Uma das minhas colegas de departamento perguntou-me hoje se eu era feliz. Foi mais até uma espécie de afirmação, porque logo depois disse qualquer coisa como "eu sei que sim" ou coisa no género. A esta espécie não-pergunta eu engasguei, pensei naquela palavra inglesa que quer dizer qualquer coisa como resignada, mas acabei por responder de forma politicamente correcta: sou zen, e não elaborei mais, até porque estávamos no meio da reunião. Mas a pergunta ficou-me às voltas na cabeça. Serei mesmo feliz, e porque é que gente que me vê todos os dias parte logo do princípio que sim?Para começo de conversa, por causa do meu ar, redondinho, rosado e confortável. Porque é que toda a gente parte do princípio que as gordinhas e gordinhos deste mundo são pessoas confortáveis e felizes, bem-dispostas por natureza? Nenhum dos gordinhos que conheço é mais feliz ou bem resolvido, apenas come mais chocolate e se sente marginalmente menos stressado com dietas. A maior parte das vezes o humor é o mecanismo de defesa mais eficaz, escondendo décadas de sentimentos ambíguos acerca do próprio corpo e uma vida social menos que reluzente. Mas não me parece que essa fosse a explicação toda, não realmente.Quem me conhece bem sabe que 2007 não foi um ano brilhante. A bem dizer, toda a década de 2000 não foi grande coisa. Não sou bem paga, não tenho expectativas nenhumas de o vir a ser algum dia, e o mínimo que se pode dizer do meu percurso de vida é que não é o da maioria: muitas das minhas colegas de geração já têm filhos na primária enquanto os meus permanecem na névoa das potencialidades. E, no entanto, vista de fora pareço uma pessoa não só de bem com a vida, como, ainda por cima, feliz. Assim das duas uma, ou sou muito boa a fazer de conta que sou feliz, ou então sou-o mesmo. Apesar de não descartar completamente a primeira, tenho de concluir que serei feliz mesmo, pelo menos um bocado.As ideias de felicidade estão normalmente associadas a coisas exteriores, como uma ligação romântica, sucesso material, bens, posse. Mas e então e felicidade individual, aquela que não tem nada a ver com o que temos ou nos dão, aquela que é nossa? Nesse aspecto sim, sou uma pessoa feliz. Feitas bem as contas, e mesmo sendo uma funcionária pública humilhada e ofendida como o Dostoievski, até gosto da vida que tenho. Passadas as crises habituais descobri, com surpresa minha, que não tenho estofo ou vocação para heroína romântica. Descobri também que, apesar de não ser indestrutível, já me aguento bem em sismos de intensidade média. E de que, simplesmente, adoro viver. Gosto da minha vida, do meu trabalho, das minhas escolhas. Lido com as minhas escolhas. Faço o que me dá na bolha. E isto tudo traduz-se numa espécie de felicidade que, calculo, transpareça.Viver é uma chatice, as pessoas, no geral são umas bestas parvas e egoístas, mas o processo de aprendizagem destas duas verdades básicas que me torna tão viciada na vida. Mesmo nos piores momentos da vida nunca me apeteceu desistir. Como diz a Scarlett O'Hara, uma das minhas heroínas pessoais, amanhã é outro dia, por isso mais vale apreciar o pôr do sol. A vida não acaba com uma crise, acaba quando tem de acabar, nada é definitivo. It ain't over til the fat lady sings. And this one hasn't sung yet.
quarta-feira, janeiro 16, 2008
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7 comentários:
cara passionária, ao vê-la lamentar-se com a sua vida e, entre outras coisas, a ausência de filhos, sugiro-lhe que não perca o filme «madonas» [medeia king 3], onde a maternidade e a sexualidade feminina são tratadas de forma muito inteligente e subtil. se é possível fazer um filme feminista hoje, creio que é este. é apenas uma sugestão, porque tenho pena que este belíssimo filme não chegue a quem dele precisa. e você precisa ;)
Bem, comentando o comentário anterior... não sei quem afinal se anda lamentar da vida...tu, amiga Passionária não és concerteza!
És uma Amiga, embora os nossos olhos nunca se encontraram, és Amiga, porque encontro sempre um bocadinho de mim nas tuas palavras e és FELIZ, porque dizes o que te vai na alma com uma lucidez que invejo, és Feliz porque não tens medos, nem vergonhas de mostrar as tuas fragilidades, que são as de todas nós, és Feliz porque sabes que és uma Guerreira... Que sejas incompreendida por comentadores míopes e armados em criticos de 7ª arte... bem isso não é novidade, por isso, o que te tenho a dizer é que as tuas mensagens chegam sempre onde devem chegar... Fica bem. A tua Amiga Feliz mas sobretudo "high on life" Susana
Como canta a Manuela Azevedo, feliz a cem por cento só mesmo o pateta feliz:)
Revejo-me neste teu post (com em tantos que já escreveste)e não vejo a contradição de se ser feliz e infeliz ao mesmo tempo. Está na nossa natureza desejar coisas que não temos é daí advir alguma infelicidade. A felicidade chega quando sabemos dar valor ao que temos. digo eu,claro;)
Beijos e bom fim de semana
Não é uma questão de infelicidade, pelo contrário André, é uma celebração de um momento feliz. O que não temos só realça o que temos, como por exemplo os filhos. Quanto ao filme... antes vivera em Lisboa, que não é o caso. Mas obrigada pelo comentário e pela sugestão.
Susana e Elisa, obrigada pelos comentários. Ambas perceberam o meu ponto de vista, que podemos ser felizes mesmo sem muitas coisas, que podemos ser felizes e realizadas independentemente das nossas circunstâncias de vida. Felicidades para as duas ;)
mas eu não falei de infelicidade! falei de lamento, que não é um exclusivo desta. e não me estava a referir a tudo o que escreveu. dentro da sua questão felicidade/infelicidade, inscrevia-se um lamento. creio que há uma tendência para a leitura precipitada ou exagerada das palavras alheias, que depois provoca manifestações de solidariedade feminina um pouco deslocadas. e dizer que alguém precisa de um filme não é vê-la numa situação especialmente penosa. se um filme é bom, se acrescenta algo de verdadeiro à nossa vida, então todos dele precisamos, entende? neste caso, o filme "pensa" alguns elementos da vida sobre os quais se "lamentava", daí a sugestão (mal acolhida pelas amiga que acorreu em seu socorro :) beijo
O problema, Andre, e que quem diz o que quer, ouve o que nao quer. As amigas correram em socorro da Passionaria, e acredite que ela nao precisa disso para nada, porque o seu posto sugere um lamento- e olhe que o tom com que voce escreveu sugere mais que isso e nao menos como referido na sua resposta acima- e quem conhece a Passionaria- ao vivo e a cores ou pelo blog apenas- sabe que isso esta o mais removido possivel da verdade. Alem disso, a solidariedade feminina nunca esta deslocada, nunca vem tarde ou cedo e nunca e demais.
A casa nao e minha para lhe dizer que volte sempre, mas sinto que e bem vindo porque se nao o fosse, ja tinha levado uma rabecada de marca da Passionaria
Ate breve,
Susana M (PS- Nao a mesma que assina a resposta acima, apenas mais uma)
Aí que saudades que eu já tinha de ler a minha amiga e de me divertir com os comentários, sobretudo com os masculinos! Continua a dar-nos palavras tão sábias...bjos Noélia
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