quarta-feira, maio 21, 2008

Murses e o fim do mundo tal como o conhecemos

Quando um fenómeno chega ao mundo das crianças, podemos ter a certeza da expansão abrangente e da fabulosa popularidade do mesmo. As crianças precisam de arquétipos, de modelos: mesmo que mais tarde os disputem e ponham em causa (e é saudável que o façam) precisam de modelos de funcionamento do mundo e das coisas sobre ele. Assim que, se o fenómeno das Murses , abreviatura de man purses- malas para homens- chegou às crianças até por via desse arquétipo de masculinidade ideal que é o boneco Ken, é sinal certo e seguro que estas são um hábito social aceitável e desejado.
Até sendo uma rapariga dentro do género moderna, as murses custam-me a engolir. A sério, lembram-se do comercial do restaurador Olex e do branco com carapinha e o negro de cabelo loiro não ser natural (e o Abel Xavier bem que o prova)? Pois é o mesmo que eu acho das murses. Um homem quer uma mala para quê? Tradicionalmente levam com eles a carteira, as chaves, o telemóvel. Tudo coisas que lhe cabem nos milhentos bolsos de calças e casacos. Tudo o resto com que eles possam encher a murse é um assunto deprimente. Precisam da murse para quê, o eyeliner? O gel? O hidratante, o protector solar e o batom do cieiro? Good grief!
Encaremos os factos da verdade: na nossa definição de mundo, nos nossos arquétipos, os homens não usam malas. Conseguem imaginar o Mr. Darcy de malinha embarrada ao ombro? O Rhett Butler a perguntar à Scarlett se viu onde deixou a murse? É que nem mesmo o McGyver, bom rapaz modernaço, ecologista e habilidoso, o epítome dos não mahistas, nem esse submetia o seu canivete suíço à indignidade de uma malinha. PORAMORDEDEUS.
A verdade é que as coisas mudam, inexoravelmente, até mesmo a noção de masculinidade. E a geração a seguir à nossa, a dos moçoilos que usam murses e das moçoilas que saem com eles de malinha ao ombro de cara séria e sem se desmancharem a rir, redefiniu com mais sucesso que nós o papel dos géneros. Não acredito, como já o disse várias vezes, que os arquétipos de feminino e masculino sejam exactamente os mesmos que os nossos. Apesar da cultura Emo ser uma moda passageira, deixa para trás um legado de androginia muito mais alargado e influente que a cultura Glam dos 70, ou dos New Romantics dos 80, ou até mesmo que a cultura violentamente masculina do grunge, em voga na minha própria adolescência. Os arquétipos masculinos que citei, Darcy, Butler, são de uma masculinidade segura, arrogante e determinada que a nós nos deixa com os joelhos fracos, mas às miúdas que nos seguem, não. Se virem o remake do Orgulho e preconceito, com a Keira Knightley como Elizabeth Benett, verão exactamente àquilo que me refiro: o que com o Colin Firth era auto-controlo estóico e férreo dos sentimentos profundos é, neste Darcy moderno uma coraminguice melenta e olhinhos de cachorrinho. E a mim pouco me irrita mais num homem que choraminguice melenta e olhos de cachorrinho, desperta a pior cabra que há em mim, um homem assim não dá luta nenhuma.
De modos que as murses e tudo o que representam me deixam com um sentimento de vitória agridoce.É o fim do mundo como o conhecemos. Por um lado, significa que pelo menos um bocadinho da cultura machista está a desaparecer. E por outro lado, significa que o que a substitui é uma indefinição parda, onde vale tudo para mulheres e homens. O que soa bem, mas se traduz em termos os nossos homens tralheiros de malinha atrás. E se eu gostava do minimalismo dos homens em relação a tralhas, uma das coisas mais agradáveis e refrescantes neles...

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