sexta-feira, dezembro 19, 2008

Hermenêutica e semiótica

"O texto é um piquenique onde o autor leva as palavras, e os leitores, o sentido."

Humberto Eco

Não há ninguém melhor em interpretação, ninguém mais versado em hermenêutica e semiótica que as mulheres, apaixonadas ou não. Estou, aliás convencida que o famoso sexto sentido feminino nada mais é que o famoso sexto sentido feminino nada mais é que uma refinada capacidade de interpretação de subtis sentidos nas acções e nos sinais do mundo que nos rodeia. Somos, diga-se de passagem, treinadas para isso desde pequenas, para vermos o padrão nas coisas e nas palavras, o significado de expressões faciais, de gestos, de acções. É suposto sermos empáticas, atentas aquilo que nos rodeia. E se não o somos de pequenas, somos de grandes, no amor, somos enquanto mães a interpretar gestos e necessidades dos nossos bebés, pequenos demais para se exprimir verbalmente.
A nossa capacidade hermenêutica é um imperativo biológico, essencial à continuidade da espécie. Sendo os homens aquilo que são, uns grunhos, se não fosse a nossa capacidade hermenêutica as relações nunca começariam, ou se começassem nunca se desenvolveriam ou perdurariam para além da primitiva forma de comunicação que é o sexo. É a hermenêutica, ou como diz o Carlos Tê na voz dos Clã, a nossa competência para amar, que mantêm a nossa civilização coesa e funcional.
Como nenhum instrumento humano é perfeito, também a hermenêutica está cheia de falhas e armadilhas. É aqui que entram as palavras do Humberto Eco: se o texto (ou enunciado verbal) é um piquenique para onde nós levamos o sentido, então todas as interpretações estarão correctas, certo? Pois não, minhas amigas, e não sabem o prazer que me dá poder usar a natureza masculina para refutar uma teoria de interpretação literária que sempre achei uma treta, nem todas as interpretações estão certas.
As mulheres, sobretudo as apaixonadas, vêm com toda a atenção todos os enunciados orais (conversas de treta), todos os textos (SMS e afins), todos os gestos, pausas e hesitações, para, a partir destes aferir o estado da relação. Constroem, a partir desta interpretação uma teoria do estado das coisas, modificando o seu comportamento para responder às necessidades deste modelo teórico. Infelizmente para elas, nem sempre estão correctas, espalhando-se ao comprido. Lá porque uma coisa é verosímil não significa que seja verdadeira (ora toma, Humberto!).
É, aliás, muito fácil de ver que os próprios homens conhecem esta nossa fraqueza hermenêutica e a exploram, dizendo e fazendo aquilo que os vai conduzir ao efeito desejado, nomeadamente a reboladela no feno, de preferência sem mais complicações. Não se esqueçam que as canções do bandido, se são eficazes, por alguma coisa é.
De qualquer forma, os nossos erros interpretativos nem sempre se devem a sermos manipuladas pelos homens. Muitas vezes é apenas wishful thinking da nossa parte e pura determinação em fazer a realidade caber nos nossos desejos. Se assim não fosse, se fossemos sempre eficazes e correctas não haveria amores não correspondidos nem mal-entendidos trágicos nenhuns. Como já explanei num texto anterior (a teoria KISS), nós temos a mania de complicar e encontrar sentidos e explicações ocultas na realidade. Mas estes delírios interpretativos raramente, senão nunca, dão grande resultado. Ficamos, diga-se de passagem, é com grandes caras de tacho quando percebemos como a nossa liberdade interpretativa nos levou a becos sem saída dos quais só nos livramos recuando sem grande dignidade. Os homens são lamentavelmente literais, sobretudo quando estão muito interessados ou quando não estão interessados de todo.
A solução para o pântano da hermenêutica passa, em conclusão, por controlarmos criteriosamente o grau de interpretação que aplicamos à vida e às relações. Passa por nos lembrarmos que eles aplicam à vida, sempre que possível, a regra do simplex, nem sequer estão emocionalmente equipados para grandes subtilezas hermenêuticas. E passa, sobretudo, por, sempre que possível, ir directamente à fonte. Se parecer bom demais para ser verdade é porque é, e a explicação mais simples costuma ser a verdadeira. E se ainda tiverem dúvidas recusem interpretações, não aceitem mais que tudo devidamente explicado e clarinho da boca deles. Treinem comigo a pergunta: ouve lá, que raios queres dizer com isso?

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Guilty pleasures

Robert Pattinson as Edward Cullen
(aposto que pensavam que era moralmente superior a isto, não pensavam? Pois não sou...)

ah, e a propósito...


também não sou moralmente superior a vibrar com Bryan Adams .

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Gastrossexuais

Um dos adágios que se ouviam antes era que gordura era formosura. Outro, que se conquista um homem pelo estômago. Apesar de não ser verdade ( um coq au vin impecável empalidece face a um corpinho bikini), este antigo adágio ganhou uma interpretação e uma vida novas. Amigas, contemplem esta nova tribo urbana pós-moderna, os gastrossexuais.
O Deus dos gastrossexuais é, como não podia deixar de ser Jamie Oliver, chef extraordinaire e gajo que mesmo assim é muita gajo, sem afectações efeminadas. Para além de adorarem no altar do Naked Chef e de, imagino, preparar pratos de massa verdadeiramente yummy (as receitas do Oliver nunca desapontam), estes homens têm como objectivo máximo seduzir as mulheres através dos seus dotes culinários. Eles, queridas, têm uma forma de souflé e sabem como usá-la (e isto, infelizmente NÃO é uma metáfora vagamente sexual).

Eu até compreendo a necessidade e o acerto dos homens saberem cozinhar. Eles vivem muito mais tempo sozinhos que a geração dos pais deles e nós, por outro lado, estamos longe de ter a educação de prendas domésticas que as nossas mães tinham. Num mundo incerto, homem que é homem e não quer ir ao take-away tem de saber estrelar o seu próprio ovo, fritar o seu próprio bife, cozer a sua própria batata. É justo e razoável que os homens ajudem em casa, nomeadamente a preparar refeições. Como estratégia de sedução é que não sei bem. Comigo, por exemplo, nunca funcionaria, ou pelo menos não a longo prazo.

Se há vantagens óbvias num homem que distinga um banho-maria de uma máquina de lavar, não sei até que ponto quereremos mesmo um homem com veleidades de chef e gastrónomo às soltas na cozinha. Eu, que efectivamente sei e gosto de cozinhar, daria em doida com um homem assim. Territorial como sou com a minha cozinha começaríamos com elogios à capacidade de execução do prato, chegaríamos ao prato principal lívidos e de dentes cerrados e em menos de um fósforo estaríamos a rebolar pelo chão e a esgadanhar-nos um ao outro, e não no bom sentido da coisa. Claro que para mulheres que não sabem dos muitos e variados usos de um passe-vite um homem que se escravize na cozinha e, simplesmente, lhes dê de comer como se fossem umas princesas é irresistível. Eu é que levanto sérias objecções à escravatura, seja ela de que forma seja, preferindo nisto, como em tudo, um equilíbrio das coisas.

Neste mundo moderno, não sei se já repararam, cada vez que surge uma tribo urbana, esta é ou incompreensível, ou irritante. Primeiro, apropriaram-se dos cremes e dos SPA, os metrossexuais, agora apropriaram-se do avental e da cozinha. É inadmissível. E aviso desde já: se se atreverem a desenvolver o seu lado feminino nos saltos altos ou nas camisas de noite de seda viro freira, juro que viro! E que tal desenvolverem uma tribo urbana útil, uma que fizesse falta, uma que fosse a resposta às nossas preces de mulheres modernas na sala e na cozinha? Deixo já aqui em baixo uma dica:



quarta-feira, dezembro 03, 2008

Foge comigo, Maria

Aqui há uns anos deram-me o Tom Waits. Deram-mo dado, para mim, e fiquem, aliás, sabendo que se desfrutam dele é devido à minha magnanimidade e boa vontade. Sendo que não sou uma pessoa especialmente materialista, foi o presente perfeito, sendo a ponte entre os meus gostos e os dele. É bom termos pontes nestas coisas.
Pois esse mesmo falecido, para além de me dar o Tom Waits, para mim, queria fugir comigo. Iríamos para Paris e viveríamos numa mansarda, eu dos meus livros, ele da arte dele e seriamos ridiculamente felizes e tudo e tudo e tudo. É óbvio que lhe disse que não. Não era prático, não era seguro, era um disparate. Acho que as coisas começaram a morrer um bocadinho ali, mais ou menos a partir da minha sexagésima quinta recusa em fugir com ele. Já a coisa estava nos últimos estertores quando ele me acusava, repetidamente, de não o amar o suficiente, de me amar mais que eu a ele. Eu, convencida que tinha ali à minha frente o meu sete-sóis dito e escrito estava indignada, claro que amava, podia lá ser de outra maneira? Aparentemente podia, mas a ficha só me caiu anos depois, quando me encontrei na mesma posição em que ele se encontrava.
Como nos fizemos espectacularmente infelizes um ao outro, só depois de me ver livre de todas as feridas, fechar todos os fantasmas no respectivo sótão é que percebi que o homem estava coberto de razão. O que, como devem ter sentido, provocou uma alteração do eixo do universo e um sismo de proporções épicas. Mas a razão, essa ninguém lha tirava. Ou se ama demais (e cito-o), ou não é o suficiente.
Eu que amava muito, mas não demais, não percebia o ponto de vista dele. Não queria fugir mas ficar, construir uma coisa sólida e lógica e racional, como se o amor se compadecesse dessas coisas. Para se construir um amor sólido, uma coisa que valha a pena não basta a razão, nunca. É precisa a loucura de deixar tudo e todos para trás, de pôr tudo de lado para fazer a coisa funcionar. Nada mais importa.
Na altura, não queria, nem estava pronta para abdicar de nada, queria tudo. Queria a família, as amigas (e amigOs, ponto de constante discórdia), a rotina e o trabalho e a ele. Evidentemente que não pode ser. Amar é um exercício, como diz o Rilke, de libertação. Do outro, porque preso ninguém ama bem, mas também de nós, de despojamento e de abdicação. Para amar temos de estar dispostos a perder, e a perder não só o que podemos e queremos, mas sobretudo o que não queremos nem podemos. Azar foi esta sabedoria só me ter chegado anos depois, quando já não me dava proveito nenhum. Mas pronto aqui fica. Se lhes pedirem para fugir, pensem nisso. Até que ponto amam?

Esperança


As esperanças são as únicas sobreviventes do naufrágio das expectativas.