome até à manhã seguinte. Ela tenta desesperadamente encontrá-lo. Ele, a meio da noite encontrará Turandot e beijá-la-à, confessando-lhe o nome. Se ela o amar, confiará nele e cederá, se não, lá vai a cabeça. Não é esta a essência do amor, entregar-se mesmo podendo acontecer o pior, não é assim que se ama, incondicionalmente? É verdade que ele espera que ela se entregue, mas sabe perfeitamente que pode estar tudo perdido. E é um desses, assim, corajoso e apaixonado que todas as mulheres inteligentes esperam. Claro que também esperam ouvir Puccini quando são beijadas, mas nem sempre podemos ter tudo o que queremos, não é? Para vosso deleite fica aí o Nessun Dorma. Agora é só arranjarem o homem inteligente, corajoso e de bom gosto e lançarem-se ao trabalho...

2 comentários:

Fernanda Andrade disse...

Parabéns pelo texto ! Entendes tanto de óperas, quanto de mulheres inteligentes. Adorei :-)

Fernanda Andrade disse...

Parabéns pelo texto ! Entendes tanto de óperas, quanto de mulheres inteligentes. Adorei :-)