terça-feira, janeiro 29, 2008

Desculpas parvas com o patrocínio Cão Azul







Quando o amor é uma canção da Alcione

No início da relação, o amor é, tradicionalmente uma música lenta e romântica que esteja em voga que serve como forma de identificação na onda do "more... tá a passar a nossa música" de pestana batida e suspiro arrancado do sentimento. Aliás, e agora que penso nisso, a música que um casal escolhe como a "nossa música, more", costuma ser uma boa forma de prever o futuro de relação. Uma música das Just Girls vaticina o mesmo sucesso efémero e superficial destas, uma música dolorida e chateada só traz sarilhos. Aliás, se lhe vierem com canções suicidas de gente obscura, acreditem, é melhor não. Que pode vir de bom de uma música ao estilo Jy Division Love will tear us apart? NADA, vão por mim que eu é que sei, mas voltemos à Alcione.
Estava eu a dizer que, no início da relação a música é dos dois. Mais para o fim a música é outra, dela, e de preferência, da Alcione. Sim, porque desde a Bridget Jones que o All by myself ficou desmoralizado, e o I will survive é demasiado comunidade gay para não sermos mal interpretadas. Não. Para curar a nossa dor de alma mas com a dignidade de uma mulher forte, que ama sem limites, ou é alcione, ou não é mais nada. Afinal, uma música imortal como a "Estranha loucura" ou o "Nem morta" até não nos deixam mal vistas. A vida é um sítio trágico e nós heroínas à la Callas com o seu Onassis e tudo é lindo e intenso. Até os títulos são evocativos como aqueles melodramas dos anos cinquenta tipo "Imitation of life" ou "All that heaven allows" onde se sofria sendo esplendorosa e usando vestidos de noite giros. E os poemas, ah, os poemas... Vejam a letra do meu personal favourite, "Nem morta"


Eu só fico em teus braços porque não tenho forças pra tentar ir à luta
Eu só sigo o teus passos pois não sei te deixar e essa idéia me assusta

Eu só faço o que mandas pelo amor que é cego que me castra e domina
Eu só digo o que dizes foi assim que aprendi a ser tua menina

Pra você falo tudo no fim de cada noite
Te exponho o meu dia, mas que tola ironia
Pois você fica mudo, nesse mundo só teu cheio de fantasias
Eu só deito contigo porque quando me abraças
Nada disso me importa, coração abre a porta
Sempre que eu me pergunto quando vou te deixar
Me respondo


nem morta


Lindo, não é? Tão lindo, tão lindo, que quase nos esquecemos daquilo que é : uma justificação poética, inteligente e in your face para o facto de estarmos a fazer papel de parvas. Porque minhas caras, não se enganem. Quando as cantigas da Alcione, as da pior dor de corno fazem sentido e nos aquecem o coração, já é figura de parvas que estamos a fazer. Não há nada de nobre, lindo ou poético em nos deixarmos maltratar ou ignorar numa relação, em sermos papalvas de querer remar o barco sozinhas. Um homem que nos ignore, ou que nos maltrate, ou que, no geral, não nos faça sentir queridas, desejadas, não vale a pena. E toda a luta que travarmos para manter a coisa é o mesmo que tentar travar uma inundação tapando o buraquinho no dique : acabamos, mais cedo à tarde por ser arrastadas na corrente, e sabem o mal que fica o nosso cabelo molhado sem secador. Quando um amor chega ao ponto de canção de Alcione acreditem, e o fim da linha, vejam esta "Estranha loucura"


Minha estranha loucura
tentar te entender e não ser entendida
É ficar com você
Procurando fazer parte da tua vida
Minha estranha loucura
É tentar desculpar o que não tem desculpa
É fazer dos teus erros
Num motivo qualquer a razão da minha culpa
Minha estranha loucura
É correr pros teus braços quando acaba uma briga
Te dar sempre razão
E assumir o papel de culpado bandida
Ver você me humilhar
E eu num canto qualquer dependente total do teu jeito de ser
Minha estranha loucura
É tentar descobrir que o melhor é você

Eu acho que já paguei o preço por te amar demais
Enquanto pra você foi tanto fez ou tanto faz
Magoando pouco a pouco me perdendo sem saber
E quando eu for embora o que será que vai fazer

Vai sentir falta de mim
Sentir falta de mim
Vai tentar se esconder coração vai doer


Há alguns falecidos atrás, mantive uma relação porque a pergunta era a mesma que esta estranha loucura: se eu me for embora, haverá quem me siga, farei falta? Isto é, como a canção diz, uma loucura, e das mais estranhas. Que falta de auto-estima haverá, que raio de amor é esse que justifique o estarmos onde não fazemos falta? Estaremos parvas? Claro. E quando recuperarmos dessa parvoeira, o melhor que temos a fazer é sacudir a poeira dos pés e desandar. O amor Alcione não é amor, é mau hábito. E como diz a sabedoria de um perfume Calvin Klein, debitado pela boquinha anorética da Kate Moss (uma referência estranha, admito, mas a esta altura aceito a sabedoria onde a posso encontrar): quando não é paixão, quando não é ódio, então, na verdade, não é nada, é só um mau hábito que temos de quebrar. Mainada.

quinta-feira, janeiro 24, 2008

O kitsch irónico da geração X

Somos uma geração de saudosistas. A malta nascida algures nos anos 70 está irremediavelmente ligada a memórias felizes do passado que procuramos replicar e reproduzir, talvez porque enquanto produtos históricos somos uma espécie de anacronismo ambulante, desconfortavelmente enfiado entre a geração disco da malta antes e a geração cibernética depois. E nota-se.

Agora que a malta da geração X está nos 30, e que, basicamente molda o mundo à sua medida, traz a si todos os elementos confortáveis da sua infância. Para a geração MSN, HI5 ou Youtube é apenas uma espécie de chic retro traduzida nas roupas da moda, como franjas, saias de balão ou cintos elásticos para cujo peditório já nós contribuímos na nossa mal guiada adolescência. Para nós engloba muito mais que isso, é um renascer de valores e interesses de uma época muito mais doce e confortável para nós, uma vez que, depois da pressa de crescer e ser independentes chegámos à conclusão que crescer e ser adulto não tem assim tanta piada como isso. Se forem ao Youtube vão encontrar lá todos os desenhos animados míticos da nossa infância, juntamente com dezenas e dezenas de comentários saudosos de que esses é que eram os tempos.

Tendo em conta o contexto histórico português somos uma espécie de anomalia. Uma geração bolha e experimental, entre o 25 de Abril e a sociedade de consumo. Ou seja, crescemos a acreditar que tudo era possível, e, como dizia António Variações, entre Braga e Nova Iorque. Entre o cosmopolita mais cosmopolita de Smiths e Cure e Paco Rabanne e o kitch sem qualquer tipo de ironia possível de José Cid, Cândida Branca Flor e sapatos de verniz pretos com meias de renda (malditas, malditas) até ao joelho. Agora que crescemos e efectivamente sabemos o que é de bom gosto e não, escolhemos deliberadamente aquilo que é da nossa infância e usamo-lo com ironias de t-shirt cão azul. O kitch traz a saudade do que foi (Dartacão, carrinhos de rolamentos, cromos do Toppo Giggio) e o que é (playstations, declarações do IRS, contas de fraldas e prestações de casa) perde por comparação. Antes não tivessemos crescido, e perdido esse tempo de inocência.

Depois, temos de ver que é o primeiro ciclo completo de história a que estamos a assistir. Já percebemos que estamos velhos, quando já temos idade para nos lembrar das modas de vinte anos atrás e ver, de facto, a má figura que fazíamos nessa altura. E isso faz-nos sentir velhos, irremediavelmente velhos de todo.

Mas nem tudo é mau nisto, valhamedeus, nem tudo está perdido. Ao menos sobra-nos a ironia para comprar uma galinha de louça como a das nossas mães ou um daqueles pratos de repolho e usá-lo de uma forma irónica. Ou aquelas camisas, no caso dos homens, de bacalhau psicadélico . Transformámos o kitch num culto irónico dos velhos tempos da nossa infância, sendo assim uma espécie de clube selecto para quem percebe e se ri de si mesmo, onde os putos mais novos tentam entrar mas não têm hipótese nenhuma porque, simplesmente, não cresceram quando nós. O que não é mau de todo e até nos compensa de ter envelhecido.

quarta-feira, janeiro 16, 2008

It ain't over til the fat lady sings

Uma das minhas colegas de departamento perguntou-me hoje se eu era feliz. Foi mais até uma espécie de afirmação, porque logo depois disse qualquer coisa como "eu sei que sim" ou coisa no género. A esta espécie não-pergunta eu engasguei, pensei naquela palavra inglesa que quer dizer qualquer coisa como resignada, mas acabei por responder de forma politicamente correcta: sou zen, e não elaborei mais, até porque estávamos no meio da reunião. Mas a pergunta ficou-me às voltas na cabeça. Serei mesmo feliz, e porque é que gente que me vê todos os dias parte logo do princípio que sim?Para começo de conversa, por causa do meu ar, redondinho, rosado e confortável. Porque é que toda a gente parte do princípio que as gordinhas e gordinhos deste mundo são pessoas confortáveis e felizes, bem-dispostas por natureza? Nenhum dos gordinhos que conheço é mais feliz ou bem resolvido, apenas come mais chocolate e se sente marginalmente menos stressado com dietas. A maior parte das vezes o humor é o mecanismo de defesa mais eficaz, escondendo décadas de sentimentos ambíguos acerca do próprio corpo e uma vida social menos que reluzente. Mas não me parece que essa fosse a explicação toda, não realmente.Quem me conhece bem sabe que 2007 não foi um ano brilhante. A bem dizer, toda a década de 2000 não foi grande coisa. Não sou bem paga, não tenho expectativas nenhumas de o vir a ser algum dia, e o mínimo que se pode dizer do meu percurso de vida é que não é o da maioria: muitas das minhas colegas de geração já têm filhos na primária enquanto os meus permanecem na névoa das potencialidades. E, no entanto, vista de fora pareço uma pessoa não só de bem com a vida, como, ainda por cima, feliz. Assim das duas uma, ou sou muito boa a fazer de conta que sou feliz, ou então sou-o mesmo. Apesar de não descartar completamente a primeira, tenho de concluir que serei feliz mesmo, pelo menos um bocado.As ideias de felicidade estão normalmente associadas a coisas exteriores, como uma ligação romântica, sucesso material, bens, posse. Mas e então e felicidade individual, aquela que não tem nada a ver com o que temos ou nos dão, aquela que é nossa? Nesse aspecto sim, sou uma pessoa feliz. Feitas bem as contas, e mesmo sendo uma funcionária pública humilhada e ofendida como o Dostoievski, até gosto da vida que tenho. Passadas as crises habituais descobri, com surpresa minha, que não tenho estofo ou vocação para heroína romântica. Descobri também que, apesar de não ser indestrutível, já me aguento bem em sismos de intensidade média. E de que, simplesmente, adoro viver. Gosto da minha vida, do meu trabalho, das minhas escolhas. Lido com as minhas escolhas. Faço o que me dá na bolha. E isto tudo traduz-se numa espécie de felicidade que, calculo, transpareça.Viver é uma chatice, as pessoas, no geral são umas bestas parvas e egoístas, mas o processo de aprendizagem destas duas verdades básicas que me torna tão viciada na vida. Mesmo nos piores momentos da vida nunca me apeteceu desistir. Como diz a Scarlett O'Hara, uma das minhas heroínas pessoais, amanhã é outro dia, por isso mais vale apreciar o pôr do sol. A vida não acaba com uma crise, acaba quando tem de acabar, nada é definitivo. It ain't over til the fat lady sings. And this one hasn't sung yet.

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Deusas, musas e heroinas avulsas

A insustentável leveza do ser
Que este livro represente a maior das fantasias masculinas não é surpreendente. Que homem não sonha com um código moral que lhe justifique todos os devaneios sexuais que queira mais uma esposa fiel e uma amante sexy e inteligente? É do melhor, claro. Mas na verdade este livro é interessante de outra maneira que a de nos irritarmos com grandes escritores do século vinte: que tipo de atitudes é que nós adoptamos que validem este tipo de coisa? Que tipo de mulheres somos nós para aceitarmos este tipo de coisas? Entra então Tereza e Sabina, as faces gémeas da fraqueza feminina.
Tereza é a legítima. A esposazinha adorável, fiel e compassiva, que se culpa a si mesma pela infidelidade do marido. Ela é um fardo que o pobre carrega e não o deixa ser livre para o que quiser, como saltaricar de cama em cama. Tereza é aquele lado de nós que é fraco, carente e com falta de auto-estima. Aquele lado que justifica e perdoa todas as traições e humilhações. Eu sei que tenho um orgulho filho da mãe e, por via de regra, prefiro arrancar um dente a frio a baixar a guarda e demonstrar fraqueza, mas acreditem-me : é perfeitamemte possível ser-se boazinha demais, perdoadora demais. E olhem que não estamos a falar de uma dona de casa analfabeta e estúpida como uma maçaneta de porta, mas de uma mulher inteligente e culta. De uma mulher que não tinha absolutamente necessidade nenhuma de estar dependente de um homem e está-o até ao patológico. E isto é uma questão cultural e psicológica ao mesmo tempo: somos encorajadas pela sociedade a depositar nas mãos dos homens a esperança para a nossa felicidade e eles que nos respondam a todas as nossas necessidades, a nossa crónica falta de auto-estima faz-nos acreditar que sim senhor, que eles sabem mais que nós o que é bom para nós e se dizem que não valemos nada, não valemos. Tereza é aquele tipo de mulher que me desperta tanta compaixão como irritação, compreendendo como o amor cega e é uma armadilha das valentes, mas ao mesmo tempo faz-me ir aos arames a sua falta de iniciativa e complacência : se o meu homem dissesse que andava de cama em cama porque tinha de ser e pronto eu reagiria de forma muito diferente do "ó tudo é culpa minha que sou uma cola e da minha infãncia lixada e sou um fardo para o pobre coitadinho". Tenho uma imagem vaga de rolos da massa e de fatos reduzidos a tirinhas mas não, NUNCA um ó coitadinho.
Sabina é a outra. Igualmente inteligente, talentosa, é a amante preferida de Tomas. Aquela que mantém o chapéu de coco enquanto faz amor porque gosta de ser secretamente humilhada (o chapéu era do avô) não quer casamento nem laços emocionais e tem uma libido perfeitamente insaciável. Querem amante mais perfeita? Não, só de encomenda. Sabina é aquelas de nós que me preocupam mais. as que racionalizam tudo e se privam de muitas coisas boas por causa dessas racionalizações. O não querermos laços emocionais com ninguém é, muitas vezes, resultado de trauma passado, o sexo como desporto, apesar de ter os seus momentos divertidos (oh sim) acaba por cansar e não ter significado nenhum, mais vale ficar em casa a passar a ferro. Mas estas mulheres, estas que conseguem divorciar o sexo do amor e não querem laços nenhuns são mais um reflexo dos desejos masculinos que mulheres de carne e osso. Poucas são as amantes que não sonham com um pouco mais, com o todo. Sim, mesmo com o domingo à tarde burguês e os filhos e os cães e as station wagons. Ou qualquer outro cenário romântico que envolva, bem, não há outra maneira de o dizer, a posse oficial do ser amado, a exclusividade. Das mulheres que conheci e que mantiveram casos com homens casados, nenhuma achava a situação perfeita. Estavam resignadas, mas da resignação à felicidade vai uma estrada de vários km. Os sacanas traidores é que acham que não. Tal como Tereza, Sabina desperta-me o mesmo grau de compreensão e perplexidade. Respeito quem segue as suas convicções e vá contra as convenções para não abdicar delas. Mas não consigo deixar de pensar que toda a sua racionalização em volta do amor e das relações entre homens e mulheres não era mais que uma racionalização que escondia ou uma falta enorme de auto-estima, ou medo terrível de amar. Atrás da primeira ideia é o estão verdes, não prestam do casamento: como Tomas não pode (nem quer) mais que uma relação sem fios emocionais, racionaliza até achar que ELA mesma não os quer para nada. A segunda é movida a medo, evitando a dor de lidar com o amor que corre mal através do evitar do amor e do compromisso de uma relação exclusiva.
Onde os homens simplificam, dividindo as mulheres em categorias fixas: mães, amigas, amantes, esposas, das quais dificilmente saímos uma vez lá encaixadas, nós complicamos ao exigir tudo no mesmo homem. E depois, lidamos melhor com a frustração do termos as coisas incompletas. Teresa tinha a figura paterna que a protegia e o esposo que a acompanhava, mas não tinha a paixao do amante nem o respeito do amigo, esses eram de Sabina. E as duas viviam razoavelmente conformadas. Minhas amigas, conformadas é uma palavra terrível. Dizer que tivemos uma vida... aceitável. Nem boa, nem má, assim assim. Que nos amaram incompletamente. Que fomos, como Tereza, a oficial sofredora de um homem a quem não completávamos nem nos completava, que fomos, como Sabina, uma coisa gira com que brincar pontualmente e vivia essencialmente sozinha. Não se deixem arrastar pela insustentável leveza do ser, sejam. O que quiserem. Mudem o que precisa de ser mudado. E feliz ano novo, já agora.