sexta-feira, abril 21, 2006

Reciclagem




Hoje em dia pode-se reciclar tudo. O papel, vai para o papelão. O vidro vai para o vidrão. Os plásticos e os metais vão para o ponto verde. As pilhas têm pilhões, os medicamentos são recolhidos nas farmácias, até os monstros como sofás velhos e frigorificos avariados podem ser levados pela camara para terem um fim digno. Só os ex-namorados é que não. Não há nenhum ponto verde para o amor que acabou, ficamos com os ex-namorados a atravancar a alma, depositados assim a céu aberto. É uma vergonha. Um perigo para a saúde pública. Tenho a certeza que até vai coontra as normas europeias. Assim, concebi um programa de três fases para a remoção desses resíduos tóxicos:
  1. remova todos os vestígios visíveis. Rasgue cartas, apague o telefone da memória do telemóvel, ponha o peluche tão foooofinho no forno a 300 graus, faça uma pira funerária das fotografias. Se não houver provas de que por ali esteve, podemos sempre sonhar que foi uma má fantasia que criamos na mente num momento de fraqueza.
  2. Vingue-se, se sentir necessidade. Esta fase, é, na verdade opcional, podendo ser uma coisa subtil, como dizer a todos os amigos comuns que ele ressonava como um porco ou que nunca cortava as unhas dos pés, ou uma coisa de grande impacto, como espalhar pela cidade posters A3 com a cara dele, o telefone e a morada com o título -palhaço, pintar-lhe o gato de gor-de-rosa ou servir-lhe bolonhesa de comida de cão. Lembre-se sempre que a melhor vingança é esquecê-los e ignorá-los olimpicamente, mas há casos em que ser zen não resolve, e cada qual tem aquilo que merece.
  3. Recomece a sua vida tentando mencionar-lhe a existência o menos possível. Aqui, a palavra de ordem é esquecer. Se se concentrar demasiado no rancor e na vingança, dificilmente vai conseguir superar o monumental erro de casting que representou o dito falecido. Há escolhas tristes que fazemos que mais vale não contar a ninguém, como botas de camurça cor-de-rosa com borlas ou aquele ex-namorado que achava sofisticado ir jantar a uma churrasqueira com pratos de plástico ou usar um fio de ouro que a mãezinha deu sempre visível.

Um dos erros mais habitualmente cometidos, de parte a parte, é a história da AMIZADE. Mas qual amizade, qual quê, que história é essa de se ficar amigo dos ex, como é que isso é possível? Não basta a deposição do lixo tóxico no nosso coração, como ainda teimamos na exposição prolongada, sujeitas a apanhar qualquer coisinha má, como uma recaída. Não, isto de acabar é para acabar mesmo, as coisas têm de se levar até ao fim. Acham que os revolucionários franceses por acaso só cortaram um bocado de pescoço aos aristocratas e disseram, ah, e tal, vamos ficar amigos? Não, claro que não. Alguém que nos deixa, que prefere outra pessoa a nós (mesmo que secretamente achemos a outra irritantemente perfeita, ou sobretudo, se isso acontecer), não tem nada que ficar nossa amiga. Não lhe podemos levar nada a bem sermos alvo de um upgrade e postas para o lado como um telemóvel de segunda geração só porque sairam os de terceira. Mas prontos, se fomos deixadas porque preferiram ficar sozinhos a ficar connosco, aí sim, é juntar o insulto à injúria. Alguém que acha preferível estar sozinho a estar connosco, aconchegadinho nos nossos braços , alguém que não reconhece implicitamente que os nossos braços são infinitamente melhores que estar sozinho, tem o valor facial de uma bola de cotão ou de uma nódoa no nosso fato preferido. Ora, não se fica amigo de cotão. Não se trocam ideias com uma nódoa na nossa blusa preferida, só porque está ali há muito tempo e nos conhece bem, não é verdade?

A única e verdadeira maneira de lidar com os ex é mesmo tentar removê-los dos nossos coraçõezinhos sensíveis e partir para outra ou outro com a bagagem emocional no mínimo. É o mínimo que se pode fazer.

Se foram vocês a terminar a relação então tiveram muitíssima razão, pelo que tudo o que está ali acima não se aplica.

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