Os ingleses têm uma palavra, um conceito, na verdade, intraduzível para o português a não ser numa data de frases que sempre gostei muito: serendipity. Serendipity significa uma descoberta casual, mas feliz, assim uma espécie de nirvana, mas em pequenino, aquele momento de ah-ha! Em que, subitamente, e para surpresa nossa, percebemos o mundo um bocadinho melhor e as coisas fazem sentido, uma surpresa agradável, por pura coincidência (eu disse que eram precisas várias frases). Os filmes de Wong-Kar Wei têm sempre esse efeito em mim, essa serendipity, porque, na verdade, sempre achei que ele pensa como eu (ou eu como ele, que a soberba não fica bem a ninguém e eu para pensamentos pecaminosos bem me chega todos os outros).
Quando vi o Blueberry Nights, tão maltratado pela crítica doeu-me um bocadinho a alma. Na realidade percebia perfeitamente onde queria chegar, àquelas noites em que somos náufragos e vemos o mundo passar através de uma janela na noite, ou uma vitrina em que estamos intocados na dor das nossas perdas. Na verdade todos temos o momento em que não somos mais que umas chaves esquecidas num aquário de pequenas e grandes perdas na cidade, sem portas que abrir, sem portas para que voltar.
Lidar com a perda não é fácil, apesar de ser necessário. E nisto o tempo e o espaço são apenas pequenas marcas irrelevantes que não chegam a fazer mossa no grosso da nossa dor privada. Amarem-nos é uma espécie de eternidade. Perduramos naqueles momentos iniciais de amor partilhado onde tudo é ainda possível. Ao afastarem-se, ao afastarem-se de nós é também essa eternidade que morre. Quando partirmos nós, para longe, para o fim, que seremos sem essa eternidade? Um nome? Um talão a um canto, um carro decrépito, um rosto numa fotografia velha? Nada. Mas lidar com a perda é necessário, ou seremos sempre isso, rostos na noite a olhar para dentro, sem pertencer. Passamos pelas fases todas, tão depressa ou devagar quanto nos é necessário a nós, não aos outros: negação, raiva, negociação, depressão, aceitação. E supera-se. Não completamente, não tudo, nem sempre incluindo o perdão. Mas supera-se. Atiram-se para o lixo chaves e esperas inúteis. E se tivermos sorte, muita sorte, teremos risos partilhados ao fim da noite. E a serendipity numa tarte de mirtilos.
Quando vi o Blueberry Nights, tão maltratado pela crítica doeu-me um bocadinho a alma. Na realidade percebia perfeitamente onde queria chegar, àquelas noites em que somos náufragos e vemos o mundo passar através de uma janela na noite, ou uma vitrina em que estamos intocados na dor das nossas perdas. Na verdade todos temos o momento em que não somos mais que umas chaves esquecidas num aquário de pequenas e grandes perdas na cidade, sem portas que abrir, sem portas para que voltar.
Lidar com a perda não é fácil, apesar de ser necessário. E nisto o tempo e o espaço são apenas pequenas marcas irrelevantes que não chegam a fazer mossa no grosso da nossa dor privada. Amarem-nos é uma espécie de eternidade. Perduramos naqueles momentos iniciais de amor partilhado onde tudo é ainda possível. Ao afastarem-se, ao afastarem-se de nós é também essa eternidade que morre. Quando partirmos nós, para longe, para o fim, que seremos sem essa eternidade? Um nome? Um talão a um canto, um carro decrépito, um rosto numa fotografia velha? Nada. Mas lidar com a perda é necessário, ou seremos sempre isso, rostos na noite a olhar para dentro, sem pertencer. Passamos pelas fases todas, tão depressa ou devagar quanto nos é necessário a nós, não aos outros: negação, raiva, negociação, depressão, aceitação. E supera-se. Não completamente, não tudo, nem sempre incluindo o perdão. Mas supera-se. Atiram-se para o lixo chaves e esperas inúteis. E se tivermos sorte, muita sorte, teremos risos partilhados ao fim da noite. E a serendipity numa tarte de mirtilos.
4 comentários:
OLha que eu gosto bastante de "epifania"- apesar de ter sempre um tom muito proprio, muito catolico. Mas entendo aquilo que queres dizer. Perdao nao e condicao sine qua non para ir alem da dor. E na verdade, nem sequer o sao todas as fases que inumeras. As vezes, basta fazer so um tantinho do caminho para ja estar mais proximo da liberdade. Na verdade, cada uma das fases traz uma epifania, uma serendipity propria- quando se tem sorte- ou pelo menos, miolos para a aproveitar. Ou como dizia um daqueles chain mails que me mandaram ha um tempo atras- quando voce perder, nao perca a licao...
jinhos
su
OLha que eu gosto bastante de "epifania"- apesar de ter sempre um tom muito proprio, muito catolico. Mas entendo aquilo que queres dizer. Perdao nao e condicao sine qua non para ir alem da dor. E na verdade, nem sequer o sao todas as fases que inumeras. As vezes, basta fazer so um tantinho do caminho para ja estar mais proximo da liberdade. Na verdade, cada uma das fases traz uma epifania, uma serendipity propria- quando se tem sorte- ou pelo menos, miolos para a aproveitar. Ou como dizia um daqueles chain mails que me mandaram ha um tempo atras- quando voce perder, nao perca a licao...
jinhos
su
OLha que eu gosto bastante de "epifania"- apesar de ter sempre um tom muito proprio, muito catolico. Mas entendo aquilo que queres dizer. Perdao nao e condicao sine qua non para ir alem da dor. E na verdade, nem sequer o sao todas as fases que inumeras. As vezes, basta fazer so um tantinho do caminho para ja estar mais proximo da liberdade. Na verdade, cada uma das fases traz uma epifania, uma serendipity propria- quando se tem sorte- ou pelo menos, miolos para a aproveitar. Ou como dizia um daqueles chain mails que me mandaram ha um tempo atras- quando voce perder, nao perca a licao...
jinhos
su
Tchi, tens razão em triplicado!
Luv ya
i
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