


Um blog pós-moderno e pós-feminista, ou breves reflexões frutos de um mau-feitio.
No início da relação, o amor é, tradicionalmente uma música lenta e romântica que esteja em voga que serve como forma de identificação na onda do "more... tá a passar a nossa música" de pestana batida e suspiro arrancado do sentimento. Aliás, e agora que penso nisso, a música que um casal escolhe como a "nossa música, more", costuma ser uma boa forma de prever o futuro de relação. Uma música das Just Girls vaticina o mesmo sucesso efémero e superficial destas, uma música dolorida e chateada só traz sarilhos. Aliás, se lhe vierem com canções suicidas de gente obscura, acreditem, é melhor não. Que pode vir de bom de uma música ao estilo Jy Division Love will tear us apart? NADA, vão por mim que eu é que sei, mas voltemos à Alcione.
Somos uma geração de saudosistas. A malta nascida algures nos anos 70 está irremediavelmente ligada a memórias felizes do passado que procuramos replicar e reproduzir, talvez porque enquanto produtos históricos somos uma espécie de anacronismo ambulante, desconfortavelmente enfiado entre a geração disco da malta antes e a geração cibernética depois. E nota-se.
Uma das minhas colegas de departamento perguntou-me hoje se eu era feliz. Foi mais até uma espécie de afirmação, porque logo depois disse qualquer coisa como "eu sei que sim" ou coisa no género. A esta espécie não-pergunta eu engasguei, pensei naquela palavra inglesa que quer dizer qualquer coisa como resignada, mas acabei por responder de forma politicamente correcta: sou zen, e não elaborei mais, até porque estávamos no meio da reunião. Mas a pergunta ficou-me às voltas na cabeça. Serei mesmo feliz, e porque é que gente que me vê todos os dias parte logo do princípio que sim?Para começo de conversa, por causa do meu ar, redondinho, rosado e confortável. Porque é que toda a gente parte do princípio que as gordinhas e gordinhos deste mundo são pessoas confortáveis e felizes, bem-dispostas por natureza? Nenhum dos gordinhos que conheço é mais feliz ou bem resolvido, apenas come mais chocolate e se sente marginalmente menos stressado com dietas. A maior parte das vezes o humor é o mecanismo de defesa mais eficaz, escondendo décadas de sentimentos ambíguos acerca do próprio corpo e uma vida social menos que reluzente. Mas não me parece que essa fosse a explicação toda, não realmente.Quem me conhece bem sabe que 2007 não foi um ano brilhante. A bem dizer, toda a década de 2000 não foi grande coisa. Não sou bem paga, não tenho expectativas nenhumas de o vir a ser algum dia, e o mínimo que se pode dizer do meu percurso de vida é que não é o da maioria: muitas das minhas colegas de geração já têm filhos na primária enquanto os meus permanecem na névoa das potencialidades. E, no entanto, vista de fora pareço uma pessoa não só de bem com a vida, como, ainda por cima, feliz. Assim das duas uma, ou sou muito boa a fazer de conta que sou feliz, ou então sou-o mesmo. Apesar de não descartar completamente a primeira, tenho de concluir que serei feliz mesmo, pelo menos um bocado.As ideias de felicidade estão normalmente associadas a coisas exteriores, como uma ligação romântica, sucesso material, bens, posse. Mas e então e felicidade individual, aquela que não tem nada a ver com o que temos ou nos dão, aquela que é nossa? Nesse aspecto sim, sou uma pessoa feliz. Feitas bem as contas, e mesmo sendo uma funcionária pública humilhada e ofendida como o Dostoievski, até gosto da vida que tenho. Passadas as crises habituais descobri, com surpresa minha, que não tenho estofo ou vocação para heroína romântica. Descobri também que, apesar de não ser indestrutível, já me aguento bem em sismos de intensidade média. E de que, simplesmente, adoro viver. Gosto da minha vida, do meu trabalho, das minhas escolhas. Lido com as minhas escolhas. Faço o que me dá na bolha. E isto tudo traduz-se numa espécie de felicidade que, calculo, transpareça.Viver é uma chatice, as pessoas, no geral são umas bestas parvas e egoístas, mas o processo de aprendizagem destas duas verdades básicas que me torna tão viciada na vida. Mesmo nos piores momentos da vida nunca me apeteceu desistir. Como diz a Scarlett O'Hara, uma das minhas heroínas pessoais, amanhã é outro dia, por isso mais vale apreciar o pôr do sol. A vida não acaba com uma crise, acaba quando tem de acabar, nada é definitivo. It ain't over til the fat lady sings. And this one hasn't sung yet.