quarta-feira, dezembro 26, 2007

Natal

Actualmente, parece que está na moda não gostar nem celebrar o natal. Não há blogueiro com pretensão intelectual, celebridade de revista, entrevistado na rua que admita que o celebre, sem desgosto ou ironia. Eu, ao contrário da moda corrente, até gosto do natal. Não, a sério, sem ironias, gosto mesmo.
Sou uma rapariga conservadora. Ou melhor, conservadora de uma certa perspectiva. Tanto o feminismo como os ideais de esquerda que professo estão a modos que fora de moda. Mas sou ainda conservadora noutro aspecto: a família. Se acredito firmemente na liberdade pessoal, também acredito que ninguém se safa sozinho, precisamos sempre de outros. Podemos, se quisermos, isolar-nos emocionalmente dos outros, mas as coisas são infinitamente melhores se tivermos um círculo de pertença que nos acolha e nos ame, onde, independentemente das asneiras e erros que façamos na vida, pertencemos sempre.
A maneira como vejo o natal é sem esse véu de cinismo que agora parece estar na moda. É uma altura em que estou com aqueles que amo e que me amam, onde sou sempre benvinda e onde pertenço. Trazemos connosco, ao longo da vida, poucas coisas e poucas pessoas. Os contactos perdem-se os laços que julgávamos indestrutíveis diluem-se até ao nada. Só trazemos connosco aqueles que contam mesmo, só permanece o nosso círculo, presente no natal nos cheiros e sabores e sensações do natal. Não há dor de alma que não se cure na cozinha da minha mãe no dia 24 enquanto eu, ela e a minha irmã fazemos as coisas de natal. Está tudo onde deveria estar.
Eventualmente tudo passa, tudo acaba, a vida empurra-nos para a frente e nem esse círculo de família e amigos muito próximos dura para sempre. Os amigos formam os seus próprios círculos de família, a nossa família espalha-se pelo mundo, ou simplesmente parte para sempre onde não os podemos seguir. Eu tenho a sorte de poder estar ainda com eles, de poder aproveitar a companhia de quem gosta de mim. Não sujaria essa possibilidade com o cinismo de não gostar do natal, de o ver com ironia ou rabujice. E por isso gosto mesmo do natal. Sem ironias. E sugiro que aproveitem a quadra com este espírito também. Enquanto podem.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

sábado, dezembro 08, 2007

Aquilo que somos quando crescemos

Quando era pequena, desejava secretamente ser a Joan Collins da Dinastia. E digo secretamente porque ninguém admitiria, no seu são juízo querer ser a má da fita. Querer ser a Maddie, do Modelo e Detective, ou a Makepeace, do Dempsey e Makepeace era uma coisa aceitável. Apesar de não serem as heroínas frágeis do Norte e Sul, de serem umas duronas de todo o tamanho eram, manifestamente, boazinhas. A chatice é que as vilãs, sobretudo na Dinastia, tinham muito mais estilo, aproveitavam muito mais a vida que as boazinhas, que pela sua bondade parvita estavam sempre a cair nas maquinações das vilãs. Sim, é verdade, que com o tempo, o bem vencia o mal e as vilãs eram castigadas nos últimos episódios. Mas entretanto tinham tido uma novela, ou época de série para se divertir à grande. De qualquer maneira não era só o lado das raparigas más poderem ir para todo lado e as boas só para o céu que me atraía nas vilãs. Era também o estilo. É um facto, as vilãs vestiam-se melhor que as boazinhas, senão comparem e contrastem a figura acima. Qual das duas parece a sopeira e qual das duas parece a diva, hein? E qual das duas é a boazinha e a má? Vêm como corresponde? Se quisermos ser hermenêuticas, e a mim hoje está a apetecer-me, podemos detectar facilmente o código por detrás das imagens sendo o bom toda a imagem da leveza das cores claras e aspecto simples e o mau detectado na sofisticação das cores escuras. O que é um código tão subtil como uma marretada na cabeça, mas prontos. Mas por detrás disso está um código menos subtil, mas não menos eficaz, em voga desde o romantismo, que é a imagem de uma certa sensualidade presente na simbologia das cores. As loiras são a imagem da inocência sexual e as morenas a personificação da sensualidade voraz e perigosa para os homens. É a virgindade vs a experiência, e todas nós sabemos o mal que os homens engolem experiência numa mulher, certo? Pois. Mas avancemos, que não era exactamente sobre isto que queria falar.Numa de melancolia e de reflexão sobre o tempo que passa com o aniversário e assim, dei por mim a pensar nisso mesmo, no que queria ser quando fosse grande e lembrei-me deste pequeno detalhe: queria, secretamente ser a vilã sexy em vez da boazinha vítima. E posso dizer-lhes que, durante muito tempo, falhei miseravelmente. Foram demasiados anos de reflexo condicionado a ser boazinha e maternal e queriducha para conseguir desconstruir essa imagem de feminilidade aprendida no berço. Levou tempo e trabalho, e uma dose considerável de chapadas d vida para o conseguir fazer. É que sabem, eu, como muitíssimas das minhas amigas, colegas, conhecidas, fomos educadas para sermos, se não fadas do lar, mulherzinhas sérias e conscienciosas e inefavelmente BOAZINHAS. Realizar-nos profissionalmente, construir-nos a nós próprias à margem de namorados, maridos e filhos, família foi uma coisa perfeitamente marginal à nossa educação, tivemos de aprender sozinhas. E eu acredito firmemente que somos muito da educação que levamos, ou não teria enveredado pela espectacularmente ingrata e mal paga profissão que tenho.Claro que outra parte de nós, talvez a mais básica e imutável é a que trazemos connosco desde que nascemos e que não há ninguém que emende ou altere. As minhas amigas com filhos lhes dirão isso mesmo. A Emma, de três meses e picos é um bebé reflexivo e sociável tanto quanto a minha sobrinha era activa e decidida, tanto quanto o Gui era tranquilo e bonacheirão, um gajo porreiro desde o berço. A minha sobrinha aos três anos é tão fashion victim que acha que roupa é melhor que brinquedos. A Rita, filha da minha colega E. é tão dread e radical que a mãe tem quase desgosto. E isto vem delas, não tem a ver com o que foram educadas e muito menos com antecedentes familiares, believe me. Assim, a questão complexifica-se, acerca do que somos quando crescemos. Estará no nosso código genético sermos boazinhas e parvas de nascença? Estaremos geneticamente predispostas a sermos mulheres sem espinha dorsal nas mãos do primeiro sacaninha bem-parecido que nos apareça pela frente? A resposta é um NIM bem ressonante.Aquilo que éramos, que somos, que queremos ser depende da cultura em que estamos, evidentemente. Depende, em igual medida da nossa educação. Depende, sem dúvida da nossa carga genética e da personalidade e aspecto físico que nos saiu na rifa do espermatozóide vencedor da corrida. Mas depende também, e sobretudo de um quarto elemento poderoso, que consegue suplantar todos estes factores: a nossa vontade. Somos o que queremos ser, tal como estamos onde queremos fazer. E se tivermos vontade podemos ultrapassar todos os obstáculos que a vida nos põe à frente. Podemos ser aquilo que quisermos ser. De modos que, apesar de não ser a vilã sexy da Dinastia, estou razoavelmente satisfeita com quem sou, ou como sou. Venci os handicaps que me foi possível e, no geral, arrependo-me de muito pouco, quase nada. Isso é bom, não é? Aquilo que somos quando crescemos somos nós que traçamos, que decidimos, que podemos alterar. Isso é que é ser adulta.