quinta-feira, março 13, 2008

O esplendor na relva

À minha frente há sempre miúdas novas, adolescentes. Umas são estudiosas, outras tímidas, outras crescidas demais para a idade, cheias da beleza ainda fresca a adolescência,atrevidotas,espevitadas. Essas são adultas antes de tempo e sábias daquela sabedoria milenar das seduções femininas. Essas são as que me preocupam mais. De ano para ano são mais. Da maneira como as coisas são, o destino está-lhes mais ou menos traçado. Vão ser mães adolescentes ou muito jovens, os estudos vão ao ar. Engrossam as fileiras do desemprego, de empregos mal pagos. Mais para a frente, estatisticamente, serão mães ausentes porque trabalham muitas horas e o dinheiro é pouco. Terão uma vida de sacrifício e frustração, perpetuarão essa mesma vida e perspectiva nos filhos. Seja qual dos caminhos que a vida lhe reserve, estes dias de beleza e de risos e de flirts, dos primeiros fulgores do corpo irão durar pouco, muito pouco, uma tarde breve de esplendor, e depois mais nada.
Do cimo dos meus trintas, pareço-lhes velha, e as minhas lições, as minhas tentativas de, sei lá, lhes fazer ver que não é boa ideia, que seria melhor estudarem, arranjarem um destino melhor, parecem-lhe um sermão, mais um, ignoram-no. De sermões e professores que lhes chamam a atenção estão mais que fartas, naquela idade os adultos não percebem nada.
Nunca doutrinei as minhas alunas em assunto nenhum, não o devo fazer, não é o meu papel. Mas vê-las a desperdiçar as coisas que a vida lhes dá é uma das pequenas ironias da vida. Muitas de nós preocupam-se com a sorte das miúdas mais para além das notas e do comportamento, mas o sistema é falível e cheio de buracos. No fim do dia, no fim do ano lectivo, não as poderemos salvar todas, nem impor-lhes destinos, mesmo que para seu bem. Mesmo que acreditemos que não é justo. No fim, as escolhas das pessoas têm de ser as delas, cada um, como diz o Gedeão, é seus caminhos.
O feminismo é uma utopia como outras quaisquer: bonito e impraticável. No terreno, no dia-a-dia, vai valer sempre a natureza humana e os seus instintos mais básicos: desejo, posse, cobiça, egoismo. Da maneira como o sistema funciona, a educação perpetua as posições sociais, poucas vezes serve de forma de mobilidade. Uma filha de pais pobres e indiferentes tem mais hipóteses de se perder e desistir dos estudos ou de ser mãe precoce que uma de pais de classe média com ambições. Nem o mundo nem a escola são lugares justos e niveladores. Os momentos da Michelle Pfifer nas Mentes Perigosas não existem na realidade. Poucas vezes marcamos os nossos alunos e alunas de forma indelével. Apesar de termos nas nossas mãos a formação de mentes jovens, não temos o poder de lhes mudar o destino. Só o fazem se quiserem.
E depois, pergunto-me muitas vezes até se o devo fazer. Se esta minha maneira de ver as coisas não é um preconceito da minha própria educação, do meu próprio meio. Para mim a educação é um bem de primeira necessidade, uma ferramenta para construir a melhor vida possível. E se calhar, muitas dessas mulheres que trabalham em trabalhos mal pagos são igualmente felizes, ou senão mais felizes que eu, mesmo assim. Mas a maior parte das vezes não me permito sequer pensar assim. Afinal, que mal haverá em desejar sucesso e felicidade aos alunos, em querer que não se percam na vida e que tenham a melhor vida possível?
As miúdas são novas. Da idade delas era igualmente inconsequente, igualmente ávida de todas as coisas adultas, e cresci para além dessa inconsequência. Quem sabe isso não acontece a pelo menos algumas alunas que me preocupam tanto? Sei que os seus comportamentos cheios de risco e irresponsabilidade escondem muitas vezes situações muito complicadas de famílias que se desagregam, de pressões dos pares para pertencer, de descompensações interiores. Não fui adolescente assim há tanto tempo para não me lembrar como é, e como diz uma querida amiga minha, entramos na adolescência e nunca mais de lá saímos. É preciso acreditar que as coisas serão melhores, tentar mudá-las tanto quanto possível. Mas não é triste vivermos numa sociedade em que conseguimos prever o futuro dos miúdos e das miúdas sem grandes margens de erro? Em que nascem com o destino traçado? Eu acho que sim.

1 comentário:

Patricia Almeida Alves disse...

minha amiga, como te compreendo... Onde estou deparo-me com o mesmo problema... será esta a geração a quem vamos, mais ou mais cedo, entregar os nossos destinos? Gostava que as minhas alunas acreditassem um pouco mais nas suas capacidades intelectuais, que as têm, e não tanto nas suas capacidades físicas (e altamente fúteis)... Que percebessem que não duram para sempre, e que a vida é muito mais do que um par de pernas jeitoso e uma carinha laroca...
boa páscoa amiga...
cuidado com as amendoas...