O bom senso é uma coisa peculiar: apesar de ser um bem escasso, toda a gente acha que o tem. Evidentemente que haverá muita gente por aí muito mal enganada. Sobretudo no que diz respeito aos filhos. A nossa sociedade não tem, de facto, bom senso em relação aos miúdos.
Tanto o que me é dado observar, as mães de hoje oscilam curiosamente entre duas atitudes estranhamente radicais: ou querem transformar os filhos em mini-génios, ou os ignoram e despacham tanto quanto possível. E olhem que, como em todos os extremos, estes dois tocam-se mais que aquilo que parece à primeira vista.
O infantário da minha sobrinha que, acreditem, custa custa o mesmo que a renda de casa de muito boa gente, oferece coisas como apreciação musical para bebés, dança, aulas de arte, e toda uma panóplia de serviços cujo público alvo são crianças que ainda não têm um ano. Acreditem ou não, há natação, massagens Reiki e yoga para gente cuja noção de felicidade é uma fralda mudada e um anel e silicone colorido para cima do qual se babar.
Eu acho que há actividades para bebés que são um exagero, mas acreditem que desde que a S. faz parte da família que todo um mundo novo se abriu à minha frente. Se as taxas de natalidade deste país andam pela rua da amargura não estou convencida que isto não se deva ao facto de ter um filho ser um passatempo milionário. Por exemplo, um carrinho não pode ser um simples carrinho, não. Tem de ter acessórios. Rodas ergonómicas, tecido hipoalergénico, cobertura de silicone com memória de forma para a chuva e tem de custar uma pequena fortuna. Aparentemente, se um carrinho de bebé custar menos de 500 euros o vosso bebé está definitivamente na looserland, um falhado social à nascença. E isto é só o que comprar, porque depois há tudo aquilo que não se compra.
Todos os pediatras que conheço são arraçados de nazi. As mães e pais deste país andam sempre desesperados para lhe seguir os ditames de horas de comer e deitar, horas de colo e composição ao milímetro de papa, de ver se o filho está ou não dentro dos percentís de crescimento e peso, de todos os padrões cognitivos, psico-motores e fisiológicos próprios para a idade da criança. E por mais cuidado que se tenha, há sempre algo que está a falhar e faz sentir os pais (as mães sobretudo, rainhas do mea culpa) como se estivessem a arruinar a vida futura dos filhos. E isto se não falarmos da literatura específica, desenhada para fazer sentir os adultos como idiotas absolutos. As revistas de psicologia infantil, os manuais de good parenting são especialistas em arruinar a vida dos pais. Que tudo o que fazem vai traumatizar a pobre criança, têm que fazer mais para o bem estar da pequena princesa ou príncipe. É horroroso. E olhem que isto é só a perspectiva de fora, de mim que vejo a minha irmã doente de cada vez que vai à pediatra com a S. , que vejo as minhas amigas a roer as unhas com percentis e a correrem como doidas de um lado para o outro a levar as crianças de actividade em actividade, do futebol ao ballet, do karaté à natação, da música à ginástica. Aparentemente, o quão boa mãe se é é medido ao Km.
Claro que depois há o outro lado da moeda, o dos miúdos que são despachados, que estão no infantário até as sete ou oito horas e mais tempo que seja, de pais que simplesmente se demitem da responsabilidade de educar. São os miúdos que não se importam com ninguém porque ninguém se preocupa com eles, os miúdos que nunca ninguém exigiu que fossem génios ou que escrevessem aos três anos, ou que estivessem no percentil correcto porque quem de direito está demasiado cansado, ou coisa assim. E olhem que é fácil apontar o dedo, mas é quase inevitável para as mães deste país, que se encontram pressionadas por todos os lados, cair numa ou outra das armadilhas acima escritas. Ou lhe dão, aos filhos, tanta atenção que criam pequenos génios em miniatura, crianças que não sabem brincar, mini-adultos perturbantes, ou lhes dão pouca atenção e muitas coisas, criando espécimes de criancinhas mimadas como a que tivemos o privilégio de ver no célebre vídeo "dá-me o telemóvel já".
Não sei quanto a vocês, mas não consigo deixar de olhar para os tempos modernos com uma certa pena, tanto dos filhos, como dos pais. Dos filhos, porque se encontram no ciclo do consumismo desde o berço, marcados pelo status social da marca de fraldas às aulas extra, caríssimas. Tenho pena dos filhos por não poderem ser simplesmente crianças, saírem para brincar, terem liberdade para, simplesmente, serem pequenos. Entre desporto e aulas de inglês não têm tempo, não têm segurança para irem brincar para a rua aos índios e cowboys, não os deixam andar de bicicleta sem protecções, agassalhos, cuidados, não os deixam sair, nem é seguro fazê-lo, de uma redoma abafante de preocupações e cuidados.
Tenho, sobretudo, muita pena das mães, que não vivem uma maternidade sossegada, que não pensam em pregar um tabefe sem se matarem de culpa e terem medo de ir presas, que têm especialistas a dizer-lhe sempre que estão a fazer tudo mal, que não têm tempo para, simplesmente, aproveitar os filhos, brincar com eles, ralhar com eles, educá-los sem recorrer a professores variados. Pelo progresso pagaram as nossas crianças, a minha geração de mães. E é uma pena terem de ser mini-génios mimados e não poderem ser, como nós fomos, simplesmente pequenos, com um mundo grande e intrigante à nossa frente.