Todos nós sabemos que homens e mulheres têm uma cultura diferente, essa é uma verdade evidente até a um golfinho com inteligência abaixo da média. Não é nada de estranhar, então, que os nossos rituais de bonding- que é criação de laços em estrangeiro- sejam diferentes em forma, conteúdo e objectivos. Este é o tema da prédica de hoje, caros fiéis: a terapia de retalho como forma de bonding para mulheres modernas na sala e na cozinha.
Os homens, com os amigos, desenvolvem os seus rituais de criação de laços de forma física, em actividades que, preferencialmente envolvam actividade física de alguma forma. Se a actividade física envolver nódoas negras e emporcalhamento, melhor. Por exemplo, jogos de futebol onde deixam os equipamentos cheios de nódoas verdes e as canelas de nódoas negras, farras onde bebem até altas horas e voltam a casa com nódoas de aspecto suspeito e que é melhor nem perguntar de onde vêm ou reparação de equipamento mecânico/electrónico/informático (que não costuma adiantar grande coisa, mas ao menos os mantém ocupados). Nós já resolvemos as coisas de forma diferente. Os nossos rituais de ligação são muitíssimo mais civilizados, envolvendo frequentemente cartões de crédito. Querem coisa mais solidária, mais potencialmente criadora de laços que correr uma das cidades mais populosas do mundo e todas as suas oitocentas e cinquenta e três sapatarias à procura do par de sapatos perfeito? Não, claro que não.
Isto da terapia de retalho é uma coisa nova. Como filhas que somos da revolução, temos mães que não são nada consumistas. As nossas mães não se ligavam nas compras, porque, a bem dizer, não eram nem ricas, nem independentes, como donas-de casa que eram. Ligavam-se umas às outras na cozinha sobre panelas de doce de tomate, ou na sala com pontos de renda e padrões de camisolas. Aliás, ainda hoje o fazem. E apesar de se terem rendido aos hábitos consumistas, não são grandes companhias de compras. A minha mãe, por exemplo, demonstra algum entusiasmo nas compras de hipermercado para a casa, mas menos para, digamos, sapatos, roupas e acessórios. E para maquilhagem está-se simplesmente borrifando. Criamos laços na cozinha- o meu gosto e jeito para a cozinha foi transmitido por ela, melhor cozinheira que eu serei jamais- mas nas compras ou é em meia hora ou já está a apanhar seca. Não, para compras têm de ser amigas, e das boas.
Se um grupo de mulheres não consegue criar empatia numa sessão de compras, nunca o fará. Porque as compras são uma forma de exibir fragilidades e inseguranças. Nada mostra melhor a personalidade de uma mulher, as suas fraquezas e as suas forças que ir às compras. No pequeno espaço do provador estamos nuas em mais que um sentido. Tudo o que somos se torna por demais evidente-e discutido. E é uma prova de indiscutível confiança permitirmos alguém assistir a esse momento de fraqueza. A roupa não assenta. Não há o nosso número. Mostra a celulite/as ancas/a barriga, mostra os nossos defeitos... E uma boa amiga está ali para ser crítica e implacável. Nenhuma amiga digna desse nome deixa a amiga investir numa peça horrenda ou que não caia bem. É o dever dela apontar, e sem contemplações o que está bem na peça e o que está mal. E àquela que experimentou a peça horrenda ter desportivismo para aceitar e respeitar opiniões diversas. Mesmo quando caluniam de "objecto horrível digno da câmara de horrores da Madame Tussaud " a mala preta linda porque acabámos de nos apaixonar.
As compras são, para além de um exercício terapêutico anti depressivo ( nada anima mais que uns sapatinhos lindos ou um casaco tãaaaaaaaaaaaaaaao lindo que cai tão bem), uma prova de resistência. Na melhor das hipóteses, quanto dura um jogo de futebol de bonding masculino? Uma hora, 90 minutos? Nós, em 90 minutos, ainda mal estamos a aquecer. O que é que se vê numa mera horita e meia? Pff. Uma boa sessão de compras dura, no mínimo, meio-dia, um dia inteiro sob condições perfeitas. E a andar sempre de pé, de um lado para o outro, a vestir e despir coisas, muitas vezes em cima dos tacões todo dia. Mesmo se tiveram juízo e levaram sapatilhas ou sapatos baixos, é fisicamente extenuante. Queria ver os meninos a experimentar isto sem terem um enfarte depois da primeira hora.
Que as nossas amigas se aguentem connosco, em condições físicas e psicológicas duras como é uma terapia de retalho e não pensem em estrangular-nos e esconder o corpo num provador é prova que a amizade é forte e se vai aguentar, que está ali para durar. A partir deste momento estão prontas para a fase seguinte, que é a esteticista juntas. Mas isto é tema para outra prédica. Lá iremos.