segunda-feira, setembro 11, 2006

O Gene cosedor de meias

Não importa o moderna, o liberada, o feminista que uma mulher é, chega sempre aquela altura na história das relações em que é traída pelo seu gene traiçoeiro, aquele que achava que não tinhamos mas aí está, o gene cosedor de meias. Quem diz cosedor de meias diz preparador de refeições, passador de camisas, etc. etc. As mulheres não conseguem evitar tomar conta do homem com quem estão.
Implantado traiçoeiramente no código genético está (ou melhor, tem de estar) aquele gene que nos atraiçoa, e por mais que juremos não ser umas mulheres a dias sem pagamento, por mais que juremos implantar uma estrita política de tarefas a meias com escalas e tudo, quando damos por nós estamos a passar amorosamente uma camisa, escovar um casaco, fazer uns petisquinhos para satisfazer o nosso homem. É odioso, mas a domesticidade apanha-nos como um murro no estômago, e por mais que achemos que não, se o nosso namorado ou marido sair com uma meia de cada cor porque a roupa não foi lavada ou dobrada e arrumada a tempo, não conseguimos evitar aquele aperto do estômago de pura culpa de não tratarmos bem dele.
O gene cosedor de meias funciona propulsionado por duas coisas essencialmente femininas: a territorialidade e a culpa. Já disse antes, as mulheres são territoriais, e nada é mais nosso território que o nosso homem. Ninguém é de ninguém, já diziam os Delfins, mas há algumas pessoas que nos pertencem mais que as outras. E não tenham ilusões, se pudéssemos construir uma vedação electrificada que deixasse o cabelo em pé a cada roubadora de maridos ou namorados, fá-lo-iamos. Para isso servem as alianças que os homens insistem em tirar, que se pudésseos mandar emitiriam luzes e uma sirene cada vez que alguém com segundas ou terceiras intenções se aproximasse.E aceditem, décadas de feminismo militante e convicto não nos cura. Nós também temos os nossos instintos.
Depois, podemos sempre contar com a culpa. A culpa é dada de beber às mulheres com o primeiro leite. Reforçada pelas mães mais ou menos submissas que tivemos (se bem que pôr submissa na mesma frase em que me refiro à minha seja um bocado liberdade poética). Reforçada pela sociedade no geral. Acabamos sempre por pensar que a culpa é nossa se não fazemos algo, se fazemos é ainda pior.
Um homem que trabalhe não tem problemas em ir numa viagem de negócios sem os filhos. Uma mulher sim. Sou capaz de apostar um balde de gelado Haagen Daz de sabor à escolha que a desgraçada passará o tempo todo a achar-se uma péssima mãe. O gene cosedor de meias entra então em acção. Subitamente não é só o filhos. É o pobrezinho do marido ou do namorado que não sabe cozinhar e vai ter de recorrer aos congelados, que sozinho só come porcarias e vegetais são uma lembrança remota. É a roupa que ficou por passar, incluindo as calças preferidas dele. É a casa que ficou desarrumada e ele não sabe onde está nada (panos do pó, aspirador e esfregões da louça sobretudo). Sabe de fonte segura o que vai encontrar quando chegar a casa: uma visão do inferno.
O gene cosedor de meias é inescapável. Inevitável. Sem nós, quem evitará que ele vista as calças azuis com a camisa verde? Ninguém. Sem nós para lhes passar as camisas, quem evitará que ande pela cidade fora a parecer que foi atacado por uma matilha de cães selvagens? Ninguém. É um trabalho duro, mas alguém tem de o fazer.
Assim, o melhor a fazer é ir com a maré. Tem de ser. Podemos (e devemos) lutar contra isso mostrando aos homens das nossas vidas que há diferenças essenciais e inconfundíveis entre nós e as mães deles e entre nós e a mulher a dias. Mas enfrentemos as realidades como elas são: não é natural gostar de tratar do que é nosso? Não tratamos e cuidamos bem a nossa roupa, as nossas coisas, os nossos sapatos? Um namorado não é ainda melhor e mais valioso que a nossa colecção de sapatos (sim eu sei, alguns não são, mas enfim)? E depois, às feministas mais convictas podemos sempre dar a desculpa perfeita, não podemos evitar, está-nos na massa do sangue...

4 comentários:

Unknown disse...

Também já tiveste essa sensação?!
O A. é daqueles homens que, se a camisa que ele quer vestir está por passar, pega no ferro e passa. Mas se ficar mal passada, fico a penasr que vão achar que eu sou uma desmazelada, que não trato dele como deve ser... Claro que depois a parvoeira passa-me e sigo em frente.
Foram anos de educação para ser uma boa dona de casa, é compreensivel.percebes-me porque as nossas mães parece que foram educadas poela mesma cartilha
Uma frota

Passionária disse...

Sim Cris, tu lembras-te como era o L. E depois de toda a gritadeira e chatice acabava por ser eu a arregaçar as mangas e lavar a loiça,lol. As nossas mães formataram-nos tão bem o cérebro que sai automático...E se tu sabes bem, já que as nossas mães são praticamente irmãs gémeas espirituais.;)
Beijocas ao A. e ao Gui... see ya saturday.

uma frota

elisa disse...

Pois...estou um pouco sem palavras...há, claro, uma vontade de tomar conta, de mimar em muitas mulheres. Que maior delícia do que a de alimentar o nosso homem, preparar amorosamente uma refeição para o nosso garanhão?
Ponto final.
Eu fico-me por aqui. Um homem para mim não é um filho. É muita outra coisa, muita mesmo: amigo, amante, confidente, companheiro, novamente amante, lol... and so on and so on. Chama-me feminista e eu dir-te-ei (como o outro): com muito gosto!!
Realmente "culpa é dada de beber às mulheres com o primeiro leite". Temos o resto da vida para nos desfazermos dela;)
beijinhos e fica bem!
Ps:Opiniões à parte, o texto está divertidíssimo e muito bem escrito.

Passionária disse...

Sou feminista desde os meus três anos, a partir do momento em que me apercebi que o meu amigo F. conseguia fazer chichi de pé e eu não, e era uma injustiça porque afinal de contas eramos iguais. Fui educada por uma mãe feminista e independente. Por convicção, educação, por lógica sou feminista, nunca deixarei de o ser. Por isso o gene cosedor de meias me aborrece tanto, porque vai contra a minha natureza. Todas nós queremos amigos, companheiros, confidentes e amantes nos homens que temos, mas acabam sempre por ser outra coisa para além dessas todas: filhos grandes, lol. Uma coisa é um jantar romântico, o outro é atracar todas as noites frente ao fogão e à pia da louça porque ele, Deus o benza, nunca lhe pega. Uma coisa é tratar do nosso homem e das coisas dele, outra é ele assumir automaticamente que somos uma lavandaria a tempo inteiro. E nós, em vez de o mandarmos dar uma volta até à lavandaria a sério ficamos culpadas porque, de certa maneira, mesmo contra o nosso melhor julgamento, mesmo contra a lógica, achamos que a culpa é nossa...
Obrigada pela resposta, Elisa
;)