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Não importa o moderna, o liberada, o feminista que uma mulher é, chega sempre aquela altura na história das relações em que é traída pelo seu gene traiçoeiro, aquele que achava que não tinhamos mas aí está, o gene cosedor de meias. Quem diz cosedor de meias diz preparador de refeições, passador de camisas, etc. etc. As mulheres não conseguem evitar tomar conta do homem com quem estão.
Implantado traiçoeiramente no código genético está (ou melhor, tem de estar) aquele gene que nos atraiçoa, e por mais que juremos não ser umas mulheres a dias sem pagamento, por mais que juremos implantar uma estrita política de tarefas a meias com escalas e tudo, quando damos por nós estamos a passar amorosamente uma camisa, escovar um casaco, fazer uns petisquinhos para satisfazer o nosso homem. É odioso, mas a domesticidade apanha-nos como um murro no estômago, e por mais que achemos que não, se o nosso namorado ou marido sair com uma meia de cada cor porque a roupa não foi lavada ou dobrada e arrumada a tempo, não conseguimos evitar aquele aperto do estômago de pura culpa de não tratarmos bem dele.
O gene cosedor de meias funciona propulsionado por duas coisas essencialmente femininas: a territorialidade e a culpa. Já disse antes, as mulheres são territoriais, e nada é mais nosso território que o nosso homem. Ninguém é de ninguém, já diziam os Delfins, mas há algumas pessoas que nos pertencem mais que as outras. E não tenham ilusões, se pudéssemos construir uma vedação electrificada que deixasse o cabelo em pé a cada roubadora de maridos ou namorados, fá-lo-iamos. Para isso servem as alianças que os homens insistem em tirar, que se pudésseos mandar emitiriam luzes e uma sirene cada vez que alguém com segundas ou terceiras intenções se aproximasse.E aceditem, décadas de feminismo militante e convicto não nos cura. Nós também temos os nossos instintos.
Depois, podemos sempre contar com a culpa. A culpa é dada de beber às mulheres com o primeiro leite. Reforçada pelas mães mais ou menos submissas que tivemos (se bem que pôr submissa na mesma frase em que me refiro à minha seja um bocado liberdade poética). Reforçada pela sociedade no geral. Acabamos sempre por pensar que a culpa é nossa se não fazemos algo, se fazemos é ainda pior.
Um homem que trabalhe não tem problemas em ir numa viagem de negócios sem os filhos. Uma mulher sim. Sou capaz de apostar um balde de gelado Haagen Daz de sabor à escolha que a desgraçada passará o tempo todo a achar-se uma péssima mãe. O gene cosedor de meias entra então em acção. Subitamente não é só o filhos. É o pobrezinho do marido ou do namorado que não sabe cozinhar e vai ter de recorrer aos congelados, que sozinho só come porcarias e vegetais são uma lembrança remota. É a roupa que ficou por passar, incluindo as calças preferidas dele. É a casa que ficou desarrumada e ele não sabe onde está nada (panos do pó, aspirador e esfregões da louça sobretudo). Sabe de fonte segura o que vai encontrar quando chegar a casa: uma visão do inferno.
O gene cosedor de meias é inescapável. Inevitável. Sem nós, quem evitará que ele vista as calças azuis com a camisa verde? Ninguém. Sem nós para lhes passar as camisas, quem evitará que ande pela cidade fora a parecer que foi atacado por uma matilha de cães selvagens? Ninguém. É um trabalho duro, mas alguém tem de o fazer.
Assim, o melhor a fazer é ir com a maré. Tem de ser. Podemos (e devemos) lutar contra isso mostrando aos homens das nossas vidas que há diferenças essenciais e inconfundíveis entre nós e as mães deles e entre nós e a mulher a dias. Mas enfrentemos as realidades como elas são: não é natural gostar de tratar do que é nosso? Não tratamos e cuidamos bem a nossa roupa, as nossas coisas, os nossos sapatos? Um namorado não é ainda melhor e mais valioso que a nossa colecção de sapatos (sim eu sei, alguns não são, mas enfim)? E depois, às feministas mais convictas podemos sempre dar a desculpa perfeita, não podemos evitar, está-nos na massa do sangue...