É verdade de o mundo da música sempre foi machista. Por cada diva da pop havia uns vinte ou trinta artistas masculinos mais respeitados e mais famosos. E depois, as divas são aquelas mulheres bonitas e temperamentais a exibir voz e corpinho em cançonetas sentimentais. A influência de artistas femininas ditas "sérias", como uma Janis Joplin ou uma joan Baez acaba por empalidecer face a um Jimmy Hendrix ou um Bob Dylan, respectivamente. Mesmo o hino feminista R-E-S-P-E-C-T soa a uma coisa ligeiramente galinácia, mais reacção instintiva que propriamente um manifesto que exija o tratamento basicamente igualitário. Senão reparem:
"Ooo, your kisses (oo)
Sweeter than honey (oo)
And guess what? (oo)
So is my money (oo)
All I want you to do (oo)
for me
Is give it to me
when you get home (re, re, re ,re) ".
Não me parece que a moça vá sentar o gajo dela e fazer uma escala de divisão de tarefas, pois não?
Durante a minha adolescência, a coisa parecia estar a mudar para melhor. Se havia, por um lado, os Nirvana, do outro tinhamos as Hole, e tão grunge eram uns como as outras. Mas isto era só um fait-divers relativo no cenário da música. Os anos noventa viram nascer e florescer aquilo que é um espécime raro na pop: a cantora séria.
Para conseguirem distinguir as sérias das galinhas começamos logo com um indicador certo e seguro: a necessidade de mostrar ou não o umbigo. E as cantoras dos anos noventa tinham sempre o umbigo convenientemente tapado. Até porque o mais importante não era o umbigo, era a mensagem. E subitamente, havia uma data de mulheres a dizer as coisas que as mulheres não dizem, nem mostram aos homens que amam, que sente. Por exemplo um You Oughta Know da Alanis Morissette:
"Cause the love that you gave that we made wasn't able
To make it enough for you to be open wide, no
And every time you speak her name
Does she know how you told me you'd hold me
Until you died, till you died/But you're still alive"...
Lá que o pensamos, pensamos, mas dizê-lo não é hábito. Afinal não fica bem a uma menina que é abandonada, não é suposto sentir raiva, apenas chorar romanticamente como uma donzela vitoriana o abandono e depois esperar o próximo principe que viesse dar sentido à sua vida. Mas o exemplo não se esgota nisto. Temos também uma Sheryl Crow: Are you strong enough to be my man? ou os meus pessoais preferidos, uma Meredith Brooks:
"I'm a bitch, I'm a lover
I'm a child, I'm a mother
I'm a sinner, I'm a saint
I do not feel ashamed
I'm your hell, I'm your dream
I'm nothing in between
You know you wouldn't want it any other way
So take me as I am
This may mean
You'll have to be a stronger man
Rest assured that
When I start to make you nervous
And I'm going to extremes
Tomorrow I will change
And today won't mean a thing"
Ou a ironia deliciosa de uma Gwen Stefani, ainda nos No Doubt, no I'm Just a Girl:
"Take this pink ribbon off my eyes
I'm exposed And it's no big surprise
Don't you think I know Exactly where I stand
This world is forcing me
To hold your hand
'Cause I'm just a girl,
little 'ol me
Don't let me out of your sight
I'm just a girl, all pretty and petite
So don't let me have any rights
Oh...I've had it up to here
! The moment that I step outside
So many reasons
For me to run and hide
I can't do the little things I hold so dear
'Cause it's all those little things
That I fear "
Se isto não é mulheres com coisas para dizer, não sei o que será. É verdade que havia sempre uma Whitney Huston ou uma Mariah Carey, mas as acima citadas eram respeitadas como artistas sérias, independentemente do sexo a que pertenciam.
Desgraçadamente, o que é bom sempre se acaba. É impressão minha, ou a pop anda cada vez mais galinha que nunca? Em vez de ideias, temos umbigo e pele avulsa. Há algumas ideias atrás da musica da Fergie, dos Black Eyed Peas? É que nem a auto- ironia, fica apenas a descrição que se quer humorística, mas é apenas trágica, da galinhagem que por aí vai. Ora vejam este My Humps:
" I drive these brothers crazy,
I do it on the daily,
They treat me really nicely,
They buy me all these ice-ys.
dolce & Gabbana,
Fendi and then Donna
Caring, they be sharin'
All their money got me wearin' fly
Brother I ain't askin,
They say they love my ass in
Seven Jeans, True Religion,
I say no, but they keep givin'
So I keep on takin'
And no I ain't TAKEN
We can keep on datin'
I keep on demonstrating."
Mas alguém OUVE o que a Beyonce ou a Rhianna têm a dizer? O importante é o agradáveis à vista que são, que de resto bem podem estar a comprar a minha lista de compras.
Até mesmo a Gwen Stefani, outrora a musa de todas as feministas cool se transformou num ser bizarro, com mais look que cérebro. Eu não quero saber se é um icone da moda, e se usa sapatos fabulosos (que usa). Quero saber que de mulher com ideias passou a galinha a cantarolar idiotices como:
"Think what that money could bring
I'd buy everything
Clean out Vivienne Westwood
In my Galliano gown
No, wouldn't just have one hood
A Hollywood mansion if I could
Please book me first class to my fancy house in London town".
Lá se foi a militância.
Agora, se quisermos feministas têm de ser uma coisa muito diluida, muito incipiente. E o umbigo continua a ter de ser atraente. É irrelevante se há cada vez mais mulheres a entrar na universidade. O que a corrente cultural nos diz é: pratiquem mais no físico que na física, porque se safam melhor...
Se querem pop que não seja galinha têm de ir à Shakira (Don't bother) ou à irredutível Pink, as irredutíveis gaulesas que resistem à galinhagem pop. YOU GO, GIRLS.
7 comentários:
Pois, como sempre, amiga, tens toda a razão. A Gwen Stefani ficou galinha...já viste o último clip "wind it up"? Lembra vagamente o tão célebre "musica no coração" com o tirolês pelo meio mas há ali qualquer coisa que não sei.
Quanto à Pink, apesar de alguns modelitos meio p'ró despiditos, "stupid girls" é um espanto. Se reparares, reconheces algumas "galinhas da pop"
Uma frota do costume
De facto quando se vê a maioria dos vídeos da MTV, tenho essa sensação de regresso ao passado, em que o único desejop das mulheres é agradar oas homens e embonecarem-se todas...Pode ser que seja apenas uma fase...
Beijinhos
Jalamos muito sobre isto, mas fico muito contente de ver que incluiste a Shakira Isabel na tua lista. E não só pelos temas do Oral Fixation, que a moça desde os 17 sabe perfeitamente onde vai e o que está a fazer por aqui. E olha que se alguém explora bem o corpinho são precisamente a Shakira e a Pink que despem com muita glória...
Deixa-me só acrescentar uma coisita que me anda a incomodar: é que estamos a assitir ao nascimento de uma nova espécie de galinha que vou designar agora e de forma temporária por não me ocorrer melhor, a estirpe "holier than thou" da qual um bom exemplo é a omnipresente Lilly Allen que se passeia por aí com aqule sorriso smug de quem acha que todas a outras são imbecis (o ódio de estimação dela é a Madona- que pode ser o que for mas é/foi uma revolucionária e portanto merece uma certa consideração). Não mostra o umbigo e é uma pseudo intelectual, mas a coisas que ela canta... Oh la la...
PS- Cris- Obrigado!
Sempre
Su
Cris:
a Gwen Stefani já fez o mesmo com o Rich Girl, que tem partes da música do Fiddler on the roof. Por este andar vai estragar todos os meus musicais preferidos. Tremo de pensar que a seguir pode pegar no my fair lady...
Elisa:
Fiquei horrorizada de ouvir que o VH1 é considerado o canal de música dos cotas... Outro dia, no ginásio, ousei pedir que pusessem no vh1. O funcionário, que tem de usar cábulas para se lembrar da ordem alfabética (não estou a ser má, perguntou-me se I era antes ou depois do P,disse-me logo que não, que eram musicas muito antiiiiiiiiiiiigas... Assim gramo com galinhagem e estou muito mais a par destre assunto que aquilo que gostaria, livra...
Su: Não sabia quem era a Lilly Allen, umadas desvantagens (ou vantagens?) de viver na periferia da Europa. Estive a vê-la no youtube e prometo investigar para voltar ao assunto. Quanto a Madonna, apesar de não gostar muito da música dela, não a considero galinha, bem antes pelo contrário. Mas a música é assunto extenso, a lá iremos...
beijinhos às minhas meninas:
I.
bem, a Alanis na altura cantava com muita raiva, a Shakira agora com um certo conformismo... mas a letra é quase, quase um plágio!
>> You don't even know the meaning of the words "I'm sorry"
You said you would love me until you die
And as far as I know you're still alive, baby
You don't even know the meaning of the words "I'm sorry"
I'm starting to believe it should be illegal to deceive a woman's heart <<
(sounds anything familiar??)
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Pink e a sua "U + UR hand" está fantástica, é mesmo uma tampa muito bem dada! Faz-me lembrar os saudosos Sitiados e o seu "se queres afogar o ganso, tapa-lhe o bico com a mão"
Beijinhos de uma Alemanha hoje com muito solinho e céu azul até perder de vista!
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PS - que horror, quer dizer que eu sou cota?? Eu até gosto muito de velharias, de preferência assim pró pesadotas... Bom fds!
Por acaso, bruxinha, também tinha reparado nessa parte da letra, mas a atitude é completamente diferente. O illgal não é um bom exemplo doque estava a dizer... Mas há outras, então o video do don't bother, onde ela lhe dá cabo do adorado carro está excelente...
Quanto ao tempo, aqui do meu degredo, está frio, ventoso e com chuva, nada engraçadinho.
beijinhos
I.
PS- aida hoje, num bocadonho que sobrou da aula, os meus miudos desenganaram-me, não só os meus gostos musicais são de cota, como foleiros. Aparentemente deveria a andar a ouvir Carcass e coisas assim. Eles fizeram-me uma lista porque não querem que me desactualize, lol.
ah! Carcass?? Nunca ouvi...
manda-me lá a tal lista, para eu me actualizar também!!
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