segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Histórias de fadas para meninas más



Independentemente da casa onde viva, filosofa a lobinha má, um porco é sempre um porco.

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Sete-Sóis e Sete-Luas

"Deveria isto bastar, dizer de alguém como se chama e esperar o resto da vida para saber quem é, se alguma vez o saberemos, pois ser não é ter sido, ter sido não é será, mas outro é o costume, quem foram os seus pais, onde nasceu, que idade tem, e com isto se julga ficar a saber mais, e às vezes tudo..."

De acordo com o evangelho segundo Saramago basta isto: uma presença, um momento, um olhar, para o coração reconhecer e aceitar a identificação profunda do amor. Uma primeira vista que dura para sempre. Para mim, para nós, o amor à primeira vista é uma espécie de mito urbano agradável, que aconteceu ao amigo do amigo mas do qual não há nunca provas documentais concretas. Com a considerável experiência (e cinismo) que vem com a idade, preferimos acreditar na mensagem publicitada pelo Closer de Mike Nichols (na minha opinião um dos mais honestos filmes sobre a natureza do amor jamais feito) : quem acredita no amor à primeira vista, nunca deixa de procurar.
Baltasar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas são uma espécie do amor no seu estado mais puro, e, consequentemente mais perfeito: um equilibrio perfeito de yin e yang em que os dois amam na mesma medida e comprimento de onda, em que ambos são duas metades que se completam. Que são mais juntos, como unidade, que separados, e que, mesmo assim, permanecem unos e independentes. Um milagre.
A ideia de que homens e mulheres são uma metade, e que, pelo mundo anda à solta a metade perfeita para os completar é antiga. Já os gregos, a matriz cultural do ocidente, acreditavam nisso. Mas os gregos tiveram a sabedoria de acrescentar à mistura Eros, para justificar as asneiras em que os mortais se metiam, amando gente inadequada. O cristianismo, que os seguiu, eliminou a margem de erro: o amor é carne de uma só carne, alma de uma só alma, só separável pela morte. O que, evidentemente, só nos enche de medo, frustração e culpa. Medo de não encontrar, ou conseguir reconhecer, caso apareça, a nossa metade. Frustração e culpa pelos falhanços que vamos acumulando vida fora. Na nossa experiência, temos sempre de nos ajustar, há partes de nós que não encaixam, que não são aceites, e, na melhor das hipóteses, o equilibrio entre o que ama e o que é amado é de 45%/55%. Mas mesmo assim, continuamos a acreditar que possa ser verdade, que a nossa metade anda por aí, os Sete-Sóis para as nossas Sete-Luas.
Pessoalmente, aceito a palavra segundo Saramago com a mesma dose de saudável cepticismo que aceito toas as outras coisas de fé. Mas numa coisa o mestre está certo. Podemos não encontrar, pode não existir a pessoa certa yin e yang que Baltasar é, mas podemos, e devemos, amar com a mesma medida que eles dois o fizeram.
"Aceitas para a tua boca a colher de que se serviu a boca deste homem, fazendo seu o que era teu, agora tornando a ser teu o que foi dele, era como se calada estvesse respondendo a outra pergunta,(...)e tantas vezes que se perca o sentido do teu e do meu, e como Blimunda tinha dito que sim antes de perguntada, então declaro-vos casados."
É bom acreditar que pode ser assim, que o que nos une são os gestos de todos os dias...
"Fica, enquanto não fores, será sempre tempo de partires"
E que ficamos porque queremos ficar.
"Lembras-te da primeira vez que dormiste comigo, teres dito que te olhei por dentro, Lembro-me, Não sabias o que estavas a dizer, nem soubeste o que estavas a ouvir quando eu te disse que nunca te olharia por dentro. […] Eu posso olhar por dentro das pessoas. "
Que somos um e não metade, um dado livremente e assim aceite, um que não pertence, mas fica.
" Talvez alguém, talvez Blimunda, não por ter puxado Baltasar para a barraca, (...) mas por uma ânsia que lhe aperta o coração, pela violência com que abraça Baltasar, pela sofreguidão do beijo, pobres bocas, perdida está a frescura, perdidos estão alguns dentes, partidos outros, afinal o amor existe sobre todas as coisas. "
As coisas, se certas, são, não duram, porque o tempo devora tudo até ser pó.
"Encontrou-o.(...). Naquele extremo arde um homem a quem falta a mão esquerda. Talvez por ter a barba enegrecida, prodígio cosmético da fuligem, parece mais novo. E uma nuvem fechada está no centro do seu corpo. Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda."
Melhor ainda é reconhecer quando não dá e, sem amargura, seguir em frente, e amar outra vez sem medida, como Baltasar e Blimunda.
Todos os itálicos são da obra Memorial do Convento, de José Saramago.
Este texto é:
Para a minha mãe, por me ter ensinado a ser como sou.
Para a minha irmã, pelos contrastes.
Para as minhas amigas, pelas cicatrizes de guerra e memórias partilhadas.
Para os homens que amei, imperfeitamente, pelo que me ensinaram.
Para quem me lê, e vai ficando por aqui, comigo.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Eye Candy


Ricardo Araujo Pereira
(não há nada mais sexy que um homem inteligente e com sentido de humor... excepto, talvez um com um corpo lindo, cabelo preto e olhinho azul... ou o George Clooney... Mas o RAP não está nada mal, convenhamos)










Os falecidos da viúva alegre


As coisas são como são. Quer tenhamos amado muito, pouco, assim-assim, quer seja amor da nossa bida balhamedeus ou um colossal erro de casting, as relações chegam ao fim. E a partir daí, perdemos um mais-que-tudo para ganharmos tristemente famosos ex. E como todas as coisas que nos acontecem, temos que os gerir de forma a manter a sanidade mental.
Há muitos anos já que me refiro aos meus ex-namorados como os meus falecidos. A reacção das pessoas é, ou de divertimento aprovador ou de uma espécie de horror fascinado, tipo sou tão cabra feminista que os mato logo. O motivo porque o faço não poderia estar mais longe de um desejo inteso de os ver esticar o pernil, de ver os seus coraçõezinhos negros e mentirosos parar de bater (apesar de, pontualmente,ter os meus momentos), mas sim uma estratégia de distanciamento psicológico, eu explico.
Quando conhecemos uma pessoa, e começamos uma relação, isso muda-nos, na linha da água filosófica que não passa duas vezes no mesmo rio. Somos outras pessoas. Construimos a nossa identidade para lá de nós, numa extensão de nós para sermos parte de um casal. E por mais incipiente ou ineficaz que esta alteração seja, não voltamos a ser como éramos. Podemos ser mais amargas ou mais cínicas, mais aliviadas ou mais sábias, mas não o mesmo que éramos antes de termos essas pessoas nas nossas vidas. Nesse sentido, e porque as pessoas que nos entram ou saem vida afora são uma espécie de cortes na nossa linha recta, a sua entrada ou saída são uma morte, no sentido de que aquilo que foi, não volta a ser.
Depois, a dimensão de viuvez é, igualmente, uma reflexão eminentemente prática. É que quando há um divórcio,uma ruptura, as coisas são difíceis e chatas de resolver e, quer se queira, quer não, há contas a acertar, bens a resolver, é uma coisa chata e arrastada. A morte não, após o choque do momento, o ritual de fim e o período de luto, as coisas ficam resolvidas, acabadas, arrumadas onde pertencem, no passado, porque da morte não se regressa. E eu acho que o fim de uma relação, se ela foi verdadeira e não superficial, é isso mesmo, uma morte. A partir daí temos de nos reconstruir do que ficou, que poderá ser mais forte e melhor, mas não como era. Só conseguimos reconstruir-nos sob as ruinas daquilo que foi, nada pode ficar de pé. É muito mais prático seguirmos em frente que tentarmos ter de volta o amante foragido, ou catalogar com requintes masoquistas os aspectos em que quem nos seguiu é melhor que nós. Um exercício desses não faz sentido e é, sobre todos os aspectos que se veja a coisa, uma estupidez galinácea a evitar a todo custo.
Com a passagem do tempo, o afastamento emocional de encarar as coisas assim, como um fim de onde temos de partir e não um ponto de chegada, ficamos bem. Como as viúvas, pomos pontualmente flores na campa do nosso amor perdido (ou da nossa inacreditável estupidez canina) e ala que se faz tarde. Temos, sem qualquer titude vingativa ou maldosa de os matar para seguirmos em frente. E conseguirmos a alegria e seguir em frente e amar de novo, ou ter umas reboladelas no feno ou whatever.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

As mulheres admiráveis

Sendo que os homens costumam ter processos mentais mais simples que nós, a sua visão das coisas tende a ser mais directa e compartimentada que nós. Nós somos as rainhas do multitasking, e todas as coisas são parte de todas as outras. Como seres inteligentes e analíticos passaram milénios a pensar que éramos simplórias domésticas com a capacidade intelectual de um arranjo de flores juro que não percebo. Talvez por dois factores que ainda hoje se verificam: a sua incapacidade de ver as coisas para lá da aparência, sobretudo se esteticamente interessante, e a sua tendência para compartimentar tudo nos seus devidos lugares.
No universo masculino, as mulheres estão divididas em diferentes categorias arrumadinhas e impermeáveis. Criaturas menos caóticas que nós (no geral) encaram as mulheres nas suas diversas facetas e rotulam-nas de acordo com os seus sinais exteriores. As mães, as cortesãs e as santas. Nós sabemos que somos todas um bocado destas coisas todas, mas eles não o sabem. Mas pronto, as coisas são como são. E ser mãe ou ser cortesã tem as suas compensações. Ser santa é que não. Não há nada pior no mundo que sermos santas, que sermos admiradas. É um destino horrível.
Quando uma mulher entra na categoria das admiráveis santas, das duas, uma: ou está morta há muito tempo e é inacessível, ou ele a acha feia e não-desejável (apesar de todas as qualidades que a tornam admirável). O clube das mulheres admiráveis é um clube deprimente. Por exemplo, estar no mesmo espaço mental reservado a, digamos, Eleanor Roosevelt, não só morta há umas décadas como nada atraente em vida é desmoralizante de todo. Por melhor que seja ser reconhecida pela sua bondade, ou inteligência, ou talento, nenhuma mulher quer ir para a prateleira das imagens mentais a usar em caso de erecções embaraçosas. É do piorio, e de uma ironia insuportável.
Se uma mulher vale pela sua beleza é mau, porque é futilidade, objectificação e exploração, se vale pelas suas qualidades interiores é igualmente mau porque fica na categoria das intocáveis. Claro que isto traduz o má e superficial que é a sociedade e blá blá blá, mas a verdade é que é chato. É que todas as mulheres querem ser não uma coisa para um homem, mas sim tudo. Por isso é que as mulheres ficam tão zangadas com traições, porque significa que, de certa forma, falharam o seus objectivo: dar resposta a todas as necessidades do ser amado.