terça-feira, junho 05, 2007

A arte perdida do arranjo de flores


A minha noção de arranjo de flores é comprar um molho grande delas, tirar o plástico protector e pôr na jarra com água. Tudo aquilo que seja mais que dois géneros de flores (às vezes perco a cabeça e em vez de, imaginemos, gerberas brancas compro brancas e rosa, brancas e vermelhas, brancas e amarelas...) ultrapassa os meus limites de conhecimento e interesse. Aliás, já a hipótese de ponderar um arranjo, com esquemas de disposição geométrios e harmonias cromáticas me enchem de um tédio indescritível.
A minha mãe, como boa mãe transmontana, mais feminista na prática que na teoria, tratou de dar uma boa e sólida educação feminina às filhas. Se bem que as noções gerais de arrumação e ordem caseira deram jeito, e a culinária faço com prazer e entusiasmo, a outra parte das prendas domésticas sempre me deixou desconfortável. Aprendi a teoria de crochés, bordados, arranjos de mesas e de flores, mas sempre achei essas tarefas por demais entediantes, mais perto da morte cerebral que outra coisa. Apesar da minha educação retro, sempre me dei por muitissimo feliz poder fazer outras coisas, como ler livros, estar com os amigos, filosofar, em vez de me dedicar à ponderação do esquema de cores do bordado.
Quando oiço falar do falhanço do movimento feminista, e como a nossa libertação não foi libertação nenhuma, antes uma ainda maior carga de trabalhos, lembro-me dos arranjos de flores, e ergo as mãos para o céu em agradecimento a todas as sufragistas e queimadoras de soutiens da história.
Antes da libertação feminina, que nos libertou para oito ou mais horas de trabalho diário+ casa+filhos+maridinho, a nossa vida era vivida nesse círculo restrito de repetição e tédio, onde a criatividade era canalizada para coisas como arranjos de flores e pouco mais. É verdade que as mulheres agora podem continuar a cingir-se à esfera doméstica, a não opinar, a criar os filhos e agradar ao marido, mas aquelas de nós que não têm inclinação nenhuma para a felicidade doméstica têm escolha. Neste principio de milénio as raparigas, pelo menos na nossa cultura, podem escolher ser deusas do lar como também podem escolher ser médicas, advogadas, escritoras, tudo o que lhes apetecer, é só preciso tempo e dedicação. Antigamente as mulheres definiam-se como a Sra de, eram uma espécie de entidade subsidiada pelo marido,um ICAAM da esfera doméstica, agora só são subsidiadas se quiserem. E digam o que disserem, há muito a dizer sobre ganhar o seu próprio dinheiro e ser financeiramente dependente de outra pessoa, olá se sim.
Não sei porquê, mas os estereótipos femininos que associavam as mulheres a coisas delicadas e complicadas, como as rendas e os arranjos de flores deram origen a outros: somos mais fortes, mais resistentes, mais capazes. Podemos ser neuróticas com a aparência e os kg e um bocado superficiais com o que é ser mulheres, reduzindo-nos a uma sentimentalidade bacoca e rosa do girl power. Ah, mas antes isso que o tédio arrastado dia após dia da esfera doméstica, a esfera pequena das tarefas e da coscuvilhice com e das vizinhas, as tarefas minuciosas para gastas o tempo e entorpecer a mente. Ainda bem que a arte dos arranjos de flores está a perder-se. É bom sinal para nós.



1 comentário:

Unknown disse...

Eu também não sou grande coisa no que toca a arranjos. Tentar fazer com que um arranjo pareça minimamente aceitável numa jarra é desesperante. Sabes bem que as nossas mães tiveram a mesma educação e tentaram sempre que fossemos as meninas prendadas que qualquer mãe sonha. Mesmo assim acho que não se saíram mal até porque nós SABEMOS FAZER as coisas. Por vezes, elas não entendem que os nossos interesses são outros.
Quanto aos bordados, tricot e crochet, gosto de fazer(sim, amiga, gosto), até porque tenho aptidão herdada da dona L. Tu também tens que eu sei(não fosses filha de dona M e irmã de A.) mas não tens muito(ou nenhum) interesse, isso sim. Deu algum jeito para as coisas do teu sobrinho. Cheguei a ajudar a minha cunhada quando foi para a minha sobrinha.
Uma frota do costume
C.