Gosto muito deste filme de 1939 (agora refeito, com a Meg Ryan e Eva Mendes, é que nem falemos DISSO). E acho que gosto tanto dele não tanto porque se trata de um hino ao feminismo mas sim porque é um retrato bastante exacto daquilo que nós somos. E acreditem que nós só muito raramente somos um hino ao feminismo. Como diz o cartaz do filme, é tudo por causa de homens. E é.
Naquilo que o filme acerta, e acerta em cheio, é o facto de não aparecer um único homem. Apesar de serem o tema constante das conversas e o catalisador de todas as suas acções eles aparecem fora do enquadramento, não visíveis, não presentes. O que é uma boa descrição do estado de coisas. É como se fossem mais um dos nossos objectos, para amar e disputar, para pôr de lado ou manipular, para exibir e usar, estranhamente inanimados.
As mulheres deste filme vão passando de ambiente em ambiente, do quarto para o ginásio, para a esteticista e para a casa de amigas, para as lojas e para as passagens de modelo num universo estanque e redutor concentrando todas as suas energias no uso mais conveniente a dar aos objectos da sua afeição. E se formos bem a ver, movimentos feministas e queimas de soutiens das nossas mães á parte, não é também assim um bocado hoje?
A tradicional esfera feminina é pequena, frustrante e brutal. Somos más umas para as outras, pérfidas. Até eu que sou feminista dos oito costados não resisto, uma vez por outra a uma crueldadezinha, uma farpa certeira em quem me aborrece. Com quem estamos acaba, muitas vezes, por nos definir e por nos reduzir a um denominador comum: a esposa de, a namorada de, a mãe de... É como se começássemos e acabássemos nesse mundo de papelão de relações e estética e nada mais houvesse para além disso.
As revistas femininas deixam-me doente, pelo que raramente as compro. Até as revistas fúteis dos homens como a FHM são mais interessantes que as nossas, que não superam a parvoíce de conselhos de relações e palmadinhas nas costas, a moda e a maquilhagem com uma ou outra treta pseudo-espiritual new age como cura de cristais ou aromaterapia. Aparentemente, não é suposto preocupar-nos com mais, e sabem todos os santinhos a cara que a dona da papelaria faz quando compro a Visão ou o The Economist.
Diz o Dr. Phil (vá, sou gaja o suficiente para lhe ver o programa uma vez por outra) que ensinamos aos outros como tratar-nos. Se concentrarmos todo o nosso tempo, energia e vontade nesse circulozinho tipicamente feminino retratado no filme seremos eternamente tratadas como parvinhas fúteis e descartáveis. E sabem uma coisa? Merecemos. Temos de ser mais, muito mais que meramente mulheres, concentradas no habitual, no lugar-comum do nosso sexo. Temos de nos esforçar por ser seres humanos completos, conscientes de nós e do mundo que nos rodeia. E temos de deixar de tratar os homens menos como um elemento inerte- que domina, mas não participa numa espécie de parceria em pé de igualdade de dois seres conscientes de livre vontade. Porque se não o fizermos só nos resta a indignidade deste mundo fútil, onde aquilo que temos de esperar para o futuro é andar a competir com trapos e kg das outras e a lutar, impiedosamente, pela posse de homens. O que, admitamos, é um bocado morte cerebral.
4 comentários:
excelente exposição! muito bem articulado e visionado. por acaso, não vi o filme, mas agora tb já não me dá vontade de ver...(risos)
a questão é pertinente: temos que ser muito mais (mas também) e aí reside uma questão curiosa... o ser muito mais, o ser "inteira" afasta muito as pessoas. e os tais circulos de amizades ... restringem-se a um isolamento muito cheio de solidões. só um aparte para dar a entender o porquê das tais "bipolaridades sãs" de que hoje em dia os psiquiatras falam, já ...
gosto deste cantinho. parabéns.
LadyAnt
Acho que o segredo está em simplesmente ser aquilo que queremos ser. Os outros raramente, senão nunca, sabem de nós o suficiente, pelo que os seus julgamentos são irrelevantes. Há muitos anos já que ignoro o que pensam os outros. É que não há melhor que aguentarmo-nos com as nossas próprias forças, sermos primeiro aquilo que queremos ser e não o que os outros acham que devemos. Pode haver algumas solidões, talvez, mas os amigos, os amores de verdade são aqueles que vêm o todo que somos como é, e o aceitam, sem nos tentar moldar, sem termos de fingir ou mudar ou pedir desculpa pela nossa natureza.
Obrigada pelo comentário
É preciso coragem para se tentar ser como se deseja, sem ceder aos modelos que nos vão sendo apontados (sobretudo pelos homens, mas também por algumas mulheres).
Esse é um caminho que, uma vez iniciado, não tem retorno: quem percebeu a sério, algum dia, que a cabeça se quer erguida não saberá viver doutra forma.
E não há mal nenhum em ser-se Bomboca desde que se goste (ou nunca se acorde... ups!)
Gosto muito de passar pelo seu blogue. Parabéns.
Eu até gosto de bombocas, o doce, não o conceito...
Obrigada pela visita
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