Eu, como muitas das mulheres da minha geração, cresci com o dogma da infalibilidade maternal. As mães todas que conhecia eram omniscientes, omnipotentes e ubíquas. Sabiam tudo o que se passava nas nossas vidas, desde a dor de barriga ao disparate mais cabeludo, sabiam resolver os problemas todos de matemática, fazer reduções como umas campeãs e a tabuada na ponta da língua. As nossas mães, para além de saberem tudo como se tivessem informadores em todo o lado e dirigissem uma rede secreta de informações, estavam sempre lá ( mesmo no caso de trabalharem, como a minha sempre fez). Faziam-nos camisolas e iogurtes caseiros porque eram mais saudáveis, verificavam escrupulosamente a limpeza daqueles sítios menos óbvios, como atrás das orelhas. E não eram seres nada moles. Não se deixavam enganar com desculpas parvas ou chantagem emocional. Caso se justificasse nada nos safava do tabefe na hora certa ou do castigo. E ficávam as duas partes devidamente satisfeitas pelo dever cumprido. Eram aqueles seres de natureza dupla, terna e disciplindora ao mesmo tempo, capazes de nos fazer congelar com um simples olhar e resolver os problemas do mundo com um bocado de colo. E mais que isso, faziam-no sem esforço nenhum. No decorrer longo da nossa infância conseguiam ter tempo para sair com as amigas, comprar sapatos, ter um casamento sólido e fazer bolos para o lanche como se fosse dia de festa, controlar os nossos trabalhos de casa e brincar conosco como se fosse a coisa mais fácil do mundo. As nossas mães, nos nossos olhos de infância, eram perfeitas.
Agora que crescemos e que muitas mulheres da minha geração são já mães, a coisa não parece tão fácil como a vimos fazer. A maternidade é um campo ambíguo, cheio de dúvidas e de medos, e não fazr a coisa certa, de não disciplinar o suficiente ou disciplinar de mais, de ceder muitas vezes ou vez nenhuma, uma batalha constante com fraldas e chupetas e cadeirinhas e horários de infantário que deixa uma pessoa exausta fisica e emocionalmente, sem tempo ou disposição para mais nada. Ficamos com a ideia que criar e educar uma criança são tarefas difíceis e inglórias em que não haverá meta nem glória, apenas mais etapas e obstáculos, mais coisas a fazer, e ao mesmo tempo uma alegria intensa e dolorosa de sermos completamente responsáveis por aquele pequeno ser.
A um observador externo, como eu, que não tenho filhos, parecerá que as crianças, hoje, ao contrário do que se passava nos nossos dias, são indisciplinadas e barulhentas, e que não estão a ser convenientemente educadas, como nós fomos. De um certo ponto de vista até temos razão (e a culpa de ir trabalhar gera mimo e indulgência excessiva), mas vistas as coisas de perto não é tão simples como parece. Tenho amigas com filhos de várias idades, e consigo ver de perto o difícil que é fazer aquilo que as nossas mães faziam (aparentemente) sem esforço. E não é que as crianças desta geração bebam a rebeldia com o Ucal, apenas que a nossa perspectiva sobre a maternidade se deslocou. Enquanto filhas a maternidade era um facto, as mães simplesmente estavam lá e faziam as coisas que as mães fazem e pronto. Enquanto mães há que fazer escolhas e tomar decisões sob pressão rapidamente, podendo ou não as coisas correr bem.
As nossas mães não tinham, para nós, dimensão de mulheres. Não as conhecemos sem filhos, novas, cheias de sonhos e projectos de vida. Aliás, para as mulheres da geração das nosssas mães casar e ter filhos era o seu projecto de vida. Mas de qualquer forma, elas definiam-se como nossas mães, fazia parte delas essa característica, como a cor dos olhos e dos cabelos, o peso e a altura. Agora percebemos que não é assim. Como nas Pontes de Madison County, os filhos não faziam ideia da vida da mãe, dos seus sentimentos íntimos com a dimensão daquela paixão avassaladora, também nós sabemos pouco, ou nada da vida emocional das nossas mães, também os nossos filhos saberão pouco, ou nada daquilo que sentimos agora, mesmo aqueles sentimentos que nos envergonham e nos enchem de culpa (como por exemplo sentir, pontualmente, que deixámos de ter vida pessoal desde que fomos mães).
O consolo disto será, talvez, também esta geração crescer e, ao olhar para trás, achar que tinha mães infalíveis, que estavam sempre lá para o mimo e o conforto, para o pontual castigo na hora certa. E de que eram os mais sábios, mais perfeitos seres à face da terra, como as nossas.
4 comentários:
Espero que sim... que os meus filhos pensem tudo de mim como eu penso da minha mae... E no entanto, as mulheres da nossa geracao sao confrontadas com as expectativas exteriores a nos: nao temos que nos debater apenas com o quanto esperamos de nos proprias mas, e sobretudos, com o que todo e qualquer Ze decide que e ser bom o mau pai ou mae. Temos que nos confrontrar com tantas opinioes especializadas e tanta legislacao e tanto regulamento que o instinto so ja nao basta. Devoramos informacao na internet e em livros e ouvimos ansiosas as explicacoes medicas e das revistas femininas... Nao ha como satisfazer tanta coisa e por isso, quando se trata de nos fazer sentir inadequados ao papel de pais, batemos ao pontos a geracao dos nossos pais que ao menos tinham o apoio da comunidade alargada. Um exemplo: jamais as nossas maes seriam olhadas de lado por nos dar uma palmada merecida mesmo que no meio da rua. Te garanto que pensaras muitas vezes antes de fazer o mesmo agora.
Alem do que, sim saimos de casa para trabalhar e isso gera um sentimento de culpa com que nao sabemos lidar....
Sempre
Su
É a minha grande frustração, essa de ter a sensação de que não vou chegar aos calcanhares de mães como as nossas. Antes da nossa conversa, já tinha dado por mim a pensar como é que a minha mãe conseguia criar dois filhos com dois anos de diferença, trabalhar e tratar da casa. Tenho sempre a sensação que me falham muitas coisas principalmente desde que o Gui nasceu. Acho que se deve precisamente ao exemplo das nossas mães, sempre infaliveis, incansáveis, sempre de olho em nós mas com o amor do tamanho do mundo. A minha é assim: trabalhadora, formiguinha até, mas doce e sempre pronto a dar vida pelos dois filhos. A prova está na situação do meu irmão, sempre pronta a dar o seu raspanete para depois dar o seu empenho para ajudar até não poder mais.
A Su tem razão quanto ao termos tanta informação que devoramos porque achamos que isso nos vai ajudar ser melhor pai ou mãe. Mas não, acho que às vezes atrapalha. Há uns tempos, ouvi o dr. Daniel Sampaio dizer que os pais lêem muito mas depois não sabem aplicar o que lêem.
Nunca mais me esqueceu as palavras da minha obstetra dias antes do Gui nascer: "não se preocupe que ele ensina-a a cuidar dele", resposta ao meu receio natural como mãe de primeira viagem. Não foi fácil no inicio e este novo papel(a juntar aos outros que já tenho) está apenas no começo. Depois há sempre gente a apontar falhas, até gente com experiências que se distanciam apenas por uns meses.
Também espero que o meu filho me olhe com a mesma admiração que eu tenho pela minha mãe apesar de todos os choques que temos tido. Como conselheira, é a pessoa que mais tenho seguido, pois nem sempre sigo as revistas ou o conselho da médica. É por intuição muitas vezes e acho que o meu bébé é feliz...é isso que importa no final do dia: o sorriso do meu bébé quando eu chego. Significa que até me estou a "safar".
Uma frota do costume
C.
Não tendo filhos, não sei bem do que falo mas acho que há algo nas mães da nossa geração que é bom, positivo: o não abdicar de serem mulheres completas, realizadas profissionalmentre, de não serem só mães. Muitas mães da geração anterior, foram mães-coragem, mães-pais (porque convenhamos que muitos pais da geração anteiror tinham pouca participação no dia a dia das crianças)e mães-sacrifícios. Eu preferia que a minha mãe não tivesse sido tão mãe-sacrifício. Por ela. E por mim!
Não sei se a minha mãe se considera uma mãe-coragem, Elisa, apesar de, por circunstâncias da vida, o ter sido. Acho que, do ponto de vista dela, considera apenas ter feito a sua obrigação. Mas ela é fruto de outro tempo e outros valores que só em pequena parte são os nossos. Não sei se serei uma mãer como ela foi e é, mas vou tentar de certeza. Não me sinto prejudicada pelos sacrificios que ela fez por mim, privilegiada é maiso termo. Talvez porque nunca tenha ficado amarga por isso, porque considera que dedicar-se a mim e à minha irmã valeu a pena.
Quanto à cris e à su, acho que o problema reside das duas partes: há pais demasiado stressados com a educação dos filhos e uma sociedade que não confia nos mesmos para o fazer. Neste momento as crianças oscilam entre os dois extremos: ou deixadas às suas próprias vontades, para não traumatizar, ou tratadas por pais com tempo demais entre as mãos como experiências cientificas, com milhões de actividades extra-curriculares desde os dois anos. Eu defendo o que vi fazer à minha mãe, e sei que vocês às vossas porque as conheço às duas (um beijinho para a dona L. e a dona C., a propósito): regras claras e amor, e deixar-nos também um bocadinho à solta, nada de paciência para birras e chantagens. Não acho que tenhamos saído assim tão mal as três, eposso apostar que a minha mãe nunca leu uma Pais e Filhos na vida...
Beijinhos para todas...
I.
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